A subordinação por algoritmo e os seus reflexos nas (novas) formas de trabalho
7 de outubro de 2021, 11h01
Um assunto extremamente sensível e palpitante, sem dúvidas, é a problemática enfrentada pelos motoristas de aplicativos.
O tema é sensível, dado o surgimento de uma nova forma de subordinação que acontece através de um algoritmo, já que a prestação do serviço irá seguir as instruções da plataforma.
Dito isso, impende frisar que, entre os requisitos que configuram a relação de emprego, indiscutivelmente a subordinação jurídica desempenha um papel fundamental para o reconhecimento da relação de emprego.
A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 3º, preceitua que: "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".
Nesse sentido, recentemente, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região manteve a decisão de primeiro grau que julgou improcedente o pedido de um trabalhador que pleiteava o reconhecimento de vínculo de emprego com a empresa Uber [1].
Na primeira instância, o juiz, ao proferir a sentença, entendeu que o trabalhador detinha liberdade tanto para escolher os dias e horários de trabalho quanto recursar viagens, e, nesse cenário, não restaria caracterizada a subordinação na prestação de serviços. A decisão foi validada na segunda instância [2].
Em sentido contrário, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região não só reconheceu o vínculo de emprego entre o motorista de aplicativo e a empresa Uber, como também a condenou no pagamento de uma indenização por danos sociais [3].
Inobstante a ação tenha sido julgada improcedente no primeiro grau de jurisdição, a instância superior reformou a decisão por entender que o vínculo de emprego foi mascarado e fraudado por meio de algoritmos.
Em seu voto, o desembargador relator destacou que o controle e a subordinação realizados pelo algoritmo são mais eficazes do que os tradicionais métodos contidos na clássica relação de emprego, nos moldes dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho [4].
A respeito de tal temática, nos ensina Ana Paula Silva Campos Miskulin [5]:
"(…) No Brasil, assim como se observa em vários países, a dificuldade em construir a proteção adequada a esses trabalhadores repousa no fato de que, via de regra, apenas os trabalhadores com vínculo empregatício estão sob a proteção integral do Direito do Trabalho.
Logo, a realidade e que aqueles que se ativam por meio de plataformas digitais, hoje ficam submetidos à insegurança jurídica, pois, se por um lado, é defensável que não possuem direitos trabalhistas, lado outro não é aceitável que sejam regidos pelo Direito Civil, cuja principal premissa de incidência repousa na condição de igualdade entre as partes, que nesse caso, inexiste (…)".
Portanto, cabe destacar a importância de um estudo aprofundado sobre o verdadeiro conceito de subordinação, inclusive sob a ótica dos diversos meios de controle trazidos com as novidades digitais.
Com efeito, em razão do avanço da quarta revolução industrial, novas formas de trabalho estão surgindo, e, por conseguinte, a subordinação clássica dos contratos de trabalho também tem passado por uma metamorfose. Aliás, a partir da compreensão da essência do referido instituto, se mostra plausível conceber, de forma nítida, quais seriam os trabalhadores que efetivamente possuem essa liberdade e autonomia para executar o seu trabalho, em relação àqueles sujeitos ao gerenciamento do empregador.
Frise, por oportuno, que o Tribunal Superior do Trabalho foi provocado para validar e autorizar um pedido de perícia técnica no algoritmo da empresa Uber, que havia sido deferida pelo juízo de primeira instância e mantido pelo tribunal regional. O objetivo de tal procedimento era de verificar se havia a presença dos componentes para a caracterização do vínculo de emprego [6].
A empresa Uber, no entanto, requereu uma tutela cautelar de urgência com pedido de efeito suspensivo ao recurso, até que houvesse o julgamento do mérito. O ministro Douglas Alencar, do TST, deferiu a tutela de urgência, em particular por se tratar de uma matéria de alta complexidade.
Entrementes, em outra ocasião, o Tribunal Superior do Trabalho já emitiu um juízo de valor sobre a temática envolvendo a questão da subordinação e reconhecimento do vínculo de emprego, entre o motorista e a plataforma [7]. A decisão foi no sentido de inexistir subordinação jurídica, e, por conseguinte, não haver relação de emprego.
É cediço que existem ainda questões a serem melhor desenvolvidas acerca dessa nova forma de trabalho por aplicativo. A título de exemplo, podemos mencionar benefícios que foram concedidos aos motoristas da Uber no Reino Unido, v.g., salário mínimo, férias e pensão. Afinal, não se pode admitir que os direitos básicos e fundamentais dos trabalhadores sejam ameaçados por essas novas formas de trabalho.
Destarte, vale lembrar que o artigo 6º da Constituição Federal preceitua que "são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição", ou seja, esses direitos sociais são garantidos para a manutenção das necessidades primordiais, assim como uma vida digna do ser humano.
Os atuais tempos exigem novas atitudes, contudo, essas modificações não devem acarretar um retrocesso social, principalmente sob o fundamento da autonomia da vontade e crescimento da economia.
Essas soluções devem ser elaboradas, sobretudo do ponto de vista legislativo, observando-se os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, assim como os direitos e garantias fundamentais, os direitos sociais e a saúde destes trabalhadores, para que, ao final, possa ser encontrado um equilíbrio.
É forçoso não deixar que essas inovações tecnológicas sejam uma forma de enevoar o contexto vivido, trazendo, assim, uma falsa sensação de quebra de paradigmas, ou, ainda, tentar transparecer o surgimento de um novo modelo jurídico, quando, na realidade, trata-se de novas roupagens jurídicas para antigos conceitos consagrados.
Em arremate, é crucial o debruçar sobre o tema para uma melhor compreensão dessa subordinação algorítmica. É indiscutível que a tecnologia já trouxe — e, com o tempo, trará cada vez mais — fortes impactos nas formas de trabalho, de modo que é preciso que sejam elaboradas soluções jurídicas, visando a garantir um trabalho digno e padrões aceitáveis de civilidade.
[1] Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/352111/trt-7-nao-reconhece-vinculo-de-emprego-de-motorista-com-a-uber . Acesso em 04.10.2021.
[2] Processo 0000691-90.2020.5.07.0002. Desembargador Relator Plauto Carneiro Porto. 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Acórdão publicado em 21.09.2021.
[3] Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-set-23/trt-reconhece-vinculo-emprego-entre-motorista-uber . Acesso em 04.10.2021.
[4] Processo 0020750-38.2020.5.04.0405. Desembargador Relator Marcelo Jose Ferlin D’ Ambroso. 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Acórdão publicado em 25.09.2021.
[5] Aplicativos e Direito do Trabalho: a era dos dados controlados por algoritmos – São Paulo: Editora Juspodivm, 2021. Página 135.
[6] Disponível em http://tst.jus.br/-/ministro-suspende-realiza%C3%A7%C3%A3o-de-per%C3%ADcia-t%C3%A9cnica-no-algoritmo-da-uber . Acesso em 05.10.2021.
[7] Processo:RR-10555-54.2019.5.03.0179, Órgão judicante: 4ª Turma, Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho Acórdão publicado em 05.03.2021.
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