Opinião

A aplicação subsidiária do CPC nas execuções fiscais quanto à prescrição

Autor

  • Jorge de Oliveira Vargas

    é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná mestre doutor e pós-doutor pela Universidade Federal do Paraná professor de Direito Tributário da Universidade Tuiuti do Paraná e de Direito Constitucional no Centro Universitário Opet e na Escola da Magistratura do Paraná membro da Academia Paranaense de Letras Jurídicas e do Instituto Tributário do Paraná e membro-fundador do Instituto Paranaense de Direito Processual.

24 de novembro de 2021, 12h11

Em relação à aplicação dos §§ do artigo 219 do CPC de 1973 [1] e dos §§ do artigo 240 do CPC de 2015 [2], nas execuções fiscais, é importante observar que o artigo 1º da Lei 6.830 dispõe que nelas aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil.

Referidos parágrafos dizem respeito à retroatividade da interrupção da prescrição à data da propositura da ação, senão vejamos: §1º do artigo 219 do CPC de 1973: "A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação"§1º do artigo 240 do CPC de 2015: "A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, (…), retroagirá à data de propositura ação".

Esse regramento da retroatividade "à data da propositura da ação" não está previsto na Lei 6.830, ou, de maneira especial, não está previsto em seu artigo 8º, portanto, a respeito, aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil.

A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.120.295-SP (acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008), da relatoria do ministro Luiz Fux, ao tratar de a prescrição da pretensão do fisco cobrar judicialmente o crédito tributário, deixa bem clara essa aplicação subsidiária do CPC:

"14. O Codex Processual, no § 1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional.

16. Destarte, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no artigo 174, parágrafo único do CTN.

17. Outrossim, é certo que 'incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subsequentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário' (artigo 219, §2º, do CPC)".

Fica evidente, a meu sentir, a aplicação subsidiária dos §§219 do CPC de 1973 e §§240 do CPC de 2015, nas execuções fiscais. Ou, em outras palavras, se se aplica o §1º do artigo 240, por óbvio são aplicáveis os demais parágrafos, como se extrai do item 17 antes citado.

A respeito não se deve, data vênia, ler de forma isolada o §2º do artigo 8º da Lei 6.830. Importa analisá-lo dentro do sistema processual vigente.

Assim, atualmente, o despacho que ordenar a citação, nas execuções fiscais, como em outras ações, interrompe a prescrição se o autor adotar, no prazo de dez dias, as providências necessárias para viabilizar a citação.

Se tais providências não forem adotadas, deve-se entender, por uma questão lógica e sistemática, que sem a realização da citação não haverá interrupção da prescrição prevista no artigo 174 do CTN; isso diante da ausência da triangularização processual. A respeito, o §4º do artigo 219 do CPC dispunha claramente: "Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição". Essa conclusão também se extrai do §1º do artigo 240 do CPC de 2015 por uma questão lógica porque a regra geral é que a citação interrompe a prescrição; a interrupção da prescrição pelo despacho que ordena a citação é uma exceção, à qual só deve ser aplicada quando observado o prazo para as providências necessárias para viabilizar a citação.

Nesse sentido a lição de José Alexandre Manzano Oliani, ao comentar o artigo 240 do novo CPC:

"O efeito interruptivo da prescrição somente se operará se, no prazo de dez dias, contados do despacho que ordena a citação, o autor adotar as providências necessárias para viabilizar a citação". ("Breves comentários ao novo Código de Processo Civil", coordenadores Teresa Arruva Alvim Wambier. Fredie Didier Jr, Eduardo Talamini e Bruno Dantas — Revista dos Tribunais. São Paulo, 2015, p. 689).

Por outro lado, cabe ainda lembrar que o artigo 40 da Lei 6.830 refere-se à prescrição intercorrente e não ao prazo prescricional para a propositura da execução fiscal, previsto no artigo 174 do CTN. São dois institutos completamente diferentes.

Importa analisarmos a mens legis desse dispositivo.

A respeito escrevem Valterlei A. da Costa e Maurício Dalri Timm do Valle, na obra "Lei de execução fiscal anotada, segundo o novo Código de Processo Civil", publicada pela Forum, Belo Horizonte, 2018, pp. 112 e 113 (referência 244):

"À primeira vista parece cogitar o artigo 40 de suspensão por dois fundamentos distintos, um relativo à falta de bens penhoráveis, à semelhança do que prevê o artigo 791, III do CPC [artigo 921, III, do NCPC], e outro referente a não ser encontrado o devedor, o que seria inovação. Daí a emenda do deputado Homero Santos no sentido de suprimir essa hipótese de suspensão, pelo simples motivo de que 'a não localização do devedor não impede o prosseguimento da execução, pela citação por edital'. O relator da Comissão Mista, porém, rejeitou-a sob a justificativa de que não procede a preocupação manifestada porque o projeto de lei não determina a paralisação da execução, no caso de não ter sido encontrado o devedor. Apenas, quando não localizado este e nem encontrados bens penhoráveis, essa hipótese ocorrerá. Por isso, o projeto, apropriadamente, usou a disjuntiva 'ou' e não a aditiva 'e'. Assim, segundo essa interpretação que prevaleceu nos trabalhos preparatórios, no Legislativo, somente será suspensa a execução 'enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora'. Por que, então, fala o artigo 'nesses casos' não ocorrerá prescrição em lugar de 'nesse caso'? O certo é que o artigo 40 autoriza a suspensão da execução: a) quando não for encontrado o devedor e tampouco bens para serem apreendidos; b) quando for localizado o devedor, mas não forem encontrados seus bens para sobre eles recair a penhora; c) quando não for localizado o devedor, embora sejam encontrados bens" (PACHECO, 'Comentários à lei de execução fiscal', p. 348). Para o doutrinador, não sendo encontrado o devedor, mas só seus bens, não pode ser privado desses, pois, uma vez convertido o arresto em penhora, "(…) ter-se-ia que fazer a intimação da penhora (artigo 12). Ora, se exige o § 3º do artigo 12 que se faça a intimação pessoal ao executado, cujo aviso de recepção não contiver a assinatura do executado, com muito mais razão se há de exigir a mesma providência para o que não for encontrado. Portanto, se não for encontrado, ainda que haja bens arrestados ou até mesmo penhorados, suspende-se a execução (artigo 40)" (PACHECO, "Comentários à lei de execução fiscal", p. 349).

Diante dessa lúcida e coerente análise, é de se entender que o mencionado artigo 40, na parte em que diz que se suspende a execução enquanto não for localizado o devedor, deve ser interpretado em conjunto com o artigo 12, §3º, da Lei 6.830, que diz: "Far-se-á a intimação da penhora pessoalmente ao executado se, na citação feita pelo correio (ou feita por edital, conforme mencionado na lição de PACHECO), o aviso de recepção não contiver a assinatura do próprio executado, ou de seu representante legal".

Ou, em outras palavras, a suspensão, nesse caso, pressupõe a existência de citação, ainda que ficta.

Pode-se concluir, portanto, que a prescrição intercorrente pressupõe a existência de citação, ainda que por edital.


[1] "§1º. A interrupção da prescrição retroagirá a data da propositura da ação;
§ 2º. Incumbe à parte promover a citação do réu nos dez dias subsequentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário;
§ 3º. Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias.
§ 4º. Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição".

[2] "§1º. A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data da propositura da ação.
§2º. Incumbe ao autor adotar, no prazo de dez dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no §1º.
§3º. A parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário".

Autores

  • é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, integrante da 3ª Câmara Cível com competência em matéria tributária, mestre, doutor e pós-doutor pela Universidade Federal do Paraná, professor de Direito Tributário na Universidade Tuiuti do Paraná e de Constitucional na Escola da Magistratura do Paraná e no Centro Universitário Opet, membro da Academia Paranaense de Letras Jurídicas, do Instituto de Direito Tributário do Paraná e membro fundador do Instituto Paranaense de Direito Processual.

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