Opinião

A Lei de Improbidade Administrativa e a cautelar na ADI 6.678

Autor

  • Ana Paula Mella Vicari

    é advogada mestre em Direito MBA em Gestão e Business Law especialista em Compliance Anticorrupção e sócia no escritório Aloísio Zimmer Advogados Associados com sede em Porto Alegre.

7 de outubro de 2021, 10h42

Depois da novidade trazida pela Lei Complementar 184/2021 para as eleições de 2022, excluindo a hipótese de inelegibilidade por rejeição de contas do gestor sem imputação de débito, agora temos mais uma inovação no cenário do Direito Público. Vale lembrar que a LC 184 precisava ser sancionada pelo presidente da República antes do último dia 2 para valer para as próximas eleições. A previsão foi cumprida e a sanção veio no dia 31 de setembro.

No último dia 1º, mais uma novidade. O ministro Gilmar Mendes deferiu medida cautelar, na ADI 6.678, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), para: 1) suspender a vigência do inciso III do artigo 12 da Lei de Improbidade; e 2) dar interpretação conforme à Constituição para prever a suspensão dos direitos políticos, no caso do artigo 10, somente para atos dolosos de dano ao erário.

A decisão cautelar impede, portanto, a aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos para atos ímprobos de caráter culposo, sejam eles derivados de dano ao erário (artigo 10) ou de violação a princípios (artigo 11), lembrando que o enriquecimento ilícito, previsto no artigo 9º, demanda necessariamente ato doloso.

A ADI 6.678 foi proposta em fevereiro deste ano e estava sob relatoria do ministro Marco Aurélio. Ainda em março, o ministro anotou que o caso demandava julgamento definitivo, acionando o disposto no artigo 12 da Lei 9.868/99:

"Artigo 12  Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação" [1].

O autor da ADI sustentou que a sanção de suspensão dos direitos políticos revela verdadeiro alargamento desproporcional da restrição a direitos fundamentais, importando em flagrante violação à proporcionalidade e ao artigo 14, caput, da Constituição. Ainda defendeu que a sanção para casos culposos também ofende os princípios da legalidade e da reserva legal, na medida em que transfere ao juiz a necessária gradação da sanção, quando, segundo o artigo 37, §4º, da Constituição, essa obrigação é do legislador ordinário, que não a exerceu adequadamente quando da edição do artigo 12 da Lei 8.429/92.

Desde então, a ADI tramitou para intimação da AGU, do presidente da Câmara dos Deputados, do presidente do Senado Federal, do presidente da República e, ao final, para parecer da Procuradoria-Geral da República. A AGU e a PGR concordaram em defender a improcedência do pedido.

Segundo a PGR, "(a) penalidade de suspensão dos direitos políticos, prevista nos incisos II e III do artigo 12 da Lei 8.429/1992, respeita a Constituição, uma vez que não dispensa o juiz de demonstrar a proporcionalidade entre a aplicação da reprimenda e as circunstâncias do caso concreto". A AGU também defendeu que a suspensão dos direitos políticos está em consonância com a Constituição Federal.

Em 22 do mês passado, o autor da ADI, destacando a proximidade do período eleitoral, que exige o respeito ao princípio da anualidade para a aplicação de eventuais mudanças, e o risco contínuo ao exercício da cidadania e ao regime democrático, requereu, novamente, a concessão de medida cautelar, com o objetivo de "suspender a aplicação da penalidade de suspensão dos direitos políticos nas hipóteses dos incisos II (quanto à forma culposa do artigo 10) e III do artigo 12 da Lei n. 8.429/92 até o julgamento de mérito" da ADI.

A ação constitucional foi então distribuída ao ministro Gilmar Mendes para exame do pedido cautelar, sobretudo diante da proximidade do dia 2 de outubro, data em que se consolidam as regras do jogo da disputa eleitoral com um ano de antecedência [2] [3].

Foi então que o ministro deferiu a medida cautelar pleiteada, com efeitos ex nunc, para: 1) conferir interpretação conforme à Constituição ao inciso II do artigo 12 da Lei de Improbidade, estabelecendo que a sanção de suspensão de direitos políticos não se aplica a atos de improbidade culposos que causem dano ao erário; e 2) suspender a vigência da expressão suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos do inciso III do artigo 12 da Lei de Improbidade.

O dispositivo da decisão destaca que os seus efeitos já valerão para o pleito eleitoral de 2022, indicando a possibilidade de registro de candidatura daqueles gestores condenados por ato de improbidade, tanto na forma do artigo 11 (violação a princípios), quanto pelo artigo 10 (dano ao erário), quando este último seja decorrente de ato culposo.

Excluídos dessa hipótese estão os gestores condenados por improbidade na forma do artigo 9º da Lei 8.429/92, que trata especificamente do enriquecimento ilícito, para qual a condenação exige necessariamente a demonstração do dolo.

A decisão do ministro vem logo após a aprovação no Senado do Projeto de Lei 2.505/2021, que prevê alterações na Lei 8.429/92, como, por exemplo, a exigência de dolo para a condenação por qualquer dos tipos de ato de improbidade administrativa. O PL voltou para exame da Câmara dos Deputados porque o relatório aprovado teve modificações que precisam ser apreciadas pela casa iniciadora, antes da sanção presidencial.

Ou seja, os atos de improbidade, se aprovado o PL, passarão a depender de condutas dolosas, uma vez que será suprimida a modalidade culposa. Outra importante alteração prevista no PL se destina à ampliação do prazo de suspensão dos direitos políticos, que passará dos atuais oito anos para 14 anos.

Alguns poderão se perguntar se a aprovação do PL no Congresso Nacional não pode vir de encontro à recente decisão cautelar exarada na ADI 6.678. Mas, em um olhar mais atento, tem-se que a decisão não está em dissonância à ampliação do prazo da penalidade de suspensão dos direitos políticos, uma vez que ela apenas se restringe à aplicação de tal sanção a casos dolosos — em convergência com a outra previsão do projeto de lei de que a condenação por improbidade administrativa passa a ser somente para casos comprovadamente dolosos.

Ou seja, tanto a decisão cautelar da ADI 6.687 quanto as alterações previstas no PL 2.505 e no PL 10.887 estão na linha de aperfeiçoar a aplicação da Lei de Improbidade. A atuação na área revela que, atualmente, são graves as distorções na condenação de gestores públicos e na fixação desproporcional das sanções do artigo 12. E essa abertura descalibrada do poder punitivo do Estado acaba, ao final, por prejudicar a própria gestão pública, na medida em que não se consegue diferenciar o mau gestor daquele que busca, mesmo com as dificuldades e obstáculos do mundo real, a consecução das políticas públicas.

 


[1] BRASIL. Lei 9.868/99. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm>. Acesso em out 2021.

[2] Segundo o TSE: "[r]esumidamente, então, o princípio da anualidade eleitoral estabelece um limbo, compreendido no período de um ano imediatamente antes das eleições, durante o qual as legislações que alterem o processo eleitoral devem permanecer sem aplicação, tendo por consequência a ineficácia dessas leis para as eleições que ocorram há menos de um ano de sua entrada em vigor". Disponível em <https://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-4-ano-3/principio-da-anualidade-eleitoral>. Acesso em out 2021.

[3] Segundo o TSE: "[r]esumidamente, então, o princípio da anualidade eleitoral estabelece um limbo, compreendido no período de um ano imediatamente antes das eleições, durante o qual as legislações que alterem o processo eleitoral devem permanecer sem aplicação, tendo por consequência a ineficácia dessas leis para as eleições que ocorram há menos de um ano de sua entrada em vigor". Disponível em <https://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-4-ano-3/principio-da-anualidade-eleitoral>. Acesso em out 2021.

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  • é advogada, mestre em Direito, MBA em Gestão e Business Law, especialista em Compliance Anticorrupção e sócia no escritório Aloísio Zimmer Advogados Associados, com sede em Porto Alegre.

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