Opinião

O dilema da homologação dos acordos extrajudiciais

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7 de outubro de 2021, 20h33

A reforma trabalhista de 2017 introduziu o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial, segundo o qual empresa e empregado, representados por advogados distintos, de acordo com a escolha de cada parte, podem peticionar conjuntamente requerendo a homologação do que pactuaram extrajudicialmente.

Acordos extrajudiciais sempre existiram e sempre existirão. As partes sempre puderam compor amigavelmente, transigir e buscar a solução de conflitos sem necessidade de uma interferência judicial. Mas, antes da reforma trabalhista, os acordos extrajudiciais, envolvendo matérias trabalhistas, geravam enorme insegurança jurídica, mesmo quando as partes estavam assessoradas por advogados (por elas escolhidos e pagos) e, independentemente de o empregado ser hipersuficientes, como executivos e altos empregados e/ou de o acordo envolver valores expressivos.

Isso porque, ante a falta de consenso sobre o tema, pairava a dúvida sobre qual seria o entendimento da Justiça do Trabalho caso o ex-empregado, após assinar um acordo extrajudicial, ingressasse com uma reclamação trabalhista pedindo verbas iguais ou mesmo diferentes daquelas acordadas. Como a Justiça do Trabalho encararia a quitação total do contrato de trabalho outorgada extrajudicialmente e as cláusulas de renúncia do direito de ajuizar ações? A verdade é que tais acordos contavam quase que exclusivamente com a boa-fé das partes acordantes (notadamente dos ex-empregados), pois a Justiça do Trabalho, diante do princípio da irrenunciabilidade de direitos trabalhistas, tendia ao entendimento quase uníssono de que os acordos feitos no âmbito de uma demanda judicial eram legítimos, mas aqueles feitos extrajudicialmente, mesmo após o término do contrato de trabalho, não eram e jamais poderiam limitar o acesso à justiça.

Com a reforma trabalhista, o disposto nos artigo 855-A e seguintes, portanto, parecia ser a solução da insegurança jurídica e o começo de uma nova etapa. A princípio, o procedimento foi criado com o intuito de ser célere, eis que o juiz deve analisar o acordo, no prazo de 15 dias a contar da distribuição da petição conjunta, e designar audiência apenas se entender necessário. Após, deverá proferir a sentença.

De plano, foi possível ver as vantagens do procedimento: prestígio à negociação privada e solução rápida dos conflitos, menor custo para as partes e segurança ante a chancela do Poder Judiciário.

Aqueles que tivessem pleitos e conseguissem êxito em negociações extrajudiciais poderiam se valer desse procedimento, dando ao empregador a tranquilidade de que as negociações, feitas com boa-fé e com a assistência de advogados, seriam homologadas e, assim, as partes poderiam seguir em frente, sem receio de surpresas. Aqueles que não tivessem essa oportunidade seguiriam contando com o Poder Judiciário, sem qualquer impedimento para o ajuizamento de suas demandas. O procedimento da homologação não foi introduzido como requisito e tampouco como obstáculo para demandas, mas como solução para as partes que tivessem interesse em resolver extrajudicialmente seus conflitos, não dando publicidade e não ficando à mercê dos prazos e da sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário.

Tudo em linha com princípios caros ao processo do trabalho que, desde os primórdios, visa à conciliação das partes. Tanto é assim que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, introduziu as Juntas de Conciliação e Julgamento e, mesmo após a sua extinção, em 1999, não houve qualquer mudança nos artigos 846 e 850, que privilegiam a conciliação no procedimento trabalhista. Conciliação visada logo no início da fase de conhecimento, ou seja, antes mesmo de o juiz ouvir as partes e testemunhas e também logo após a instrução de cada caso concreto. Não há dúvidas, pois, de que a conciliação segue sendo um dos objetivos do processo do trabalho.

Dito isso, causa espanto, desconforto e insegurança, quatro anos depois da reforma trabalhista, perceber que o Poder Judiciário tem colocado óbices injustificados ao procedimento de homologação de acordos extrajudiciais, mesmo quando ausente todo e qualquer indício de fraude ou de desvantagem ao empregado.

Ora, não entender que o acordo extrajudicial é conveniente para o empregado, em diversas situações e pelos mais variados motivos, é retirar das partes o direito de seguir com uma medida prevista na legislação. Qual o racional para uma decisão de não homologação de acordo entabulado por ex-gerente de RH que, por motivos pessoais (e, inclusive, de preservação da confidencialidade do acordado), prefere a negociação extrajudicial, com homologação, a uma demanda trabalhista? Qual a explicação para não homologar por completo o acordo envolvendo extensão de assistência médica e pagamento de 12 salários a ex-empregado acometido por doença não profissional, o qual informou o quadro médico apenas no momento da rescisão do contrato de trabalho? Qual o motivo para presumir que o empregado que não tem diploma e/ou recebe salário inferior a R$ 13 mil não tem condições de entender uma negociação extrajudicial, seus efeitos jurídicos, mesmo assistido por advogado de sua escolha e confiança? Qual o racional para presumir má-fé? Qual o sentido de criar critérios que obstam o uso do procedimento, quando a lei primou pela simplicidade e celeridade e não criou requisitos limitadores?

O Judiciário não pode analisar os acordos a ele submetidos partindo de uma presunção de má-fé das partes, pois, ao assim fazer, os juízes também desrespeitam os advogados contratados, que enfrentam semanas ou meses de negociação de um acordo e buscam a segurança jurídica prevista na legislação.

Ainda que os juízes não sejam obrigados a homologar o acordo extrajudicial, a resistência deve ser fundamentada com base em fatos concretos e não em presunções desprovidas de qualquer razoabilidade. E, verdade seja dita, a homologação de acordo extrajudicial, tal como prevista na CLT, não ofende o disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Isso porque, nas negociações extrajudiciais, as partes escolhem levar suas demandas e controvérsias para a mesa de negociação e entendem que o resultado alcançado, no âmbito extrajudicial, é suficiente para afastá-las de uma demanda morosa e, nem sempre, garantidora do resultado mais correto e/ou mais justo.

Se a parte escolheu a composição extrajudicial e concordou com a quitação total do contrato de trabalho, não cabe ao Judiciário entender pela invalidade do acordado, como vem acontecendo reiteradamente [1].

Além da resistência à homologação de acordos com quitação total, o Judiciário também tem exigido a discriminação das verbas que compõem o acordo, sem, no entanto, existir essa exigência na legislação. Diversos julgados entendem que o acordo que não discrimina todas as verbas pode não ser homologado [2], pois a quitação e a renúncia decorrentes do acordo devem ser delimitadas ao objeto do acordo.

Diante das polêmicas verificadas, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem entendido que cabe à Justiça homologar ou não o acordo extrajudicial, sem entrar no mérito dos "pedidos" negociados. Nessa linha, entendeu a 4ª Turma do TST que é da natureza do procedimento de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho [3], atinente à homologação de acordo extrajudicial, colocar termo ao contrato de trabalho, com a possibilidade da quitação do contrato de trabalho com a chancela do Judiciário. "A alternativa que caberia ao Judiciário, portanto, seria a homologação integral ou a rejeição da proposta, se eivada de vícios. (…) Assim, a atuação do Judiciário Laboral na tarefa de jurisdição voluntária é binária: homologar, ou não, o acordo. Não lhe é dado substituir-se às partes e homologar parcialmente o acordo, se este tinha por finalidade quitar integralmente o contrato de trabalho extinto".

O procedimento de homologação de acordos extrajudiciais não deve ser desestimulado pela Justiça do Trabalho, tal como feito, no passado, com as Comissões de Conciliação Prévia, instituídas pelo artigo 625-A da CLT. Isso porque, como dito acima, a solução de conflitos fora do âmbito judicial é interessante, importante e salutar para muitos. Não há motivos para se querer que os conflitos sejam sempre solucionados necessariamente em reclamações trabalhistas, pela Justiça do Trabalho, que conta com mais de quatro milhões de processos em andamento [4]. A homologação dos acordos extrajudiciais também não pode ficar limitada aos empregados que preenchem os requisitos do artigo 444-paragrafo único da CLT, pois ainda que o empregado possa ser considerado hipossuficiente, os acordos são firmados necessariamente com assistência de advogados diferentes.

Evidentemente que na hipótese de fraude não só os advogados envolvidos deverão ser responsabilizados nos termos do artigo 34 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como também o acordo deverá ser considerado nulo. Mas presumir fraude onde não há é simplesmente um desserviço que visa, claramente, a inviabilizar o uso de instituto que traz vantagens tanto para o empregador quanto para o empregado e a Justiça do Trabalho.


[1] TRT da 4ª Região, 9ª Turma, 0020753-34.2019.5.04.0241, em 29/03/2021.
TRT da 12ª Região, 0000781-39.2020.5.12.0009, em 18/03/2021.

[2] TRT da 7ª Região, 0000042-47.2019.5.07.0007, em 03/09/2021, 1ª Turma.
TRT da 22ª Região, 000811496920145220105, em 12/06/2018.

[3] TST-RR-1000015-96.2018.5.02.0435, 4ª Turma, em 11.9.2019.

[4] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2020, página 43, Disponível em <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf>.

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