Improbidade em debate

Já há uma reforma da Lei de Improbidade

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1 de outubro de 2021, 8h00

Em nosso texto da semana passada [1], mencionamos o parecer produzido pelo senador Weverton Rocha, relator do Projeto de Lei nº 2.505/2021, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.

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Dado seguimento aos trabalhos daquela comissão, inclusive com realização de audiência pública [2], aprovou-se [3] nesta semana a proposição legislativa, com acordo entabulado pelo relator no sentido de incorporar à nova versão de seu parecer seis pontos patrocinados institucionalmente por algumas entidades [4] e encampados por diversos senadores:

a) Ressalvar a condenação em honorários de sucumbência apenas para os casos de comprovada má-fé;

b) Aumentar o prazo máximo de inquérito civil público destinado à apuração de ato de improbidade para um ano, prorrogável por mais uma única vez, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica;

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c) Aumentar o prazo de transição para manifestação do interesse do Ministério Público de 120 dias para um ano a contar da publicação da nova lei;

d) Excluir a necessidade de dolo específico dos atos de improbidade decorrentes do descumprimento da legislação de acesso à informação;

e) Incluir ressalva quanto à possibilidade de configuração de nepotismo na hipótese de indicação política; e

f) Suprimir a disposição quanto à aplicabilidade retroativa das disposições da lei.

Quanto ao restabelecimento dos honorários, ressalvadas hipóteses de má-fé, não deixa de ser curioso que haja uma carga crítica contra a eliminação dos atos culposos ou contra o dolo genérico em sede de improbidade, mas que se advogue em favor da má-fé comprovada como condição para imposição daquela verba quando improcedente a pretensão sancionadora. Seja como for, divisamos no ponto retrocesso, consoante já defendemos anteriormente [5].

No que toca ao aumento dos prazos para conclusão de inquérito e para manifestação do Ministério Público em ações iniciadas por pessoas jurídicas lesadas, recebemos as mudanças como positivas e razoáveis, bem assim a ressalva feita no tocante ao nepotismo, em linha com a Súmula Vinculante nº 13, as recebemos como razoáveis e proporcionais, sem nenhum desprestígio ao espírito da reforma — à eliminação do dolo específico por inobservância da lei de acesso à informação dedicaremos texto específico.

Particularmente a respeito da supressão da Emenda nº 40, que inseria disposição expressa no sentido de fazer retroagir imediatamente as mudanças operadas pela reforma a proposta foi inicialmente acolhida pelo relator, mas depois rejeitada , interessante notar a resistência surgida, de cunho essencialmente político, contra o que seria uma suposta legislação em causa própria da parte de parlamentares que atualmente respondam a ações de improbidade.

O ponto está em que, a despeito da sobredita supressão, remanesceu no texto aprovado o artigo 1º, §4º, a rezar que "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador." Dessa feita, e na esteira do artigo 5º, XL, da Constituição, da doutrina [6] e da jurisprudência [7], temos para nós que os aludidos princípios alcançariam a retroatividade da lei mais benigna.

Em outras palavras, sem embargo do rechaço à inserção de previsão expressa pela retroatividade da reforma, essa previsão já estaria incrustada e subjacente às alterações, favoráveis ao réu, empreendidas no diploma. A única reserva, talvez, fique por conta de prazos de prescrição intercorrente, que, mercê da actio nata e do repúdio intertemporal a que pretensões nasçam mortas, coibiria sanção retroativa por inércia a alcançar omissões perpetuadas à luz de regência diversa. Ainda assim, contudo, haveria margem, também quanto à prescrição intercorrente, para larga discussão. De todo modo, vale o reforço, induvidosa, em nosso sentir e via de regra, a retroatividade que beneficie o réu.

Aprovada a nova versão de parecer na Comissão de Constituição e Justiça, a proposição foi levada ao Plenário do Senado Federal, sendo aprovado o texto-base, com uma das absorções levadas a efeito pelo relator na comissão (eliminação de dolo específico no desatendimento à lei de acesso à informação) posta à parte. Imediatamente em seguida, foram cinco as emendas votadas em destaque: números 2, 5, 19, 55 e 56, que cuidaram, respectivamente, de propostas de majoração do prazo prescricional, restabelecimento de rol exemplificativo no artigo 11 e de tipificação da violação ao princípio da legalidade, reintrodução da legitimidade da fazenda pública, supressão da revogação do inciso IX do artigo 11 e eliminação da exigência de dolo específico no desatendimento à lei de acesso à informação.

Todos os destaques acabaram sendo rejeitados. A par de debates que pudessem nortear todos os temas, lamentamos em especial a rejeição à emenda de autoria da senadora Mara Gabrilli, que propunha a supressão da revogação do inciso IX do artigo 11, a tipificar o descumprimento da "exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação". Sob nossa perspectiva, não há justificativa plausível para esse retrocesso.

Aprovada a proposição, a matéria retomará à Câmara dos Deputados para exame das inovações introduzidas pelo Senado Federal. A despeito disso, e já havendo parte robusta aprovada pelas duas casas, permitimo-nos já antecipar que reputamos o saldo da reforma bastante positivo, como denunciam as dezenas de textos que já produzimos a respeito. Muito objetivamente, sem embargo, sentimos a necessidade de recompor alguns pontos que têm sido desvirtuados por um debate muitas vezes difuso e não raro enviesado:

a) A mudança não favorece impunidade: com um mote que visou justamente a coibir abusos e evitar a dissuasão de bons quadros, as alterações empreendidas, em nosso sentir, resgatam a essência da improbidade administrativa como instituto, prevenindo sua banalização e dificultando, isto, sim, que sejam nivelados agentes honestos e desonestos;

b) De modo geral, em que pese haja um maior ônus argumentativo para Ministério Público e Judiciário ao se condenar alguém, há, em contrapartida, um agravamento das sanções passíveis de serem impostas a agentes ímprobos; isto é, revigoram-se os direitos fundamentais processuais de todos, conquanto se punam mais severamente aqueles que verdadeiramente mereçam a pecha de ímprobos;

c) A eliminação de rol exemplificativo, da modalidade culposa e do dolo genérico de fato excluem uma série de comportamentos que poderiam merecer censura, o que absolutamente não quer dizer que falhas ou erros, notadamente quando graves, fiquem a descoberto. O que se deve ter em mente é que a improbidade é somente uma das veredas punitivas (excepcional e talvez das mais gravosas), mas seguramente não é ela a única. As esferas cível, disciplinar e criminal produzem terreno fértil para pretensões sancionadoras. O que não se deve conceber, nada obstante, é que a improbidade faça vezes de plataforma punitiva aberta e geral, sob pena inclusive de se desvirtuar seu escopo.

 


[2] A audiência pública está disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=RT0Ierc5WAc.

[3] A sessão de deliberação está disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=WVTcx2zVIWE.

[6] ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNÁNDEZ,Tomás-Ramónº Curso de Derecho Administrativo. I. 2013, Thomson Reuters (legal) Limited.

[7] "Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal nº  13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador". STJ, RMS 37.301, DJ de 20.2.2018.

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