Volta por cima

Patricia Vanzolini prega união, paridade e afirma que não vai disputar a reeleição

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27 de novembro de 2021, 8h28

Patricia Vanzolini quer que a advocacia paulista dê a volta por cima. Primeira presidente eleita da OAB-SP em 89 anos de história, a doutora pela PUC-SP, que foi vice-presidente da Associação dos Advogados Criminalistas, é sócia do Escritório Brito e Vanzolini Advogados Associados e professora muito querida do Mackenzie e do Damásio Educacional.

Spacca
Tem uma legião de fãs dos cursos preparatórios para o Exame da Ordem e ficou nacionalmente conhecida pelos aspirantes a advogados e gente jovem ligada ao Direito com programas na TV Justiça

Patricia foi eleita na última quinta-feira (25/11) com cerca de 36% dos votos numa disputa acirrada com outros quatro candidatos, principalmente com o atual presidente, Caio Augusto Silva dos Santos. No fim, o que deu frutos foi a estratégia do vice de Vanzolini, Leonardo Sica, que vinha há três anos arquitetando a candidatura e dialogando diretamente com os dissidentes e insatisfeitos com a gestão de Caio.

Em entrevista à ConJur, no dia seguinte a eleição, Vanzolini falou da divisão da advocacia paulista, da estrutura da seccional, que esconde a oposição, dos vícios da reeleição e de mudanças sensíveis em questões como nas indicações do quinto constitucional.

"Qualquer indicação vai obedecer a paridade de gênero, porque entendemos que essa paridade deve chegar até os tribunais por meio da indicação para o quinto constitucional. A OAB-SP tem que ser exemplo de paridade de gênero, de equidade racial, de inclusão de portadores de deficiência e de pessoas LGTBQIA+."

Com previsão no artigo 94 da Constituição de 1988, a regra do quinto prevê que 1/5 dos membros de alguns tribunais sejam compostos por advogados e membros do Ministério Público Federal ou Estadual.

Apesar de ter história e brilho próprio na advocacia brasileira, a criminalista carrega o DNA do cancioneiro paulista. É neta do cientista da USP (Universidade de São Paulo) e compositor Paulo Vanzolini (1924-2013), que entre outras preciosidades da música, legou "Ronda" e "Volta por Cima", cujo trecho "reconhece a queda e não desanima, levanta sacode a poeira e dar a volta por cima" é repetido como mantra por muitos brasileiros.

Ainda mais em momentos de adversidade impostas pela crise sanitária provocada pela Covid-19.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

ConJur — Professora, o que a senhora pretende fazer para ajudar a advocacia paulista a dar a volta por cima após os tempos difíceis que vivemos?
Patricia Vanzolini — Muita coisa. Há muito trabalho a ser feito. Esse projeto que restauração da Ordem é grandioso e não tem apenas um braço ou apenas uma vertente. É um projeto que passa desde a governança para trazer a OAB para o século 21. Modernizar, dar eficiência até colocá-la nos objetivos de desenvolvimento e padrões de ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa em tradução livre da sigla em inglês). É preciso fazer com que a entidade seja representativa e atenda os anseios da advocacia.

O fato de que somos terminantemente contra a reeleição e queremos mesmo uma reforma estrutural que faça com que a instituição funcione melhor faz toda diferença. Um dos problemas da atual gestão é que o foco na reeleição fez que muitos projetos ficassem travados ou fossem abortados por medo de que eles desagradassem parte do eleitorado. Esse descompromisso com a recondução e com a mudança estrutural profunda na Ordem faz toda diferença em nossos projetos. Temos que arregaçar as mangas e vamos trabalhar cada minuto nesses três anos, com esse foco.

ConJur — A doutora obteve uma vitória histórica, mas também apertada. A advocacia paulista está dividida? Como fazer para uni-la?
Vanzolini — Essa divisão da advocacia paulista é um dos nossos adversários, inimigos. Nessa primeira hora, o que vamos fazer é uma reunificação. A partir de hoje não existem mais chapas. Não existem mais cores, nem adversários e nem inimigos políticos. A classe é uma só e está debilitada, está pauperizada e tem muitos problemas. Quaisquer divisões internas só nos enfraquecem. A situação já está difícil o suficiente para que nos dificultemos ainda mais criando divisionismos.

O que pretendo fazer é governar para todos e governar com todos. Qualquer membro da gestão do presidente Caio Augusto, e inclusive ele, se quiser colaborar e doar seu conhecimento para atual gestão, será bem recebido. Membros das outras chapas, idem. É um projeto grandioso e não podemos dispensar ajuda e nem nos dar o luxo de nos dividirmos. Esse pensamento de unificação da classe é o vetor principal que vai nortear toda a nossa política.

ConJur — Quais serão as prioridades do seu primeiro ano de gestão?
Vanzolini — Em primeiro lugar, será diagnosticar problemas de base e de governança. Fazer uma auditoria, revisar contratos, dar transparência e eficiência para gestão da Ordem. Alinhar a OAB-SP aos princípios das grandes empresas privadas e dos entes públicos.

A seccional se colocou em um limbo entre o público e o privado em que consegue reunir o pior dos dois mundos em termos institucionais. Não é uma crítica ao gestor, mas em termos institucionais. A entidade não tem nem a responsabilidade dos entes públicos e nem a dos entes privados. Precisamos mudar a base e começar a atuar no foco das emergências.

Vamos identificar os gargalos onde a advocacia está sendo mais aviltada e atuar de forma muito firme para que, no próximo ano, a advocacia consiga trabalhar. Os últimos dois anos foram muito cruéis. Vimos advogados trabalhando em condições muito indignas e inviabilizantes. Não dá para dizer que um advogado que faz uma audiência online de um celular com a internet caindo faz advocacia. Está fazendo um arremedo de advocacia, e não é culpa dele. Temos que conversar com os entes públicos e ver o que podemos fazer em termos de ajuda institucional para que a advocacia consiga trabalhar. É a nossa prioridade. Porque isso é também proteger a cidadania. Não é proteger uma casta. Proteger a única via que o cidadão tem de ter acesso à Justiça.

ConJur — Qual foi na opinião da senhora o maior trunfo da sua campanha? Quais momentos foram marcantes? Historicamente a situação acaba sendo reeleita. O que foi determinante para que isso não ocorresse desta vez?
Vanzolini — Essa vitória histórica não só de uma mulher, mas de toda a oposição, se deve a uma conjugação muito feliz de fatores. A eleição na OAB-SP tem um desenho institucional muito desfavorável para a oposição. Não é à toa que a situação quase sempre leva. O desenho institucional é feito para isso e queremos mudar, inclusive. Quero ao final da minha gestão deixar um desenho que permita a oposição concorrer em igualdade de condições. Temos desde problemas como a duração da campanha, que tem só 40 dias para percorrer 254 subseções, até questões mais graves como o não fornecimento pela atual gestão das listas dos advogados daquelas subseções.

Só conseguimos vencer por essa margem apertada porque nossa chapa reunia muitos elementos diferenciados. Conjugávamos uma mulher na cabeça de chapa, que é uma questão importante, com o fato ser professora também. Acho que o fato de eu já ter uma vida prévia de comunicação, de credibilidade, e de falar com os jovens advogados e ser ouvida por eles, também ajudou. Um dos desafios dessa eleição é que a oposição se torne conhecida.

Também tivemos a figura do Leonardo Sica, que tem a experiência dele na Aasp (Associação dos Advogados de Sâo Paulo) e em articulação política. Trouxemos pessoas muito fortes do Sistema Ordem, e com muita experiência em gestão. Pessoas como o Alexandre de Sá Domingues, que foi gestor da OAB de Guarulhos, a Daniela Guimarães, gestora da OAB de Jundiaí, e a Dione Almeida, gestora em Miracatu. Conjugamos peças que se complementaram e apresentamos um quadro de propostas que nenhuma outra chapa tinha.

Passamos três anos construindo as propostas. Não foi algo feito de afogadilho. Sempre que visitávamos escritórios, a percepção era a de que o nosso plano de gestão era muito superior. Algumas chapas sequer apresentaram um plano. E isso me deixa muito feliz porque essas são as razões certas para se ganhar uma eleição. Tem eleição que a gente ganha porque o adversário comeu bola ou fez gol contra. Nem toda vitória é meritória. E a nossa foi construída com base em boas razões. Por conta do nosso grupo e das nossas propostas.

Conjur — Além de atuar como criminalista, a senhora tem atuação destacada como docente universitária e em cursinhos preparatórios para o exame da Ordem. É muito querida e admirada pelos jovens advogados. Quais serão os planos para esse público para sua gestão?
Vanzolini — Isso é algo que sinto na pele. Ajudar essas pessoas a passar no exame de Ordem e encontrá-las dois, três anos depois abandonando o sonho e indo trabalhar no comércio… Sem conseguir nenhum cliente. Tenho uma vivência muito aguda e muito próxima dessa realidade triste. Basicamente vamos fazer um plano de capacitação e qualificação com a nova ESA (Escola Superior da Advocacia). Fazer com que seja oferecida uma formação complementar com cursos de especialização e se qualifiquem. É preciso fazer com que esses jovens advogados abram novos mercados de trabalho e desenvolvam suas habilidades e talentos. E, por outro lado, complementem eventuais deficiências de formação.

Esse projeto da nova ESA é agregado ao projeto "Anuidade de Volta", pelo qual vamos restituir o valor pago na anuidade nos cursos promovidos pela escola. Acho que isso permite a democratização de oportunidades para que todos possam se qualificar.

Outro projeto voltado para jovem advocacia é uma incubadora de escritórios em parceria com o Sebrae. Que é como se fosse uma mentoria de empreendedorismo jurídico para ensinar aquele advogado que deseja criar sua própria sociedade de advogados. Esses três projetos talvez sejam os mais focados na jovem advocacia.

Outro projeto de que gosto muito é o da Oficina da Advocacia, que irá fazer com que todos que passam no exame da Ordem passem por um curso de acolhimento em que irá aprender sobre a estrutura da OAB para poder participar da política interna. Também irá ter noções de marketing jurídico, para saber o que pode e o que não pode. Os nichos do mercado de trabalho, prerrogativas.

ConJur — A senhora pretende incorporar algum projeto de seus concorrentes? Se sim, quais?
Vanzolini — O que me chamou a atenção era a falta de propostas mais formais dos meus concorrentes. Muitos deles não tinham sequer um caderno que permitisse comparar com o nosso. Mas existem que são parecidas com as nossas e que podem ser incorporadas. Relativas a representatividade racial. A criação de uma diretoria de representatividade racial nos chamou a atenção. Projetos de defesa as prerrogativas que também vieram de outra chapa. O trabalho agora será conjunto. E tudo que for interessante e útil vamos incorporar e chamar o pai da ideia para participar conosco. Não existe nenhum tipo de ciúme em relação às boas ideias.

ConJur — O doutor Caio Augusto tinha forte presença no interior. Como será a sua gestão para essa parcela da advocacia?
Vanzolini — Precisamos manter portas abertas, que é algo que essa gestão nem sempre fez. De fato, havia esse discurso. Mas não foi exatamente o que se viu na prática. Não houve essa adesão massiva que ele esperava no interior. A coisa ficou mais no nível do discurso do que da prática. É preciso ter interlocutores, portas abertas o tempo todo e uma gestão republicana, que ouça as subseções, apoie e não faça delas um recurso de curral eleitoral e de capital político. A subseção não tem que estar alinhada ideologicamente ou politicamente com a seccional para receber recursos financeiros e subsídios para os seus projetos.

ConJur — A professora é a primeira mulher a ser eleita presidente da OAB-SP. Quais são seus projetos para valorização da advocacia feminina?
Vanzolini — A OAB tem que atuar em duas frentes. Primeiro tem que ser exemplo. Em segundo, tem que ser fomento. Tem que ter representatividade em todos os seus nichos e operações. Uma primeira medida de representatividade é termos paridade de gênero não apenas no Conselho, na diretoria ou no Conselho Federal, onde já é obrigatório. Mas em todos os âmbitos. Teremos paridade de gênero nas comissões, nos eventos jurídicos, na ESA e nas indicações ao quinto constitucional. Tivemos recentemente a indicação da lista sêxtupla para o quíntuplo constitucional. E dos seis indicados, apenas uma era mulher. Isso não vai acontecer na minha gestão. Qualquer indicação para o quíntuplo vai obedecer a paridade de gênero, porque entendemos que essa paridade deve chegar até os tribunais por meio da indicação para o quinto constitucional. A OAB-SP tem que ser exemplo de paridade de gênero, de equidade racial, de inclusão de portadores de deficiência e de pessoas LGTBQIA+. Enfim, de todos os tipos de inclusão.

Precisamos também cuidar das defesas. A Comissão de Prerrogativas tem que ter um letramento em racismo estrutural e machismo estrutural. Precisamos ensinar aos advogados o que é racismo estrutural e como identificá-lo para quando um membro da Comissão de Prerrogativas se deparar com uma violação. A OAB-SP tem um importante papel de educação. Todos precisamos ser educados. Machismo estrutural e racismo estrutural são coisas que, como o próprio nome diz, estão muito entranhados. E precisamos ser ensinados, letrados. E a OAB também tem esse papel.

ConJur — Em entrevista à ConJura senhora falou da necessidade de transparência. Da proposta de um orçamento participativo. Como vai acontecer?
Vanzolini — Vamos fazer com que o portal da transparência seja efetivamente transparente. Também pretendemos fazer consultas públicas nas subseções e no âmbito da seccional sobre quais as necessidades da advocacia para utilização dos recursos das anuidades. Isso é possível até por meio remoto. Durante a campanha, disse que houve subseções que construíram na pandemia quadras de beach tennis. Isso pode ser ótimo. E pode ser exatamente o que a advocacia precisava naquele local e naquele momento. Não estou entrando no mérito, mas acho que a advocacia tem que ser ouvida quanto a isso porque eventualmente talvez fosse preferível construir salas de coworking, com computadores de ponta e internet de boa velocidade para os advogados usarem para continuarem trabalhando na pandemia.

É preciso criar canais de consulta para a advocacia das subseções a respeito dos desejos e necessidades daquela localidade.

Também é preciso quebrar um pouco o paradigma. A questão dos espaços físicos das casas dos advogados pode ter um outro teor. Podemos discutir o uso desse espaço como locais de trabalho. Muitos advogados estão sem possibilidade de contratar um escritório e pagar um aluguel.

Os canais de diálogos são necessários para que a OAB-SP não fique desconectada da realidade. Precisamos conversar. Sou fã da linha de que conversando a gente se entende.

ConJur — Em artigo na ConJur, o doutor . Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, ao declarar voto na chapa da senhora, afirmou que a doutora e o seu vice, Leonardo Sica, estão perfeitamente aptos para "executar uma administração que recoloque a Ordem nos patamares de importância e de respeito dos quais não poderia ter sido retirada". Também citou a ausência de protagonismo na atual gestão. Na gestão da senhora, a OAB-SP irá participar ativamente do debate público brasileiro? Sob quais critérios?
Vanzolini — A OAB tem que participar primeiro do debate público relacionado à proteção da advocacia. Proteger a advocacia é proteger a cidadania. O que a gente viu nessa gestão foi uma omissão a todas as medidas de políticas públicas que violaram prerrogativas da advocacia sem que a Ordem tenha sido ouvida ou se manifestado.

Um projeto de uma prefeitura que diga que vai fechar um escritório tem que ter a intervenção da OAB. O escritório de advocacia é como um escritório médico. É um serviço de utilidade pública porque a Justiça não pode parar. Tem coisas que não podem parar. As pessoas não param de ser presas, de serem vítimas de crimes, os pais não param de ter o direito de visitar seus filhos cerceados, as mães não param de terem violados os direitos de receberem suas pensões alimentícias e as pessoas não param de ter o direito de ter uma verba indenizatória do INSS. 

Teremos uma atitude muito proativa em defesa da advocacia frente às outras instituições. Esse papel não foi devidamente cumprido por essa gestão.

A OAB também tem o papel de defender a sociedade. E esse papel tem que ser exercido com muita sobriedade. Se, por exemplo, houver um governador de Estado que deseje fechar a assembleia legislativa, obviamente a OAB tem que intervir. Agora questões dúbias, de interpretação jurídica ou de posicionamentos ideológicos, a OAB não pode intervir até para ter reservada sua legitimidade de intervenção quando o assunto for uma violação ao Estado democrático de Direito.

A OAB também pode atuar na pacificação da sociedade. Vivemos um mundo muito judicializado. Hoje todo mundo tem que saber de Direito. Todo mundo conhece os ministros do Supremo. Todo mundo tem o seu ministro preferido e a OAB pode ter um papel de esclarecimento. Dizer:  olha, a questão que o STF está discutindo é assim. A OAB pode cumprir o papel de esclarecimento da imprensa e da opinião pública a respeito desses temas jurídicos em que vivemos imersos. Pode atuar na correção, instrução e pacificação entre os atores sociais.

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