Opinião

Abusos na utilização das ações de improbidade levaram a alteração da lei

Autor

  • Calil Simão

    é jurista escritor professor autor da obra "Elementos do Sistema de Controle de Constitucionalidade” (Editora Saraiva) mestre e doutor em Direito e investigador vinculado ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES).

22 de novembro de 2021, 14h04

A Lei 14.230, de 25 de outubro deste ano, promoveu mudanças significativas na Lei 8.429/1992, incorporando muitas das aspirações doutrinárias, especialmente com relação à aplicação ampliativa da lei aos deslizes funcionais simples e às meras ilegalidades, fato que vulgarizou o combate à improbidade administrativa no Brasil.

Essa vulgarização, ou seja, a permissão do uso inadequado desse tipo de ação, levou o Superior Tribunal de Justiça a enfrentar vários problemas dela decorrentes, como, por exemplo, teve de criar as figuras absurdas da ação de improbidade administrativa "típica" e "atípica".

A alteração legislativa vem tentar obstar o uso inadequado da ação de improbidade administrativa que, na sua maioria considerável, acabou distorcendo o combate à improbidade no Brasil.

Para se ter uma ideia, apenas 30% das ações de improbidade administrativa tratam de corrupção propriamente dita; as demais, de descumprimento contratual, deslizes funcionais simples e figuras não afetas ao conceito de corrupção.

Os agentes públicos acabaram, de certo modo, virando reféns de alguns membros do Ministério Público que chegavam até a interferir nas decisões administrativas locais, rompendo com a independência e autonomia do Poder Executivo, sob a ameaça de promoção de ações judiciais de improbidade administrativa.

Criou-se no Brasil uma falsa ideia de combate à corrupção, quando na verdade o que se implementou foi uma conformação das atividades administrativas, por meio da vulgarização de conceitos de irregularidade, ilegalidade e improbidade administrativa, e inúmeros agentes públicos foram vítimas da extensão indiscriminada da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa.

Os conselhos superiores dos Ministério Público e da magistratura não intervieram, permitindo que esse absurdo se instalasse na prática institucional (deixando de fortalecer a capacitação e de definir orientações razoáveis de atuação), e, então, o Poder Legislativo, após um longo tempo de abusos, promove uma série de mudanças visando a atribuir segurança jurídica às relações administrativas.

Esse problema institucional ainda persiste, basta ver a nota desastrosa emitida pelo Ministério Público Federal sobre a Lei 14.230/2021 e a sua aplicação aos casos anteriores, ignorando, do ponto de vista da razoabilidade, qualquer lógica de interpretação do Direito punitivo.

O problema sobre os limites e desafios da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, em virtude das consequências gravíssimas dela decorrentes, implicou na conformação da lei original às teorias dogmáticas, com a incorporação expressa nos dispositivos legais.

A falta de determinação acabou gerando uma insegurança nos destinatários da norma, fato que acabou criando uma dependência especialmente das ações administrativas (mas também das legislativas), transformando, indevidamente, o Ministério Público em órgão consultivo, criando administradores omissos pelo temor de serem responsabilizados na busca do bem comum, e ainda fulminando a discricionariedade, a autonomia e a independência do Poder Executivo, especialmente em âmbito local.

No Estado de direito Democrático, a legalidade é um pressuposto natural, e, em matéria de Direito punitivo, como é o caso da responsabilização por ato de improbidade administrativa, a reserva de lei é uma condicionante constitucional.

No presente caso não se trata meramente de preeminência da lei, mas de reserva de lei formal, uma vez que a Constituição Federal atribui expressamente à lei a forma e as condições de responsabilização (CF, artigo 37, §4°).

Tais mudanças contemplam cerca de 99% das problemáticas que levantamos desde 2010 na primeira edição de nossa obra "Improbidade Administrativa — Teoria e Prática", editada pela Editora Mizuno, bem como das soluções propostas, buscando, após 29 anos de aplicação da lei, tentar colocar em equilíbrio o combate à corrupção e as liberdades individuais fundamentais.

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    é jurista, escritor, professor, autor da obra "Improbidade Administrativa — Teoria e Prática" (Editora Mizuno), mestre e doutor em Direito e investigador vinculado ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES).

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