Opinião

A essencialidade do ICMS no setor elétrico e de telecomunicações

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24 de novembro de 2021, 15h06

O Supremo Tribunal Federal decidiu a emblemática questão suscitada no RE nº 714.139, Tema 745, com repercussão geral, na sessão virtual que se iniciou no último dia 12. O julgamento veio decidir se a alíquota de 25% de ICMS fixada pelo estado de Santa Catarina sobre o fornecimento de energia elétrica e a prestação do serviço de comunicação viola o princípio constitucional da seletividade do ICMS, que impõe a graduação do imposto em função da essencialidade dos bens e serviços tributados.

O julgamento do RE nº 714.139, com repercussão geral, iniciou com um embate principal, divergindo nos votos proferidos pelos ministros Marco Aurélio (relator) e Alexandre de Moraes (voto-vista). Cumpre, contudo, lembrar que 2ª Turma já havia decidido em agosto de 2014 que a aplicação da alíquota de 25% de ICMS para o fornecimento de energia elétrica e telecomunicações para o estado do Rio de Janeiro era ofensivo à seletividade.

Nessa linha, o ministro Marco Aurélio, na linha do precedente da 2ª Turma do STF, reconheceu a inconstitucionalidade da lei do estado de Santa Catarina, por entender que a energia elétrica e os serviços de telecomunicação são mercadorias e serviços dotados de essencialidade incontestável. O ministro afirma que o legislador estadual ao adotar alíquotas diferenciadas do ICMS, não poderia se utilizar de outro critério, senão o da essencialidade das mercadorias e serviços.

Por outro lado, o ministro Alexandre de Moraes pelo seu voto trouxe entendimento divergente do relator, no sentido de que há violação ao princípio da seletividade na imposição de alíquota de 25% sobre as comunicações, mas diverge com relação à energia elétrica, pois entende que, nesse último caso, foi considerado além da essencialidade da mercadoria, o princípio da capacidade contributiva. Os ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes acompanharam a divergência.

Vale, no entanto, destacar o voto do ministro Gilmar Mendes, que interpretou a essencialidade como sendo facultativa. Conferindo à essencialidade um caráter conglobante, discorrendo sobre sua indissociabilidade da capacidade contributiva, de forma que não poderia vir a ser aplicada sem que fosse mensurada, anteriormente a capacidade contributiva do contribuinte. Ou seja, nesse cenário, pudemos verificar mais um critério sendo conferido à essencialidade, que não a essencialidade, tal qual disposto no texto constitucional.

Dessa maneira, ainda que o princípio da seletividade, previsto no artigo 155, parágrafo 2º, inciso III, da Constituição, seja compreendido como facultativo para o ICMS, pela subsunção do termo "poderá ser", no que consta "poderá ser seletivo", o legislador estadual ao prever alíquotas diferenciadas do ICMS, prevendo a alíquota de 25% aos bens supérfluos, enquanto as operações em geral ficaram sujeitas à alíquota de 17%, teria o poder dever de observar a essencialidade da mercadoria ao graduar as alíquotas.

Por conseguinte, é necessário um olhar pormenorizado a respeito das premissas que fundamentam o voto-vista do ministro Alexandre de Moraes. O voto em questão traz uma tentativa de conjugação do princípio da seletividade do ICMS com o da capacidade contributiva.

A Constituição determina que sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte, com a finalidade de respeitar, nos termos da lei, os direitos individuais, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Dessa maneira, a capacidade contributiva constituiria não só um critério de justiça fiscal [1], sendo capaz de fundamentar um tratamento tributário diferenciado de modo que promova a isonomia, e não atuar como violador desse princípio. Figuraria um princípio a orientar toda a tributação, inspirando o legislador e orientando os aplicadores das normas tributárias.

Apesar disso, ao tomar essa análise relacionando-a à capacidade contributiva, podemos presumir que mercadorias essenciais são consumidas por uma questão de subsistência, sendo o consumo dessas mercadorias imanentes à manutenção do mínimo existencial. Diante disso, no consumo de gêneros mais essenciais, a capacidade contributiva demonstrada é reduzida, uma vez que não há escolha para o contribuinte nesse caso, sua renda é destinada ao consumo desses produtos essenciais, que por sua vez se prestarão a mera satisfação do mínimo existencial.

Importa, contudo, ressaltar que a Constituição, ao determinar a essencialidade como critério para aplicação da seletividade, fez compreender que as alíquotas deverão variar em função da essencialidade do produto, sob pena de inconstitucionalidade. Por claro, o grau de essencialidade do produto não deve guardar relação com o preço do produto, mas, sim, com fatores atinentes à preservação da dignidade da pessoa humana [2].

Assim a essencialidade é o único critério constitucional estabelecido para a aplicação da seletividade, sendo vedado qualquer outro critério que se possa ser cogitado para seu proveito. Tendo, inclusive, quem considere a essencialidade um princípio constitucional, ao incorporar um valor de justiça tributária e atuar como um mecanismo de controle da tributação, além de estabelecer um critério valorativo a ser perquirido.

No que se refere ainda ao conceito de essencialidade, vale lembrar que este deve ser interpretado em sua forma mais ampla, abarcando as mercadorias e os serviços básicos à integração do cidadão à sociedade, considerando um padrão mínimo da vida digna em determinada sociedade, de acordo com os parâmetros constitucionalmente estabelecidos [3]. De forma que a essencialidade na tributação necessariamente estará vinculada a um padrão mínimo de vida, não devendo ninguém ficar abaixo deste.

A essencialidade, como visto, é o meio pelo qual é possível a discriminação entre as coisas essenciais e as supérfluas, ou ainda entre a graduação do que é mais ou menos essencial. De forma que se possa aplicar a tributação diferenciada entre o que é necessário e o que não é.

Dessa forma, os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, ao abordar a aplicação da seletividade em virtude da capacidade contributiva, vêm atribuir à seletividade um critério não autorizado pela constituição para sua aplicação. De mesmo modo, pelo escopo almejado pelo ministro, a aplicação de uma seletividade com base na existência de uma alíquota menos gravosa em função do consumo reduzido dessa mercadoria ou serviço, desvirtuaria o princípio da seletividade pelo corpo constitucional.

Restando, assim, diante da decisão dos oito votos que decidiram pela aplicação da seletividade em função da essencialidade, que deve ser compreendida a seletividade como técnica responsável por tornar o imposto capaz de manifestar variações da expressão econômica em razão de um critério constitucionalmente disposto. Podemos compreender que essas variações podem ser obtidas pela graduação da alíquota, em função da essencialidade das mercadorias e serviços, conforme disposto no texto constitucional.

Espera-se, assim, que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, pela sua força vinculante em relação ao Judiciário, venha consagrar a aplicação da seletividade em função da essencialidade nos serviços de energia elétrica e telecomunicação, diante da obrigatoriedade da graduação da carga tributária em função da essencialidade das mercadorias ou serviços.


[1] ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária, 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 45.

[2] TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. Rio de Janeiro: Renovar 2009, p. 152

[3] TILBERY, Henry. O Conceito de Essencialidade como Critério de Tributação. In: NOGUEIRA, Ruy Barbosa (coord.). Estudos Tributários em Homenagem à memória de Rubens Gomes de Souza. São Paulo: Resenha Tributária, 1974. p. 2969-3058

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