Saúde suplementar

No STJ, relator propõe validar reajuste por faixa etária em plano de saúde coletivo

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24 de novembro de 2021, 18h24

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar, nesta quarta-feira (24/11), três recursos especiais em que vai fixar tese sobre a validade de cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária.

Tema é complexo e contou com audiência pública feita em fevereiro de 2020
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Eles fazem parte de um total de sete processos cadastrados no Tema 1.016 dos recursos repetitivos e que estão em tramitação na corte desde 2019. O julgamento foi paralisado por pedido de vista conjunta dos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi.

O assunto é complexo e tem profundo impacto em um setor de importância fundamental na economia e na sociedade. Por isso, contou com audiências públicas, feitas pelo STJ ainda em fevereiro de 2020.

O controle do reajuste das mensalidades dos planos é necessário para evitar que as operadoras de plano de saúde onerem excessivamente o grupo que, em tese, mais precisa dos serviços e, portanto, mais gasta: os idosos. Por isso, desde 1999, a variação do preço é fixada por faixas etárias pré-definidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e que devem ser respeitadas pelas operadoras.

A norma mais recente é a Resolução Normativa 63/2003, que limita o último reajuste à idade de 59 anos e diz que ele não pode ser maior do que seis vezes o valor da primeira faixa (de 0 a 18 anos). Além disso, fixa que a variação das três últimas faixas (de 49 anos a 59 anos) não pode ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas.

Desde sempre, a eficácia dessas normas e sua aplicação pelas operadoras de planos de saúde são levadas ao Judiciário. Ministros do STJ identificam que o setor da saúde suplementar, hoje, vive uma hiperjudicialização.

Lucas Pricken/STJ
Relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino propôs três teses sobre o tema
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Para entidades protetoras dos consumidores, as operadoras impõem aumentos abusivos aos idosos como forma de inviabilizar sua permanência nos contratos. Para as operadoras, os aumentos são necessários para preservar o equilíbrio financeiro do contrato.

Até agora, apenas o relator do repetitivo, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, votou. Para ele, realmente faltam critérios objetivos para se controlar a abusividade dos reajustes, para se substituir índice que sejam considerados abusivos e para fixar de quem é ônus da provar essa abusividade.

Por isso, propôs tese dividida em três partes, baseadas em jurisprudência do STJ e de Tribunais de Justiça sobre o tema. Em alguns pontos, atendeu ao pedido dos consumidores. Em outros, das operadoras. O julgamento só continuará em 2022, pois a 2ª Seção fez, nesta quarta, sua última sessão do ano.

Em suma, definiu que as mensalidades dos planos de saúde coletivos podem ser reajustadas de acordo com a faixa etária do beneficiário, desde que o aumento obedeça a três regras: tenha previsão contratual, siga normas de órgãos governamentais reguladores e não seja feito aleatoriamente, com aplicação de "percentuais desarrazoados".

Os critérios são os já definidos pela ANS na RN 63/2003, sendo que o termo "variação acumulada", que vincula os limites percentuais para o aumento, se refere ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, e não a soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.

Por fim, definiu ainda que, nas hipóteses em que se alegar que o aumento foi definido por base atuarial inidônea ou por aplicação de índices aleatórios, caberá às operadoras de planos de saúde comprovar a existência dessa base atuarial.

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Limitação do reajuste por faixa etária é proteção para que idosos não sejam retirados dos planos de saúde devido ao custo
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Teses explicadas
Ao propor a tese, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino replicou outros enunciados já julgados de forma qualificada pelo Judiciário brasileiro.

A possibilidade de reajuste de mensalidades por faixa etária, por exemplo, foi definida em 2016 pela 2ª Seção do STJ quando decidiu o Tema 952, que tinha aplicação restrita aos planos individuais e familiares. Como a argumentação foi abrangente, o relator entendeu que vale também para os planos coletivos.

A mesma tese já havia fixado aplicabilidade da RN 63/2003 como critério para limitar os reajustes em contratos novos (após 1/1/2004). Havia dúvida, no entanto, sobre como seria feito o cálculo da “variação acumulada” — o termo que vincula os limites para o aumento, de acordo com os percentuais observados em cada faixa etária.

Nesse ponto, replicou a tese fixada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 11 (IRDR 11).

Ou seja: a interpretação correta do artigo 3º, II, da Resolução 63/03, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão "variação acumulada", referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.

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É das operadoras de plano de saúde o ônus de provar que o aumento da mensalidade foi correspondeu a base autuarial do contrato
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Base atuarial
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino ainda ressaltou o embate entre as partes quanto ao que o Judiciário poderá considerar como forma idônea de comprovação de que o aumento da mensalidade foi feito a partir de base atuarial idônea.

Para as operadoras, a Nota Técnica de Registro de Produto (NTRP) é suficiente, uma vez que é exigida pela ANS como pré-requisito para a comercialização dos planos de saúde. O índice é, inclusive, analisado e aprovado pela agência reguladora. Assim, ela gozaria de presunção de legalidade e veracidade, sendo incontrastável pelo Judiciário.

Essa posição, segundo o relator, limitaria a aplicação da tese, pois impediria o Judiciário de verificar os aumentos feitos em percentuais desarrazoados ou aleatórios.

Os consumidores alertaram que isso ainda daria às operadoras a liberdade de manipular os índices de reajuste para driblar a proteção conferida pela RN 63/2003 aos idosos. A ANS, apesar de se comprometer a monitorar práticas abusivas, falhou nesse propósito, conforme reconheceu o Tribunal de Contas da União em 2017.

“À luz do tema, a revisão judicial de índices de reajuste é possível excepcionalmente, não obstante a presunção de legitimidade da NTRP”, concluiu o ministro.

O ônus de fornecer a base atuarial, por sua vez, ficou nas mãos das operadoras de plano de saúde, que já têm acesso ao NTRP. O relator entendeu que elas possuem melhor capacidade técnica de produzirem a prova, inclusive diante do baixo número de profissionais atuariais no mercado — em 2019, eram apenas 2,3 mil no Brasil, 80% em atuação na região sudeste.

O julgamento conta com a A Federação Nacional de Saúde Saúde Suplementar (Fenasaúde) como amicus curiae. A entidade é representada pelo escritório Sérgio Bermudes Advogados.

REsp 1.715.798
REsp 1.716.113
REsp 1.873.377

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