Opinião

Parecer da PGFN colocará um fim às disputas sobre a 'tese do século'?

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3 de outubro de 2021, 9h14

A cada semana os desdobramentos do julgamento da chamada "tese do século" nos trazem novidades, muitas delas decorrentes de iniciativas fiscalizatórias da Receita Federal do Brasil (RFB) tendentes a reduzir os supostos efeitos negativos para a arrecadação, provocados pelo julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre a não inclusão do ICMS na base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) (RE nº 574.706/PR). 

A notícia mais recente vem da Procuraria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e, desta feita, mostra-se benéfica para os contribuintes, em alguns aspectos, pelo menos. Vejamos. Por meio do parecer SEI nº 14.483/2021/ME, referido órgão se manifestou proferindo diversas conclusões sobre os efeitos daquele julgamento do STF, em complemento ao que já tinha transmitido em maio deste ano pelo parecer SEI nº 7698/2021/ME, encaminhado à Receita Federal do Brasil.

No parecer em análise, a PGFN rechaçou frontalmente a posição da RFB contida no Parecer nº 10 da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), a qual surpreendeu a todos ao prever que o ICMS também não deve ser incluído no cálculo dos créditos do PISe da Cofins apurados por ocasião da aquisição de insumos e bens para revenda, aplicando intepretação analógica ao que foi julgado pelo Supremo, no que concerne à não inclusão do imposto estadual na apuração do débito daquelas contribuições.

Com toda a clareza jurídica, a Procuradoria afirma que não é possível, com base apenas no conteúdo dos votos proferidos e no acórdão do RE nº 574.706/PR, elaborar o raciocínio da exclusão do ICMS sobre os créditos apurados nas operações de entrada, tendo em vista que essa questão não foi discutida no decorrer do processo que deu origem ao RE nº 574.706/PR.

Em suma, a PGFN reconheceu a total improcedência do entendimento esposado pela Cosit por meio do Parecer nº 10, com base nos argumentos jurídicos que já tinham sido levantados por aqueles que, como nós, se colocaram publicamente contra tal sustentação fiscal.

O posicionamento da Procuradoria sobre esse assunto esclarece, de uma vez por todas, que a tese fixada no RE abarca apenas a não inclusão do ICMS na base dos débitos de PIS e Cofins e não autoriza a extensão interpretativa para alcançar a apuração dos créditos dessas contribuições. Eventual sustentação da tese de "inconstitucionalidade por arrastamento" também foi rechaçada pela Procuradoria alegando-se que a jurisprudência do STF prevê a análise de sua aplicabilidade apenas nos casos de controle concentrado.

Também foi confirmada pela Procuradoria a falta de base legal para pretendida analogia feita no parecer da Cosit entre débitos e créditos das contribuições. E não poderia ser diferente porquanto, de fato, o regime legal da não cumulatividade das contribuições garante o direito de crédito ao contribuinte sujeito ao regime, sem qualquer vinculação à forma de apuração do PIS e da Cofins que incidiram na operação anterior de aquisição de bens e serviços. Além disso, as Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003 estabelecem, expressamente, que a base de cálculo dos créditos é o valor da aquisição e neste está incluído o ICMS.

Contudo, não obstante todo o acerto e lucidez jurídica trazidos no parecer SEI nº 14.483 /2021 em relação a esse ponto, causa estranheza e apreensão a sugestão dada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para que o Ministério da Economia avalie a emissão de um ato infralegal que trate, especificamente, da exclusão do ICMS da base dos créditos. Ora, se esse mesmo órgão declara expressamente que a legislação atinente ao PIS/Cofins não admite a interpretação pretendida pela Receita Federal, como poderia orientar a produção de um ato normativo que prescreva o contrário à lei?

Espera-se que essa sugestão não seja seguida, pois, caso venha a ser editado citado ato normativo, será ele, desde o seu nascedouro, eivado de ilegalidade, pelas razões expressas no próprio parecer da PGFN. Alteração nas regras de tomada de créditos de PIS e Cofins somente podem ocorrer por meio de lei, e desde que observada a Constituição Federal.

Outra conclusão jurídica trazida no parecer SEI nº 14.483/2021/ME se refere à rejeição da tese sustentada nos embargos de declaração no RE nº 574.706/PR de que as alterações promovidas no conceito de receita bruta pela Lei nº 12.973/2014, dentro da qual se insere o ICMS, produziriam efeitos normativos ilesos da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo STF. Destacando trechos dos votos dos ministros da Corte Superior foi relembrado pela Procuradoria da Fazenda que as alterações trazidas por aquela lei federal em nada influenciam no resultado desse julgamento.

De outro giro, é preciso assinalar os pontos levantados no parecer da PGFN quanto à delimitação dos efeitos da modulação sobre os processos em andamento. De início, o documento afirma que a integralidade dos efeitos da não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins deve se dar após 15 de março de 2017 (data da sessão de julgamento), ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até esta data, desde que nelas se discuta (ou se tenha discutido), precisamente, a não inclusão do ICMS "destacado" na base de cálculo das contribuições aludidas.

O entendimento exarado no parecer é o de que contribuintes que litigam (ou litigaram) em ação judicial ou discussão administrativa, ainda que protocoladas ou em curso até 15/3/2017, se não discutiram precisamente a não inclusão do ICMS "destacado" na base de cálculo do PIS e da Cofins, não poderão se valer da exceção à modulação de efeitos; ou seja, para eles, a não inclusão do ICMS "destacado" na base de cálculo somente será válida a partir de 15/3/2017. Para o período anterior, se a decisão judicial não mencionou precisamente o ICMS destacado, cabe não incluir na base de cálculo dos débitos tão somente o ICMS efetivamente recolhido.

O item 36 do parecer trata genericamente desse ponto, exigindo que se tenha discutido precisamente a não inclusão do ICMS "destacado" em toda e qualquer ação. O item 37 parece tratar de débitos constituídos, quando o contribuinte, em sua defesa, administrativa ou judicial, tratou apenas de nulidades, mas não especificamente do ICMS "destacado". O item 38, por sua vez, trata da situação em que o contribuinte ajuizou ação com requerimento para não inclusão unicamente do ICMS "recolhido".

Ocorre que, como afirmou o Supremo no julgamento dos embargos de declaração no RE nº 574.706/PR, ao se decidir pela não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, naturalmente, sempre se permitiu a não inclusão do ICMS "destacado", uma vez que "o regime da não cumulatividade impõe se excluir todo ele da definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal". Em outras palavras, a exclusão do ICMS, no entendimento do Supremo, sempre se deu e sempre deverá se dar pelo ICMS "destacado". A única potencial exceção — e embora mesmo assim discutível — seria o caso de em uma determinada ação judicial ter autorizado expressamente a não inclusão do ICMS "recolhido" (item 38 do parecer).

Além disso, é possível extrair do parecer as seguintes conclusões da Procuradoria:

a) Contribuintes com ação judicial ou discussão administrativa iniciadas até o dia 15/3/2017 poderão se valer da não inclusão do ICMS do PIS e da Cofins, inclusive para os últimos cinco anos, observando-se as regras acima a respeito do destacado versus recolhido;

b) Contribuintes com ação judicial protocolada ou discussão administrativa iniciadas depois do dia 15/3/2017, ou seja, a partir do dia 16/3/2017, não poderão se valer da retroação do entendimento do STF pela não inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, haja vista a modulação de efeitos.

c) Débitos inscritos em dívida ativa relativos a fatos geradores ocorridos até 15/3/2017, sem discussão administrativa ou judicial, permanecem válidos; se houver decisão administrativa ou discussão judicial, o entendimento do STF pela não inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins alcançará o passado; sem ação judicial ou discussão administrativa, a partir do dia 15/3/2017, os valores serão recalculados com a não inclusão do ICMS destacado na base de cálculo para a apuração do débito.

Como visto, é preciso refletir e avaliar se o conteúdo do acórdão ou da tese fixada no RE nº 574.706/PR conduz, efetivamente, às consequências processuais esposadas pela Procuradoria, no sentido de que a modulação dos efeitos da inconstitucionalidade somente estará excetuada nos casos em que as demandas dos contribuintes discutam precisa e expressamente a não inclusão do ICMS "destacado" na base de cálculo do PIS e da Cofins.

De qualquer forma, não podemos concordar com a posição da Procuradoria manifestada no citado parecer, pois, depois de fixar a tese que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, o STF, via embargos de declaração, definiu que essa expressão autoriza todos os contribuintes que demandaram contra a União sobre esse tema e obtiveram decisão favorável, a não incluir nas referidas bases de cálculo o ICMS destacado na nota fiscal. Até porque, ao tempo em muitas dessas ações foram interpostas, essa questão "ICMS destacado" ou "ICMS recolhido" nem era ainda ventilada.

Diante disso, é recomendável que os contribuintes que possuem ações judiciais analisem os pontos alinhados no citado parecer à luz da sua situação processual concreta, antecipando, assim, argumentos para possíveis debates que possam surgir com os procuradores da Fazenda quando da definição dos lindes das decisões transitadas em julgado e dos montantes dos indébitos a serem restituídos.

É relevante salientar que, em face de o parecer da PGFN ter sido aprovado pelo procurador-geral da Fazenda Nacional, e, por força do artigo 19-A da Lei nº 10.522/2002, os auditores fiscais da RFB não poderão mais proceder a autuações no que se refere a essa matéria, observados, evidentemente, os contornos interpretativos manifestados no citado parecer, pois estão vinculados aos entendimentos nele proferidos.

Espera-se que as autoridades fiscais, efetivamente, se adequem ao quanto foi declarado no parecer da Procuradoria, e que cessem as ações fiscalizatórias a respeito da apuração e cálculo dos créditos de PIS e da Cofins tomados na aquisição de bens.

O contribuinte também conta que o princípio da segurança jurídica e o objetivo declarado no parecer de promover eficácia máxima à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a chamada "tese do século" sejam as linhas condutoras das discussões que ora se sucedem nos autos dos processos para o encerramento das demandas judiciais sobre essa matéria. Afinal, é preciso interromper esse ciclo "de sobre tudo litigar".

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