IMPROBIDADE EM DEBATE

A reforma da Lei de Improbidade já sopra seus ares

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8 de outubro de 2021, 8h00

Aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2.505/2021 (originalmente, 10.887/2018) após as emendas ofertadas pelo Senado Federal, finalmente podemos dizer, ressalva feita à possibilidade de vetos e à necessária promulgação, que temos uma reforma da Lei de Improbidade (8.429/1992).

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As muitas mudanças já foram e continuam sendo objeto de discussão neste espaço, sendo interessante nesta edição, nada obstante, enaltecer outro fato não menos simbólico ocorrido também e que reforça os novos ares que sopram sobre o tema: a decisão liminar proferida na ADI 6.678.

Na referida ação, a propósito, o Partido Socialista Brasileiro impugnou os incisos II e III do artigo 12, particularmente na parte em que cominam a sanção de suspensão de direitos políticos em razão de atos de improbidade que importem em prejuízo ao erário ou que atentem contra os princípios da Administração. A propósito dos parâmetros para o controle de constitucionalidade proposto, foram invocados os artigos 15 e 37, § 4º, da Carta.

De modo a elucidar sua tese, o Autor inicialmente recorreu a pesquisa empírica aludida pelo próprio Supremo Tribunal Federal no julgamento de outra ação (ADI 6.421), afirmando que 10% das ações de improbidade em geral examinadas pelo trabalho se relacionam a condutas que resultaram em enriquecimento ilícito e que mais da metade envolvem apenas a modalidade teoricamente “mais leve” de improbidade (ofensa a princípios).

Partindo daquela premissa, os direitos políticos, como espécie do gênero fundamentais, sofreriam uma relativização desproporcional, vendo ferido seu núcleo essencial sempre que ilícitos sem relevante representatividade fossem capazes de patrocinar uma injustificável limitação àquele patrimônio jurídico individual, de especial importância.

É dizer, não haveria sentido em que os direitos políticos ostentassem particular proteção e destaque no texto constitucional, mas admitissem, por força de disposição infraconstitucional, flexão, sob o signo de sanção a resguardar ofensa por irregularidade sem a correspondente altura, tudo a fazer com que o efeito colateral do remédio se tornasse mais pernicioso que a chaga.

Daí que, tomando como exemplo a Lei da Ficha Limpa e a inelegibilidade como consequência excepcional de ato de improbidade, doloso, que importasse enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, e, portanto, de elevada reprovabilidade, o Autor pontuou não haver sentido em que, na esteira da Lei Complementar n. 135/2010, e.g., exigisse particular gravidade para a perda momentânea da capacidade eleitoral passiva, mas que os incisos II e III do artigo 12 prescindissem da mesma gravidade para chancelar a suspensão total dos direitos políticos, aí incluídas as capacidades eleitorais ativa e passiva.

Pois bem. Distribuída à relatoria do Ministro Gilmar Mendes, deferiu ele liminarmente medida cautelar sob fundamentos sólidos e bastante afinados com o espírito que imbuiu a reforma da Lei de Improbidade.

Em primeiro lugar, pontuou-se na aludida decisão que a previsão da suspensão dos direitos políticos, como limitadora de direitos fundamentais, como tal deveria ser interpretada, isto é, restritivamente. Emblemático, nesse sentido, que o texto inicial do § 4º do artigo 37 mencione que a suspensão de direitos políticos “só se dará” em hipóteses que tais, dentre as quais a improbidade administrativa, do que absolutamente não se depreende, notadamente à luz do caráter contingencial que norteia a admissão, que todo e qualquer caso de improbidade contemple aquela extraordinária sanção.

Indo adiante, a decisão tocou o cerne da controvérsia constitucional: seria a gradação temporal prevista na Lei de Improbidade suficiente à acomodação constitucional da excepcionalidade daquela pena? Acertadamente, a resposta foi negativa, apontando-se que a gradação quantitativa da pena de suspensão de direitos políticos convive com uma gradação qualitativa que torna necessariamente precedentes a essa sanção outras tantas, menos gravosas. Na esteira dessas razões, seguiu a decisão, o legislador teria incorrido em excesso a desbordar dos limites de uma discricionariedade legislativa autorizável, afrontando a proporcionalidade ao promover “contraditoriedade, incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins.”

Ainda em reforço de sua fundamentação, a multicitada decisão foi mais além para empreender, de modo expresso, interessante diálogo com o projeto de reforma da Lei de Improbidade, realçando como sua tônica a preocupação com desproporcionalidades e o escalonamento de potencialidades delitivas de modo a se evitarem sanções graves para fatos de menor ofensa e sanções brandas para fatos lesivos.

À guisa de perigo da demora, enfim, aduziu o provimento que, à vista da anterioridade eleitoral, fazia sentido a apreciação liminar de modo a resguardar não apenas os interesses do cidadão-candidato, garantindo-se-lhe segurança e previsibilidade na escolha sobre disputar ou não o pleito, mas também, em última análise, o próprio jogo democrático, afetado que é pela participação ou exclusão de quem dele pretenda participar.

Concluindo, assentou-se por (a) conferir interpretação conforme à Constituição ao inciso II do artigo 12 da Lei 8.429/1992, estabelecendo que a sanção de suspensão de direitos políticos não se aplica a atos de improbidade culposos que causem dano ao erário; e (b) suspender a vigência da expressão “suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos” do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/1992.

Como antecipamos no limiar deste texto, a decisão em questão merece aplausos ao encampar tese, de fato, arrojada e estendemos nossas congratulações aos patronos, na pessoa do advogado Rafael Carneiro. E isso não somente por perscrutar o sensível terreno da discricionariedade legislativa, mas por ressonar o que há de mais vanguardista, em termos normativos, no trato da improbidade, no que, concedemos, se houve muito bem.

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