Opinião

Sobre a remessa financeira para o exterior entre instituições religiosas

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9 de outubro de 2021, 6h03

A remessa ao exterior para qualquer finalidade institucional ligada ao exercício das atividades religiosas não desnatura a imunidade a impostos assegurada a templos de qualquer culto pelo artigo150, VI, "b", da Constituição Federal.

Sem que a imunidade em questão seja afetada, é lícito e possível remeter recursos ao exterior para a manutenção das atividades religiosas, o que usualmente ocorre — ao menos entre entes da Igreja Católica — por meio das contribuições anuais às sedes gerais dos institutos religiosos ou mesmo à Santa Sé, por parte das dioceses.

No entanto, o entendimento firmado pela Receita Federal do Brasil (RFB) em 2019 fixou a obrigatoriedade de retenção na fonte do Imposto de Renda de pessoa física ou jurídica estrangeira.

A remessa de dinheiro do Brasil para o exterior é comumente realizada por meio de ordem de pagamento, via instituição autorizada pelo Banco Central do Brasil, e, pela regra geral, incide Imposto de Renda (IRPJ) retido na fonte pela instituição responsável pelo envio de recursos ao outro país.

A Receita Federal do Brasil reconhece que a imunidade sobre impostos de que gozam os templos de qualquer culto não conflita com a remessa internacional. Sequer proíbe tal envio. Isso se dá porque as vedações do artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN) não se aplicam às imunidades de tais entidades, sendo endereçadas às associações civis.

Até 2018, a regra vigente para o Fisco era de que a remessa ao exterior de quantia financeira não estava sujeita à incidência de impostos, haja vista que tal operação não violaria o direito à imunidade dos templos de qualquer culto. Entretanto, em 25/3/2019 foi editada a Solução de Consulta (Cosit) nº 104, que, seguindo a nova redação do Regulamento do Imposto de Renda editada em 2018 (RIR/2018), afastou a previsão anterior do mesmo RIR (de 1999), artigo 690, inciso III, cujo texto pregava a não retenção do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) referente às remessas de valores havidos por doação por residente ou domiciliado no exterior.

Desde então, nas remessas ao país estrangeiro, a Fazenda passou a exigir o dever de retenção do IRRF da pessoa que será beneficiada pela remessa internacional no momento do envio, instrumentalizada por contrato de câmbio. Nesse caso, o agente financeiro ou o banco encarregado da remessa fará a retenção do Imposto de Renda devido por quem receberá o recurso, seja ele pessoa física, seja pessoa jurídica.

Quanto à alíquota incidente, registra-se que a legislação não prevê percentual específico para operações de tal natureza, porém, a Cosit nº 104/19 estabeleceu que deve ser aplicada a alíquota de 15%, exceto se o beneficiário for residente em país estrangeiro ou classificado como de tributação favorecida (paraíso fiscal), hipótese em que a alíquota aplicável é de 25%, tudo isso em conformidade com o artigo 744 do RIR/2018.

Importante ressaltar que, diante do RIR/2018 e da nova Solução de Consulta nº 104/2019, a remessa de capital por organizações religiosas a entidades estrangeiras — nos termos anteriormente aqui explicados  é possível e não acarreta a perda da imunidade constitucional. Entretanto, estabelece a obrigatoriedade de retenção na fonte do Imposto de Renda.

Parece-nos que a incidência do IRRF nos casos em que a remessa tiver natureza de doação é eivada de ilegalidade, pois, para a RFB, a operação é tributada por imposto que não incide sobre esse tipo de operação. Ademais, prevê ainda regra de retenção na fonte sem o critério da progressividade.

Nesse contexto, o não recolhimento do IRRF poderia ser objeto de questionamento judicial, visto que estabelece a incidência de imposto sobre fato gerador que, por regra, não está sujeito ao referido tributo. Entretanto, a demanda deveria ser proposta pelo donatário.          

A conclusão é que o preceito que estabelece a imunidade de templos de qualquer culto não inibe as remessas estrangeiras, independentemente das exigências impostas pelo artigo 14 do CTN, sendo possível remeter recurso ao exterior sem o risco de perda da referida garantia constitucional. Entretanto, a pessoa jurídica ou física estrangeira que recebe o recurso é tributada pelo IRRF, pelo Estado brasileiro, devendo tal recolhimento ser feito por meio da instituição financeira utilizada pelo remetente para envio da quantia ao destinatário. Consoante acima exposto, entende-se que tal exação contraia o ordenamento jurídico, sendo plausível de desafio por meio dos meios procedimentais administrativos e judiciais cabíveis.

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