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MP-MG propõe fatiar liquidação de indenizações às vítimas do desastre de Mariana

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7 de outubro de 2021, 16h47

O Ministério Público de Minas Gerais propôs à 2ª Vara da comarca de Mariana (MG) uma alternativa específica de liquidação e cumprimento de sentença de uma ação civil pública em que foi homologado acordo entre as vítimas do rompimento da barragem de Fundão e as empresas responsáveis.

Reprodução/TV Globo
As vítimas do rompimento da barragem do Fundão ainda não foram indenizadas
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Segundo a proposta, as indenizações seriam fatiadas em duas etapas distintas. Para os promotores, a adoção do case management faz com que o juiz atue de forma a promover maior racionalidade e efetividade ao processo judicial, podendo ser aplicado em casos de difícil resolução em razão de pluralidade e heterogeneidade dos atores afetados.

Em 2015, rompeu-se a barragem de Fundão, de propriedade da empresa-executada Samarco, controlada pelas executadas Vale e BHP. A avalanche de sedimentos levou 19 pessoas à morte, arruinou mais de 300 edificações (em grande maioria casas de residência), arrastou automóveis/maquinários/semoventes, destruiu plantações e aniquilou a história de vida de comunidades inteiras.

Para reparação integral dos direitos dos atingidos de Mariana, o MP-MG, com auxílio das comissões de representantes das vítimas, ajuizou ação civil pública na 2ª Vara da Comarca de Mariana. Quase três anos após o desastre foi promovida audiência de conciliação. Na oportunidade, as partes negociaram diversas regras para o pagamento das indenizações pelos danos individuais.

Porém, a obrigação do acordo não foi integralmente cumprida, razão pela qual o MP entrou com requerimento de liquidação/cumprimento de sentença.

Primeiramente, os promotores Guilherme de Sá Meneghin, Maria Carolina S. Beraldo e Davi Pirajá sustentaram a importância da liquidação da sentença coletiva para solucionar questão de tamanha complexidade. A demanda reúne, em um único processo, pretensões individuais de quase 5 mil famílias, o que inviabilizaria, ante a expressividade numérica, o preenchimento das condições materiais e humanas de que dispõe o juízo para liquidações individuais.

Um de cada vez
Assim, o Ministério Público, aplicando a ideia de case management, propõe a estruturação da fase de liquidação/cumprimento de sentença em duas etapas. Na primeira, requer-se, como ato preparatório ao cumprimento, o depósito em conta do valor obtido por cálculo aritmético, reconhecido como parcela incontroversa e mínima.

Na segunda, pleiteia-se a liquidação do título judicial produzido pela homologação do termo de acordo, complementando-se a atividade cognitiva, quanto à qualidade de lesado e à extensão do dano, e o cumprimento do título individual certo e líquido, procedendo-se ao deposito do valor individualmente devido a cada vítima.

A medida proposta na primeira etapa, que consiste na imediata execução de montante global estimado mínimo, "impedirá ou, no mínimo, atenuará o estímulo econômico das transnacionais que ocupam o polo passivo a retardar ou impedir a reparação adequada dos lesados pelos danos por elas provocados, explicaram os promotores".

Essa estimativa global é baseada na estipulação de valores uniformes de ressarcimento para cada atingido, de acordo com as negociações já finalizadas e os valores já pagos aos lesados, por região, multiplicado pelo número de cadastrados ora substituídos. A partir dessa proposta, o valor estipulado pelo MP-MG foi de R$ 2,450 bilhões.

Para o MP, tal valor é incontroverso porque foi baseado em informações colhidas no processo de cadastramento dos atingidos, também porque corresponde ao mínimo condizente à gravidade do dano.

Direitos Individuais
Na segunda etapa, deve ser resolvida dupla crise de incerteza, ressaltaram os promotores. Primeiramente, deve-se definir se determinada pessoa integra ou não o universo grupal de lesados. Na sequência, é preciso definir a extensão do dano em relação ao beneficiário individual.

Na comarca de Mariana as vítimas foram cadastradas pela entidade técnica Cáritas Brasileira, em específicos e extensos dossiês que indicam de forma sólida e consistente a existência do dano individual decorrente do evento danoso reconhecido na fase de conhecimento.

Quanto a extensão dos danos, a Cáritas produziu uma "Matriz de Danos dos Atingidos", mas essa não oferece apurações tabeladas e prontas de valores. Para que ela possa ser aplicada, no caso concreto, as suas informações devem ser cruzadas com os dados contidos nos dossiês do cadastro.

Porém, a promotoria aponta dois óbices que têm impedido a efetivação da tutela jurisdicional que garantiu às vítimas seu direito à indenização integral. Parte dos lesados, por razões de vulnerabilidade técnica e informacional, não solicitou o assessoramento para elaboração da matriz de danos, recebendo, assim, apenas o dossiê do cadastramento e não obtendo, por conseguinte, a valoração do dano individual.

Em relação aos lesados que solicitaram o assessoramento técnico-jurídico, a elaboração da matriz de danos apenas se concretiza após efetiva discussão com as empresas-rés, que reiteradamente vêm, ou recusando o reconhecimento da condição de "atingido" às vítimas, ou apresentando valores incompatíveis com a magnitude do dano, muito inferiores àqueles constantes da matriz de danos elaborada.

Dessa forma, o Ministério Público propõe a designação, pelo juízo, de perícia para emitir laudo que possibilite a aferição dos valores devidos aos atingidos, de forma individualizada.

Multa
Muito embora os prejuízos tenham ocorrido em 5 de novembro de 2015 — há quase seis anos — ainda são muitos os atingidos não indenizados, não obstante as diversas tentativas, ressaltou a promotoria.

"Esse comportamento de resistência por parte das rés agrava a situação de vulnerabilidade econômica e social de tais vítimas do rompimento de Fundão, configurando, por si, flagrante violação aos seus direitos fundamentais", disse. O MP-MG pede a condenação das rés a multa não inferior a 10% do mínimo aferido da dívida correspondente ao montante global.

Outras frentes
A ação proposta na 2ª Vara de Mariana diz respeito aos direitos individuais homogêneos dos atingidos pelo desastre. Outras ações civis públicas correm na Justiça Federal, mas são relativas aos danos transindividuais, principalmente à lesão ao meio ambiente. Nessas ações também há pedidos para melhorar a situação dos atingidos, porém não elas não têm por objetivo a reparação dos danos individualmente concebidos.

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Processo 0400.15.004335-6

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