Opinião

A pressão sobre a escolha do tratamento médico aos olhos do Código de Ética

Autor

  • Elano Figueiredo

    é especialista em Direito Empresarial pela FGV foi head jurídico do Grupo Hapvida entre 2001 a 2011 diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar entre 2012 e 2013 assessor especial da Amil entre 2014 e 2016 professor de pós-graduação de gestão em saúde e debatedor na rádio CBN.

6 de outubro de 2021, 17h08

A defesa da hipossuficiência vem sendo uma característica importante do Direito brasileiro. Código de Defesa do Consumidor, Consolidação das Leis do Trabalho e Código Civil de 2002 são fontes normativas que refletem bem a valorização desse papel do legislador e, em consequência, do aplicador do Direito.

A base para a configuração do agente como hipossuficiente está diretamente associada à posição em que ele se enquadra na relação jurídica: se for manifestamente desfavorável, poderá haver aí a necessidade de uma compensação de forças na interpretação das condições pactuadas.

Isso quer dizer, portanto, que a fragilidade jurídica de uma parte não está necessariamente relacionada ao seu grau intelectual ou ao seu poder financeiro. Depende sempre de um desequilíbrio entre os atores.

No caso dos médicos, a situação carece ser bem avaliada, porque o pressuposto de partida é que estamos diante de profissionais com excelente nível de instrução e condições financeiras favoráveis.

Ainda por cima, eles contam com um apoio institucional reconhecidamente importante, de suas associações, sindicatos, sociedades de especialidades e Conselhos de Medicina.

Em que pese as garantias da hipossuficiência, o Conselho Federal de Medicina já pontuou que, independentemente da situação favorável ou desfavorável em que o médico se encontre na relação com as instituições de saúde, públicas ou privadas, ele possui direitos e obrigações que são irrenunciáveis, tais como:

Tem direito a:

"IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.
V – Suspender suas atividades, individualmente ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições adequadas para o exercício profissional ou não o remunerar digna e justamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina.
IX – Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência".

Não poderá:

"Artigo 10 — Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a medicina ou com profissionais ou instituições médicas nas quais se pratiquem atos ilícitos.
Artigo 17 
— Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições administrativas, intimações ou notificações no prazo determinado.
Artigo 20 
Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade".

Em vista de esse profissional atuar com a vida das pessoas, parece-nos evidente que o CFM se esforçou em preservar as suas condições autônomas de trabalho, deixando claro duas questões: em nenhuma hipótese uma instituição poderá interferir nas escolhas deliberadas entre médico e paciente e, acaso isso aconteça, jamais o médico poderá se submeter a tal situação.

Nesse tocante, o Parecer 16/15 da lavra do próprio Conselho Federal deixou ementado desde 2015 que "nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente".

Assim, a letra clara do Código de Ética Médica não permite outra conclusão senão a de que o doutor, mesmo pressionado, ameaçado por quem quer que seja, deverá se negar a exercer ato com o qual não concorda; especialmente se emanar de empregador ou superior hierárquico que interfira na escolha da melhor conduta científica para o paciente.

Então, a resposta do médico a esse tipo de pressão deve ser imediata, assertiva, negando-se a exercer o ato com o qual não concorda. A comunicação ao Conselho Regional respectivo é medida subsequente que se impõe.

Enfim, a atividade médica comporta, sim, interpretações e posicionamentos clínicos divergentes sobre os tratamentos, mas não admite a coação sobre a conduta do médico assistente. E, seja numa relação de hipossuficiência ou não, é obrigação do médico negar-se ao exercício ilegal ou antiético da atividade, sob pena de estar se acumpliciando na prática irregular.

Autores

  • é especialista em Direito Empresarial pela FGV, advogado especialista em saúde, com foco especial na regulação ética dos Conselhos de Medicina, professor de pós-graduação de Gestão em Saúde e debatedor na Rádio CBN. Foi head jurídico do Grupo Hapvida entre 2001 a 2011, diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar entre 2012 e 2013 e assessor especial da Amil entre 2014 e 2016.

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