Marginalização inadmissível

Marinha deve readmitir militar afastada após comunicar transição de gênero

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6 de outubro de 2021, 20h14

A discriminação de gênero viola o princípio da dignidade humana. Com esse entendimento, a 1ª Vara Federal de Magé (RJ) ordenou, nesta terça-feira (5/10), que a Marinha readmita uma militar transexual afastada do serviço em 2015 após comunicar aos superiores sua transição de gênero.

Divulgação Marinha do Brasil
Marinha agiu de forma discriminatória ao afastar militar trans
Reprodução

A profissional foi enviada para a reserva pelo mesmo motivo. A juíza Ana Carolina Vieira de Carvalho determinou que a Marinha readmita a militar em suas funções de operadora de sonar (instrumento marítimo), sob pena de multa diária de R$ 5 mil. Caso preencha os requisitos, a militar também deve poder progredir na carreira, ao cargo de sargento.

Além disso, a juíza estabeleceu que a militar deverá ser identificada com o seu nome social, o que vinha sendo negado pela Marinha, e que ela terá o direito de trabalhar com corte de cabelo e uniforme femininos, bem como usar maquiagem.

Fundamentos da decisão
Em sua decisão, a juíza federal Ana Carolina Vieira de Carvalho apontou que não se pode "marginalizar situações divergentes do estilo de vida compartilhado pela maioria, com base em preconceitos sociais e morais que não se coadunam com o respeito à dignidade humana". Segundo ela, é inconcebível "a existência de discriminação que impeça ou exclua qualquer minoria do acesso aos bens necessários à vida". A julgadora destacou que normas internacionais e a Constituição Federal proíbem qualquer discriminação de gênero.

Segundo a juíza, o respeito ao nome social não é "mero formalismo", mas "uma necessidade para a realização das pessoas que sofrem de disforia de gênero, visto que, a cada situação em que seja necessária a apresentação do documento original, ocorre nova situação de constrangimento e vergonha".

Além disso, Ana Carolina disse que a foto dos documentos deve corresponder ao gênero declarado da militar. Ela também deve poder usar trajes femininos e maquiagem e ser dispensada de cortar o cabelo, como é exigido dos homens.

A Marinha também não pode considerar o transexualismo como doença, como a Força fez ao declarar a cabo temporariamente incapaz para o serviço ativo. Afinal, desde 2018 a Organização Mundial da Saúde não classifica mais as identidades trans e travestis como doença, e sim como "condição relativa à saúde sexual", com a definição de que essa população continue recebendo políticas públicas de saúde em alguns países, declarou a juíza.

"Em verdade, a condição da autora nunca lhe causou qualquer incapacidade para o exercício de suas atividades. A condição fática não foi alterada, somente a classificação médica modificou-se diante do entendimento acerca da inexistência de um padrão sexual a ser seguido pelo indivíduo", afirmou a julgadora.

Conforme ela, o afastamento preventivo em razão de possíveis patologias futuras "mascara um tratamento expressamente discriminatório e reprovável por parte da Marinha". "A negativa de impedir a autora de trabalhar por eventuais doenças que possa desenvolver no futuro soa completamente descasada dos avanços legislativos, doutrinários e mesmo sociais que temos assistidos nos últimos anos em relação ao tratamento das minorias em nosso país", opinou Ana Carolina Vieira de Carvalho.

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Processo 0182854-55.2017.4.02.5114

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