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Guerrero: O sistema brasileiro de insolvência é para todos? — 2º ato

30 de novembro de 2021, 18h04

Por Luís Fernando Guerrero, Luis Fernando Hiar, Eduardo Machado Tortorella

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Meses atrás, expressamos opinião de que o sistema de insolvência brasileiro poderia estar diante do dilema shakespeariano entre aplicar a regra de Direito positivo ou dar a solução que lhe parece mais "justa" aos pedidos de recuperação judicial das instituições de ensino e dos Clubes de Futebol que se organizam como associações civis. [1]

Àquela altura, já destacávamos a necessidade de os tribunais brasileiros pacificarem a jurisprudência nacional, de modo a dar mais segurança jurídica aos credores, devedores e partes relacionadas em cenários de potencial insolvência das associações civis. Decisões em ambos os sentidos já haviam sido proferidas: em alguns casos, deferiu-se o processamento de recuperações judiciais das associações, sob o fundamento de que a atividade econômica da entidade e seus benefícios justificariam a proteção recuperacional; em outros, sob o fundamento de que a recuperação judicial poderia ser pedida apenas por Sociedades empresariais, negou-se referida proteção.

Recentemente, o STJ escreveu novo capítulo sobre a questão no âmbito da Recuperação Judicial do Grupo Metodista. Em decisão monocrática de Tutela Provisória apresentada pelo Banco Santander, o Ministro Raul Araújo cassou efeito suspensivo atribuído pela 3ª Vice-presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a Recurso Especial interposto pelo Grupo Metodista contra o acórdão do TJRS que indeferiu o processamento de sua Recuperação Judicial. [2]

Ainda que a Quarta Turma aprecie a questão após a interposição de recurso pelo Grupo Metodista e possa rever o entendimento, fato é que, nesse momento, o Grupo Metodista está desprotegido e não poderá se valer dos efeitos que produz a decisão de processamento da recuperação judicial.  [3]

O risco deixaria de existir caso, em linha com nossa sugestão, o Grupo Metodista já tivesse adotado regime das Sociedades empresariais. No âmbito dos clubes de futebol, alguns passos já foram dados nessa direção. Botafogo de Futebol e Regatas e Cruzeiro Esporte Clube, dois clubes em conhecida situação de dificuldades financeiras, já iniciaram processos para se converterem em Sociedades Anônimas de Futebol (SAF). Para tanto, inclusive, contrataram relevante instituição financeira para captar investimentos nos mercados nacional e internacional. [4]

A aderência ao regime das SAF criadas pelo Marco Legal do Clube-Empresa (Lei 14.193/2021), além de dar importante alternativa para captação de recursos, mediante a emissão de ações ou debentures-fut, também retirará do judiciário o poder de escolher se os clubes de Futebol merecem, ou não, a proteção referida, já que deixarão de ser associações civis. [5]

Os clubes que caminham nesse sentido, portanto, podem estar marcando verdadeiro gol de placa, que, além de auxiliar no equacionamento de seu endividamento, poderá implicar a profissionalização de suas gestões e dar importante indicativo ao mercado sobre a adoção de regras de governança mais rígidas.

Ao Grupo Metodista e outras associações civis que desejam seguir com sua atual estrutura de organização, no entanto, não restam muitas alternativas senão marcar um gol na prorrogação para virar a partida e obterem a autorização no Superior Tribunal de Justiça para que possam se valer da recuperação judicial.

Resta aguardar o próximo ato para entender se as associações civis merecem a proteção do judiciário ou, como fazem clubes da divisão de acesso e que buscam se preparar para alçar voos mais altos, reforçar a estrutura organizacional, com a adoção do regime empresarial.

[1] Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-set-18/opiniao-sistema-brasileiro-insolvencia-todos (acesso feito em 22.11.2021).

[2] Tutela Provisória nº 3654 / RS, atualmente em trâmite perante à Quarta Turma do Col. STJ.021/0330175-0)

[3] Vale relembrar que o artigo 1º da Lei 11.101/2005 estabelece que: "Artigo 1º. Esta Lei estabelece a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor."

[4] Vide https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/10/28/xp-vai-buscar-socio-para-o-botafogo.ghtml (acesso feito em 22.11.2021).

[5] Artigo 13, II: "O clube ou pessoa jurídica original poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério: […] II  por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005)."