Ambiente jurídico

A responsabilidade administrativa e o licenciamento ambiental

Autor

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

27 de novembro de 2021, 10h20

Spacca
De acordo com o art. 70 da Lei n. 9.605/19981, "considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente". O Decreto Federal n. 6.514/08 regulamentou as sanções administrativas previstas naquele dispositivo legal como sendo as punições para as infrações administrativas ambientais, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades legalmente estabelecidas.

As sanções administrativas, que estão estabelecidas pelo art. 72 da Lei 9.605/1998 e pelo art. 3º do Decreto Federal 6.514/2008, são as seguintes: advertência, multa simples, multa diária, apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração, destruição ou inutilização do produto, suspensão de venda e fabricação do produto, embargo de obra ou atividade, demolição de obra, suspensão parcial ou total de atividades, restritiva de direitos e reparação dos danos causados. Em se tratando de licenciamento ambiental, as sanções administrativas são previstas tanto para a inexistência da licença (ou licença vencida) quanto para o descumprimento das suas condicionantes ou da legislação ambiental de uma forma geral:

Art. 63. Executar pesquisa, lavra ou extração de minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença da autoridade ambiental competente ou em desacordo com a obtida:

Multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais), por hectare ou fração.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas multas quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão ambiental competente.

Art. 66. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida ou contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes:

Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

Parágrafo único. Incorre nas mesmas multas quem:

I – constrói, reforma, amplia, instala ou faz funcionar estabelecimento, obra ou serviço sujeito a licenciamento ambiental localizado em unidade de conservação ou em sua zona de amortecimento, ou em áreas de proteção de mananciais legalmente estabelecidas, sem anuência do respectivo órgão gestor; e

II – deixa de atender a condicionantes estabelecidas na licença ambiental.

Art. 82. Elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, seja nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento, na concessão florestal ou em qualquer outro procedimento administrativo ambiental:

Multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Art. 83. Deixar de cumprir compensação ambiental determinada por lei, na forma e no prazo exigidos pela autoridade ambiental:

Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Cumpre lembrar que tais sanções administrativas independem do cometimento de dano ambiental, posto que são irregularidades meramente formais, que normalmente são comprovadas documentalmente. De fato, a comprovação de que a licença ambiental existe, ou de que ainda está válida ou de que se presta àquela etapa específica do empreendimento se dá com a simples apresentação do documento, somente ficando sujeita a uma eventual discussão ou perícia o cumprimento das condicionantes de caráter técnico. De qualquer forma, isso denota o caráter preventivo e precaucional desses dispositivos, que partem do pressuposto de que a inobservância do licenciamento ambiental gera a presunção de possibilidade real de ocorrência de dano efetivo ao meio ambiente.

O altíssimo valor que as multas administrativas ambientais podem alcançar, nesse caso podendo chegar a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), tendo tais sanções um caráter ao mesmo tempo preventivo e repressivo, serve para demonstrar a gravidade que o ordenamento jurídico atribui ao dano ao meio ambiente. A imposição e a gradação das sanções administrativas devem obedecer ao princípio da proporcionalidade, obedecendo aos critérios dispostos no art. 6º da Lei n. 9.605/98, que são a gravidade do fato, os antecedentes e a situação econômica do infrator no caso de multa.

O problema é que prevalece a subjetividade dos agentes de fiscalização, tendo em vista que os critérios estabelecidos para o arbitramento das sanções administrativas são abertos, o que deixa margem para uma excessiva discricionariedade administrativa. Seria interessante que, pelo menos no caso da determinação das multas cuja variação entre o valor mínimo e máximo é bastante significativa, como é o caso do transcrito art. 66, fossem estabelecidos critérios capazes de reduzir essa discricionariedade.

Nesse sentido, seria interessante tentar vincular a dosimetria da pena ao sistema de precedentes administrativos do próprio órgão, bem como ao dos demais órgãos ambientais, a fim de evitar desproporcionalidades, subjetividades e injustiças. Afinal de contas, se o SISNAMA foi criado para promover a integração entre os órgãos ambientais, o objetivo do SISNIMA é levantar, consolidar e organizar essas informações com o intuito de aperfeiçoar a prestação das políticas públicas na área ambiental.

No âmbito do STJ a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, havendo necessidade de comprovação da culpa. Esse entendimento foi consolidado pelo IBAMA na OJN 53/2020 (editada em 12 de junho de 2020), segundo a qual “a responsabilidade administrativa ambiental possui natureza subjetiva, a demandar a existência de dolo ou culpa do agente para caracterização de infração ambiental”. Ao menos no que diz respeito à multa simples, a Lei 9.605/98 dispôs expressamente que a responsabilidade administrativa em matéria ambiental é subjetiva, haja vista a necessidade de comprovar negligência ou dolo, consoante dispõe o § 3º do art. 72.

Outros dispositivos do decreto também fazem referência à exigência de ato administrativo ambiental, a exemplo dos arts. 24, 25, 26, 35, IV, V, 37, 38, 39, 43, 44, 45, 46, 47, 50, 51, 51-A, 52, 53, 57, 58, 62, XI, 68, 73, 74, 86, 87 e 88. Com efeito, há sempre a obrigatoriedade de autorização, cadastro, concessão, licença, permissão ou registro junto à autoridade ambiental competente, de maneira que a ideia de um prévio ato público autorizativo desponta como uma espécie de espinha dorsal da responsabilidade administrativa ambiental.

Isso implica dizer que em boa parte a função da responsabilidade administrativa ambiental é dar suporte ao sistema de licenciamento ambiental, que seria o conjunto de atos e processos administrativos ambientais de autorização, o qual teria a licença e o licenciamento ambiental como eixo central. Prova disso é que quase a metade dos tipos administrativos ambientais estão vinculados a esse tipo de exigência. Vale dizer que tal coisa também se dá em relação à responsabilidade penal ambiental, até porque os tipos do Decreto 6.514/2008 são praticamente uma cópia dos tipos penais da Lei 9.605/1998.

Isso serve para demonstrar a relação indissociável entre fiscalização, sanções administrativas e licenciamento ambiental, que queira ou não constituem o cerne da Política Nacional do Meio Ambiente. Por isso, mostrou-se acertada a vinculação do ato de fiscalizar e de impor sanções ambientais ao ato de licenciar feita pela Lei Complementar n. 140/2011, haja vista o que dispõem os arts. 7º, XIII, 8º, XIII, 9º, XIII e 17, caput e § 3º, uma vez que a fiscalização (e, eventualmente, a aplicação de penalidades administrativas) após a concessão da licença ambiental é tão ou mais importante do que a fiscalização prévia.


1 Ao invés de "Lei de Crimes Ambientais", como ficou conhecida, a terminologia mais adequada tecnicamente seria "Lei de Responsabilidades Ambientais", uma vez que a Lei 9.605/98 também dispõe sobre responsabilidade administrativa ambiental (arts. 70 a 76), responsabilidade civil ambiental (arts. 3º e 4º), termo de compromisso (art. 79-A) e cooperação internacional ambiental (arts. 77 e 78).

Autores

  • é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPE e da UFPB; doutor em Direito da Cidade pela UERJ com estágio de doutoramento sanduíche junto à Universidade de Paris 1 – Pantheón-Sorbonne (bolsa CAPES/COFECUB); autor de "Competência Administrativa Ambiental" (Lumen Juris, 2020) e "Licenciamento ambiental" (7. ed. Fórum, 2019), e organizador de "Direito ambiental brasileiro" (2. ed. RT, 2021).

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