Opinião

Impactos previdenciários do novo decreto sobre normas trabalhistas

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29 de novembro de 2021, 13h14

O Decreto 10.854/2021 apresenta interpretações, algumas polêmicas, que podem afetar a incidência ou não de contribuições previdenciárias. Publicado com a finalidade de consolidar diversas normas trabalhistas infraconstitucionais sobre diversos temas, tais como vale-alimentação, inscrição no PAT, vale-transporte, Programa Empresa Cidadã, entre outros, trazendo ainda regramentos novos, como o Programa Permanente de Consolidação, a Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais e o Livro de Inspeção do Trabalho Eletrônico (eLIT).

Contudo, apesar de não citar a legislação previdenciária em sua fundamentação e base legal, o decreto possui disposições expressas sobre as incidências ou não incidências de contribuições previdenciárias em certas situações, bem como traz interpretações importantes, algumas favoráveis aos contribuintes, outras polêmicas e discutíveis que impactam diretamente em tais incidências.

De forma não exaustiva, destacamos abaixo as principais discussões e regulamentações previdenciárias do documento:

No capítulo 13, versa sobre a concessão de vale-transporte, reconhecendo que não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do FGTS. Contudo, dispõe que é vedado ao empregador substituir o vale-transporte benefício por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, exceto em caso excepcionais de falta ou insuficiência de estoque ou de não funcionamento do sistema público, oportunidade em que o beneficiário será ressarcido pelo empregador na folha de pagamento quanto à parcela correspondente, quando tiver efetuado a despesa para o seu deslocamento por conta própria.

Além disso, também determina que o beneficiário deverá ter descontado 6% do valor de sua remuneração, para custeio do vale-transporte, exceto se houver disposição em contrário em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Todavia, tais determinações não estão alinhadas com a consolidada jurisprudência previdenciária. Isso porque, em 10 de março de 2010, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a natureza constitucional indenizatória do vale-transporte, mesmo que pago em dinheiro (RE nº 478.410/SP), o que já foi expressamente reconhecido pelo Fisco, por meio do Ato Declaratório nº 04/2016 e o Parecer PGFN/CRJ nº 189/2016 e mesmo que não tenha havido qualquer desconto.

Ainda, especificamente com relação ao desconto de 6%, diferentemente do decreto que vincula qualquer possibilidade de alteração à negociação coletiva, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) está em linha com o entendimento exarado pelo STF no tocante à natureza indenizatória do benefício, inclusive na hipótese de ausência de desconto ou de desconto inferior a 6% (Acórdão nº 2301-005.193-Turma Ordinária, e Acórdão nº 9202-005.387-Câmara Superior de Recursos Fiscais).

Assim, por ter pontos divergentes da jurisprudência previdenciária, tais disposições do podem motivar litígios e provocar o afastamento entre as interpretações trabalhista e previdenciária sobre a mesma verba, o que prejudicaria a segurança jurídica da operação dos empregadores.

No capítulo 15, o decreto dispõe sobre alguns pontos aplicáveis à Lei dos Expatriados. Entre outros destaques, passa a autorizar que os valores pagos pela empresa empregadora, na liquidação de direitos estabelecidos pela lei do local da prestação de serviços no exterior, poderão ser deduzidos dos depósitos do FGTS devidos no Brasil.

Consequentemente, o valor das verbas rescisórias no exterior, que anteriormente eram considerados como parte da remuneração sujeita à incidência de contribuições previdenciárias e FGTS no Brasil, poderá ser compensado com o FGTS aqui devido, mediante homologação judicial, reduzindo o encargo tanto previdenciário quanto de FGTS para o empregador brasileiro.

No capítulo 18, o decreto regulamenta as questões atinentes ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), estabelecendo que a parcela paga in natura pela pessoa jurídica beneficiária ou disponibilizada na forma de instrumentos de pagamento, vedado o seu pagamento em dinheiro, não tem natureza salarial.

Essa redação é muito elucidativa e favorável aos empregadores, pois transmite segurança jurídica ao procedimento de oferecer a alimentação, por meio de vales ou tíquetes, desde que tenham destinação específica.

Por outro lado, o decreto limita valor do benefício fiscal aplicável ao IRPJ devido pelo empregador, estipulando um valor máximo de benefício de alimentação de um salário mínimo, para fins desse abatimento exclusivamente, o que pode motivar potenciais discussões judiciais.

Ademais, em suas disposições finais, o decreto passa a autorizar expressamente o armazenamento, em meio eletrônico, óptico ou equivalente, de documentos relativos a deveres e obrigações trabalhistas, incluídos aqueles relativos a normas regulamentadoras de saúde e segurança no trabalho, compostos por dados ou por imagens, nos termos da legislação sobre a matéria.

Tal autorização é relevante, inclusive para efeitos previdenciários, pois permite que os diversos laudos ambientais, por exemplo, que são fundamentais para as questões de apuração de adicional de SAT (financiamento da aposentadoria especial) e elaboração de perfil profissiográfico profissional (PPP), sejam armazenados de forma mais prática e barata para as empresas, especialmente em razão da necessidade de mantê-los por 20 anos, em muitos casos.

Assim, a publicação representa uma louvável iniciativa de redução de complexidade para o acompanhamento das normas pelas empresas (compliance trabalhista e previdenciário/tributário), pois acaba por revogar e consolidar mais de 34 normas infralegais, bem como por apresentar algumas interpretações mais modernas e práticas, tal como as regras do PAT e do armazenamento eletrônico de documentos.

Por outro lado, os contribuintes devem se atentar para as potenciais interpretações divergentes a serem possivelmente defendidas pelas autoridades do lado trabalhista, em dissonância da interpretação previdenciária, o que prejudicaria a necessária existência de segurança jurídica para o fomento da atividade empresarial e da economia do país.

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