Opinião

A 'simplificação' da administração das SAs com o Marco Legal das Startups

Autor

  • Lucas Alves Canha

    é advogado e consultor jurídico de startups com ênfase nas áreas de Direto Contratual e Societário no escritório Passinato & Graebin e formado pela Universidade Positivo.

9 de outubro de 2021, 17h11

O Marco Legal das Startups [1] entrou em vigência no ordenamento jurídico brasileiro no início de setembro, com o objetivo de desburocratizar a legalização de empresas e incentivar o desenvolvimento de negócios inovadores, especialmente para viabilizar o financiamento das atividades desenvolvidas pelas startups mediante oferta de suas ações na bolsa de valores ou, ainda, pela admissão de investidores institucionais em companhias de capital fechado.

O referido diploma legal tratou de conceituar as startups como "organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados". Todavia, para usufruir deste enquadramento legal, deverão, sobretudo, preencher cumulativamente os seguintes requisitos: 1) obter receita bruta de até R$ 16 milhões ao ano; 2) deter registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas há menos de dez anos; e 3) declarar, em seus atos societários, que os serviços ou produtos decorrentes de suas atividades se enquadram no conceito de inovação [2] trazido pela Lei nº 10.973/2004.

Em que pese o compartilhado otimismo quanto à possibilidade de adequada estruturação de inovadores e promissores negócios, inclusive para captação de investimentos em substituição ao engessado financiamento bancário, a Lei Complementar nº 182/2021 trouxe uma importante mudança na Lei 6.404/1976 (Lei de Sociedades Anônimas, ou LSA), a qual infelizmente carece, até então, de maiores reflexões.

Para a constituição e manutenção de uma sociedade anônima há obrigatoriedade do capital social ser subscrito por duas pessoas, no mínimo [3] [4]. No mesmo sentido, o artigo 146 previa que a diretoria deveria ser composta por dois ou mais diretores. Ocorre que, sob o pretexto da redução de custos, o Marco Legal das Startups franqueou a possibilidade de eleição de um único administrador [5], sem atentar para os efeitos que tal mudança poderia acarretar à dinâmica da relação entre seus sócios e investidores, especialmente no que se refere à prestação de contas, matéria de alta litigiosidade e indagação em nossos tribunais.

De acordo com a LSA, os administradores estão impedidos formalmente de votarem suas próprias contas e as demonstrações financeiras da companhia [6]. Com isso, haveria margem para que os demais acionistas insatisfeitos com os resultados iniciais da startup — ou até pelo simples fato de serem preteridos da função de administradores — praticassem abusos em detrimento da boa administração e dos propósitos empresariais que motivaram a sua associação, o que se revelaria um contrassenso aos objetivos que motivaram tais modificações legislativas.

Assim, a eventual concentração do poder gerencial seria capaz de gerar assimetrias de informação e conflito entre seus sócios e investidores, seja por questões de hierarquia, remunerações ou insatisfações pessoais com o negócio, situações estas que devem ser previamente avaliadas caso a caso, e sempre que possível, evitadas em prol da harmonia do interesse social.

Diante disso, é possível afirmar que as decisões atinentes à forma de gestão — geralmente deixadas em segundo plano — passaram a ser fundamentais na estruturação dos negócios, especialmente no que tange à distribuição de poderes e limitações de responsabilidades.

 

[1] Lei Complementar nº 182/2021.

[2] "Artigo 2º – Para os efeitos desta Lei, considera-se: (…) IV – inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho".

[3] "Artigo 80 – A constituição da companhia depende do cumprimento dos seguintes requisitos preliminares:
 I – subscrição, pelo menos por 2 (duas) pessoas, de todas as ações em que se divide o capital social fixado no estatuto".

[4] "Artigo 206 – Dissolve-se a companhia: (…) d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em assembléia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251".

[5] "Artigo 143 – A Diretoria será composta por um ou mais membros eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração ou, se inexistente, pela assembleia geral, e o estatuto estabelecerá".

[6] "Artigo 134 – Instalada a assembléia-geral, proceder-se-á, se requerida por qualquer acionista, à leitura dos documentos referidos no artigo 133 e do parecer do conselho fiscal, se houver, os quais serão submetidos pela mesa à discussão e votação. § 1° Os administradores da companhia, ou ao menos um deles, e o auditor independente, se houver, deverão estar presentes à assembléia para atender a pedidos de esclarecimentos de acionistas, mas os administradores não poderão votar, como acionistas ou procuradores, os documentos referidos neste artigo".

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