Opinião

Algumas das principais mudanças trazidas pela nova Lei de Licitações

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3 de outubro de 2021, 6h37

O presente artigo visa a trazer as principais mudanças da nova Lei Geral de Licitações (Lei nº 14.133/21), que substitui, além da Lei nº 8666/93, também as Lei nºs 10.520/2002 e 12.462/2011, referentes, respectivamente, à Lei do Pregão e à do Regime Diferenciado de Contratações (RDC). 

O professor Matheus Carvalho destaca a importância da norma geral de licitações:

"A Administração Pública possui a tarefa árdua e complexa de manter o equilíbrio social e gerir a máquina pública, composta por seus órgãos e agentes. Por essa razão, não poderia a lei deixar a critério do administrador a escolha das pessoas a serem contratadas, porque essa liberdade daria margem a escolhas impróprias e escusas, desvirtuadas do interesse coletivo. De fato, os gestores buscariam contratar com base em critérios pessoais, atendendo a interesses privados" (Carvalho, Matheus. Manual de direito administrativo. 9ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: JusPODIVM, 2021).

Assim, a fim de destacar as principais mudanças e atualizações da Lei nº 14.133/2021, trago algumas breves explicações e comentários ressaltando, porém, que não esgoto a apreciação de todas as mudanças trazidas pela nova legislação.

Conforme mencionado, a nova Lei de Licitações substitui a antiga Lei Geral, 8.666/1993, bem como a Lei do Pregão, 10.520/2002, e o Regime Diferenciado de Contratação (RDC, 12.462/2011).

Apesar de ter sido publicada em 1º abril deste ano, a nova lei convive ainda com as outras leis supramencionadas, já que se previu, em seu artigo 191 [1], o prazo de dois anos — até abril de 2023 — para a revogação das normas anteriores.

Assim, nesse período, a Administração Pública poderá optar pela aplicação de algum dos regimes vigentes, seja o da Lei nº 8.666/93 ou o da Lei nº 14.133/21, devendo tal escolha constar expressamente no edital, sendo vedada a combinação entre as duas leis.

Uma das grandes novidades da nova Lei de Licitações encontra-se no âmbito das modalidades de licitação, já que agora se prevê cinco delas: pregão, concorrência, concurso, leilão e o inédito diálogo competitivo, extinguindo-se, portanto, a tomada de preço e o convite, previstas na legislação anterior.

Considerando que o diálogo competitivo é a grande inovação no campo das modalidades licitatórias, cabe destacar a sua definição, constante do artigo 6º, XLII, da nova lei, qual seja uma "modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos".

Em outras palavras, o diálogo competitivo, herança do Direito Internacional, se aplica aos casos em que a Administração Pública possui um objeto contratual complexo a ser licitado, mas não sabe a melhor solução para atender à necessidade pública.

No que tange às fases da licitação, diz-se que não houve uma grande mudança trazida pela nova lei, mas, sim, a solução para severas discussões doutrinárias ocorridas no âmbito da Lei nº 8.666/93 acerca do efetivo início do procedimento licitatório.

Os incisos do artigo 17 da Lei nº 14.133 preveem que as fases da licitação observarão a seguinte sequência: 1) preparatória; 2) divulgação do edital; 3) apresentação de propostas e lances, quando for o caso; 4) julgamento; 5) habilitação; 6) recursal; e 7) homologação, podendo a habilitação adiantar-se à apresentação das propostas e julgamento, desde que haja motivação detalhada e previsão expressa no edital.

Chama-se atenção ao §2º deste artigo, que enfatiza que na nova lei, o que era exceção, vira a regra, ou seja, "as licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica", sendo a utilização da forma presencial uma exceção motivada.

Daí a promessa da nova lei: otimização e transparência dos processos licitatórios, criando-se, dessa forma, o Portal Nacional de Contratações Públicas, previsto no artigo 174, cuja finalidade é a divulgação centralizada de toda e qualquer licitação realizada pela Administração Pública.

O portal foi apresentado e lançado em agosto deste ano, em parceria do governo federal com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e o Serpro, em webinar transmitido ao vivo pelo YouTube [2].

Posto isso, o processo licitatório, segundo a Lei nº 14.133/2021, possui novos critérios de julgamento, além daqueles previsto na legislação anterior, sendo eles, segundo artigo 33, o de maior desconto, melhor técnica ou conteúdo artístico e de maior retorno econômico, além daqueles da Lei 8.666/93: menor preço, técnica e preço e maior lance, este último no caso de leilão.

Merecem destaque dois desses novos critérios: o julgamento em caso de critério de maior desconto e o julgamento cujo critério seja o de maior retorno econômico.

Segundo o artigo 34, §2º, da nova lei, "o julgamento por maior desconto terá como referência o preço global fixado no edital de licitação, e o desconto será estendido aos eventuais termos aditivos".

No que tange ao critério de maior retorno econômico, o artigo 39 dispõe que será utilizado exclusivamente em casos de contrato de eficiência, considerando-se a maior economia para a Administração, sendo que "a remuneração deverá ser fixada em percentual que incidirá de forma proporcional à economia efetivamente obtida na execução do contrato".

Se os critérios de escolha acima elencados, que devem ser previamente definidos no edital, não forem suficientes para a seleção de uma única proposta vencedora, o artigo 60 da nova lei estabelece a ordem de critérios de desempate que devem ser observados sucessivamente — frisa-se, não alternativamente —, até o alcance daquele que irá desempatar o embate, são eles: 1) disputa final, em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta; 2) avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes; 3) desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade de gênero no ambiente de trabalho; e 4) desenvolvimento de programa de integridade (compliance).

Importante destacar que conforme o artigo 4º da Lei nº 14.133, aplicam-se às licitações a Lei Complementar nº 123/2006, que dispõe que "nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte".

Entretanto, apesar de todos os critérios de julgamento no processo licitatório, sabe-se que há casos em que o procedimento de competição não é viável ou, mesmo viável, é inconveniente ao interesse público, prevendo-se, assim, as hipóteses de contratação direta.

Na nova lei, as hipóteses de inexigibilidade de licitações encontram-se no artigo 74, enquanto os casos autorizados à dispensa de licitação estão previstos no artigo 75.

Nessa seara, chama-se a atenção para algumas novidades nas hipóteses do artigo 74, tornando-se inexigível a licitação em caso de: 1) fornecedor exclusivo: 2)artista consagrado; 3) serviços técnicos de natureza predominantemente intelectual; 4) credenciamento, ou seja, quando se busca credenciar vários interessados sem que haja competição entre eles; e 5) aquisição/locação de imóvel cujas características de instalação/localização tornem necessária a sua escolha.

Já no artigo 75, referente às hipóteses de dispensa de licitação, chama-se a atenção para a dispensa em caso de emergência ou de calamidade pública, prevista no inciso VIII, cuja grande mudança encontra-se no prazo máximo do contrato urgente, que agora é de um ano, e não mais 180, continuando vedada a prorrogação, bem como na polêmica vedação à recontratação de empresa já contratada com base na emergência [3].

Após as breves explanações sobre algumas das mudanças da nova Lei de Licitações sobre o procedimento licitatório, passa-se a destaques sobre procedimentos posteriores a essa fase inicial.

Começo trazendo a previsão de meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, cujo artigo 151 da nova lei permite a utilização da conciliação, da mediação, do comitê de resolução de disputas e da arbitragem para a solução de questões relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como o restabelecimento ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, inadimplemento de obrigações contratuais e cálculo de indenizações.

Ainda sobre discussões contratuais, destaca-se teor do artigo 147, que trata da nulidade contratual, que deve ser declarada somente "na hipótese em que se revelar medida de interesse público", segundo a avaliação dos aspectos previstos no inciso deste dispositivo, e após a constatação de impossibilidade de saneamento contratual.

No âmbito das irregularidades na realização dos procedimentos licitatórios e na celebração de contratos, destaca-se que a nova lei estabelece um título exclusivamente para tratar de tais aspectos, determinando a inclusão de um capítulo no Código Penal cujo objeto é, tão somente, tratar dos crimes em licitações e contratos administrativos.

Assim, determina a cominação de penas no âmbito da contratação direta ilegal, da frustração do caráter competitivo da licitação, do patrocínio de contratação indevida, da modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo, da perturbação de processo licitatório, da violação de sigilo em licitação, do afastamento de licitante, da fraude em licitação ou contrato, da contratação inidônea, do impedimento indevido e da omissão grave de dado ou de informação por projetista.

Por fim, no âmbito da responsabilização dos agentes envolvidos no procedimento licitatório irregular, a nova Lei Geral de Licitações trouxe, em seu artigo 10 [4], previsão polêmica, alvo de diversas críticas no meio jurídico: a possibilidade de defesa dos agentes públicos pela advocacia pública.

Tal dispositivo encontra-se pendente de julgamento do Supremo Tribunal Federal acerca da inconstitucionalidade levantada pela Associação Nacional dos Procurados dos Estados e do DF (Anape), que entende que a União não tem competência para estabelecer atribuições aos órgãos da advocacia pública estadual e municipal.

Entretanto, a Suprema Corte ainda não proferiu qualquer entendimento no âmbito da ADI nº 6.915.

Com isso, vamos aguardar a efetiva e recorrente aplicação da Lei nº 14.133/2021 e os futuros posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeitos dos pontos polêmicos e de extrema relevância.


[1] "Artigo 191 – Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do artigo 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso".

[2] Lançamento do Portal Nacional de Contratações Públicas, transmitido ao vivo em 09 de agosto de 2021. Link para acesso: https://www.youtube.com/watch?v=W25KItdhhw8.

[3] O Supremo Tribunal Federal irá analisar, por meio da ADI 6.890, a eventual inconstitucionalidade da vedação desta recontratação.

[4] "Artigo 10 -Se as autoridades competentes e os servidores públicos que tiverem participado dos procedimento relacionados às licitações e aos contratos de que trata esta Lei precisarem defender-se nas esferas administrativa, controladora ou judicial em razão de ato praticado com estrita observância de orientação constante em parecer jurídico elaborado na forma do §1º do artigo 53 desta Lei, a advocacia pública promoverá, a critério do agente público, sua representação judicial ou extrajudicial".

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