Processo Tributário

Ações antiexacionais excepcionalmente exacionais: a autoexecução fiscal

Autor

  • Íris Vânia Santos Rosa

    é advogada doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do mestrado do IBET-SP professora de Direito Tributário e Processo Tributário do curso de graduação da Fundação Santo André (FSA) professora do curso de especialização em Direito Tributário da PUC-SP e do Ibet professora do curso de extensão "Processo Tributário Analítico" do Ibet e pesquisadora do Grupo de Estudos "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

28 de novembro de 2021, 8h00

Partamos da premissa de que, efetivo o crédito tributário, com ou sem a verificação do estado de inadimplência correlato, o sujeito passivo toma a iniciativa de debater sua exigibilidade.

Esse é nosso pano de fundo.

Judicialmente, sabemos, o debate tributário provocado pelo sujeito passivo pode se dar por meio de dois tipos processuais básicos — o das ações chamadas declaratórias e o das anulatórias (há outros, por certo, mas retemo-nos, aqui, a essas duas referências, para que fique clara a oposição entre preventidade e repressividade). No primeiro grupo das declaratórias , o pressuposto é que a exigibilidade do crédito é potencial ou iminente; no segundo, a exigibilidade pressuposta é do tipo "efetiva", estado derivado da constituição do crédito, o que reforça a estratégica necessidade de assunção de conduta processual proativa que, justamente por isso, tende a evitar a expropriação forçada.

Como sempre ressaltamos, o contribuinte quando assim atua o faz de modo a interferir no ciclo de positivação do direito, seja de modo preventivo, seja de modo repressivo (antes ou depois do lançamento tributário), operando na intenção de desconstituir a relação jurídica posta ou pressuposta.

Aderente a essa postura processual, ao sujeito passivo é dada a sincrônica possibilidade de ver suspensa a exigibilidade do crédito tributário, tal como prescrito no artigo 151 do Código Tributário Nacional [1].

Pensando nas hipóteses desenhadas em tal dispositivo, não há como negar que a do inciso II ("depósito do montante integral"), aplicável tanto em nível preventivo como repressivo, expressa a forma mais óbvia de temporária ruptura da exigibilidade, à medida que, para além da ideia de suspensão expressa no citado artigo 151, dela deriva o asseguramento da satisfação da obrigação debatida, com a consequente obstaculização da contagem de juros e multa.

Com o depósito, em suma, estará antecipadamente garantido o cumprimento da obrigação levada a debate judicial.

No âmbito federal, esse depósito, segundo a Lei nº 9.703/1998 [1], será efetivado na Caixa Econômica Federal, que repassará o respectivo montante para a Conta Única do Tesouro Nacional, fazendo-o, independentemente de qualquer formalidade, no mesmo prazo fixado para recolhimento dos tributos e das contribuições federais. Vale dizer: para esses casos, o depósito é juridicamente traduzido como verdadeiro pagamento provisório, ficando a conversão em favor do ente público ou o levantamento dependentes do destino dado ao processo aparelhado, nos termos do parágrafo 2º artigo 32 da Lei de Execuções Fiscais, ou seja, "após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente".

Note-se que, na sombra desse procedimento, encontra-se assentada a ideia de autoexecutoriedade, à medida que, do manejo de ações antiexacionais adicionadas de depósito, o sujeito passivo antecipa os efeitos da atividade de cobrança, numa verdadeira modificação de todos os atos que em princípio tenderiam à expropriação (inscrição em dívida ativa, emissão de CDA, ajuizamento da ação exacional "clássica" etc.).

De outro enfoque, se o caso for de fiança bancária ou seguro-garantia, a qualidade dessas garantias sofre modificações, dependendo de algumas condições.

Sabe-se que a carta fiança bancária tem seus contornos definidos em regulamentação emanada do Conselho Monetário Nacional, nos termos do artigo 9°, §5°, da LEF, exercitando competência outorgada pelas Resoluções Bacen 724/82 e 2325/96. O mesmo vale para o seguro garantia, cuja regulamentação é definida pela Susep e avalizada pelo Instituto de Resseguros do Brasil disciplina inaugurada com a Circular Susep 232/2003, posteriormente revogada pela Circular Susep 477/2013, passando, desde o advento da Lei 11.382/2006, a integrar o ordenamento processual civil brasileiro como opção de caução menos onerosa ao devedor.

Segundo o artigo 15, I, da Lei de Execução Fiscal, a fiança bancária e o seguro-garantia são equivalentes ao depósito em dinheiro em termos de asseguramento da satisfação da obrigação tributária, embora não o sejam para fins de suspensão de exigibilidade.

Seja como for, essa equiparabilidade do depósito em relação à fiança e ao seguro (equiparabilidade como instrumentos de garantia do cumprimento da obrigação, insistamos) nos autoriza a dizer que é lícito estender, para esses casos, a solução "autoexecutiva", ou seja, a fiança ou o seguro representariam, quando prestados em demanda antiexacional, um caminho de executabilidade nos próprios autos da ação proposta pelo contribuinte (declaratória ou anulatória), condicionando tanto o banco, quanto à seguradora, caso intimados, a cumprir a obrigação então assumida.

As consequências desse tratamento são visivelmente positivas a racionalização do sistema é evidente, à medida que se maximiza os efeitos de um único processo; a segurança proporcionada à Fazenda é igualmente clara, visto que, beneficiada pelo asseguramento da satisfação do crédito debatido por iniciativa do contribuinte, está em princípio liberada quanto aos efeitos de possível prescrição; ao contribuinte, finalmente, é dado conviver com a lide sem o trauma da insegurança por ela projetada, já que, além de garantida a percepção, nesses casos, de certidão positiva com efeitos negativos, sua derrota não implicaria a emissão de atos de cobrança todos antecipados e sincretizados na demanda por ele mesmo aparelhada.


[1] "Artigo 151  Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I – moratória;
II – o depósito do seu montante integral;
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;}
VI – o parcelamento.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela consequentes".

[1] "Lei nº 9.703/1998:
Artigo 1º 
Os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, serão efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF, específico para essa finalidade.
§1º. O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, aos débitos provenientes de tributos e contribuições inscritos em Dívida Ativa da União.
(…)
§3º. Mediante ordem da autoridade judicial ou, no caso de depósito extrajudicial, da autoridade administrativa competente, o valor do depósito, após o encerramento da lide ou do processo litigioso, será:
I – devolvido ao depositante pela Caixa Econômica Federal, no prazo máximo de vinte e quatro horas, quando a sentença lhe for favorável ou na proporção em que o for, acrescido de juros, na forma estabelecida pelo §4º do artigo 39 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e alterações posteriores; ou
II – transformado em pagamento definitivo, proporcionalmente à exigência do correspondente tributo ou contribuição, inclusive seus acessórios, quando se tratar de sentença ou decisão favorável à Fazenda Nacional".

Autores

  • é advogada, doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, pesquisadora do Grupo de Estudos em Processo Tributário Analítico do Ibet-SP, professora do mestrado do Ibet-SP, professora de Direito Tributário e Processo Tributário do curso de graduação da Fundação Santo André (FSA) e professora do curso de especialização em Direito Tributário da PUC-SP e do Ibet.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!