Opinião

Clube-empresa: nova lei impõe reflexão sobre impactos tributários

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22 de novembro de 2021, 21h55

Recentemente, no dia 9 de agosto, foi sancionada a Lei nº 14.193/2021, que instituiu "a Sociedade Anônima do Futebol, dispondo sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico".

De forma resumida, a referida lei permite que os clubes de futebol sejam constituídos na forma de uma sociedade anônima, permitindo a emissão de títulos regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e estabelecendo regime tributário próprio, unificando o pagamento de IRPJ, CSLL, PIS, Cofins e contribuições.

Com a implementação do chamado clube-empresa, pessoas físicas, empresas e fundos de investimentos poderão participar acionariamente e contribuir com a gestão dos clubes.

Entre as principais vantagens previstas na lei, e decorrentes da transformação societária, é possível pontuar:

 Uma maior dificuldade na penhora ou bloqueio de receitas do clube de futebol;

 A possibilidade de pedir recuperação judicial, falência ou organizar na Justiça uma fila de credores, com prazo de até dez anos para pagá-los;

 A viabilidade de emissão de títulos de dívida (debêntures-fut) sem incidência do Imposto de Renda sobre os juros para o investidor;

 A permissão para emissão de qualquer título regulado pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM), inclusive ações na bolsa de valores; e

 A autorização para captação de recursos via Lei de Incentivo ao Esporte.

Especificamente quanto ao regime de tributação, os clubes que optarem pela transformação em sociedade anônima do futebol irão se submeter a um regime de tributação específico (TEF) que implicará no recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições, a serem apurados seguindo o regime de caixa: IRPJ; PIS/Pasep; CSLL; Cofins e contribuições previstas nos incisos I, II e III do caput e no §6º do artigo 22 da Lei nº 8.212/1991.

Importante ressaltar, que não estão abrangidos pelo TEF os seguintes impostos ou contribuições:

— IOF; 

— Imposto de Renda relativo aos rendimentos ou ganhos líquidos auferidos em aplicações de renda fixa ou variável;

— Imposto de Renda relativo aos ganhos de capital auferidos na alienação de bens do ativo imobilizado;

— Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);

— Imposto de Renda relativo aos pagamentos ou créditos efetuados pela pessoa jurídica a pessoas físicas; e

— Demais contribuições instituídas pela União, inclusive as contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, de que trata o artigo 240 da Constituição Federal (CF/1988), e demais entidades de serviço social autônomo.

De acordo com o previsto em lei, o pagamento mensal unificado deverá ser feito até o 20º dia do mês subsequente àquele em que houver sido recebida a receita, sendo que nos cinco primeiros anos-calendário da constituição da sociedade anônima do futebol esta ficará sujeita ao pagamento mensal e unificado dos tributos previstos para o TEF, à alíquota de 5% das receitas mensais recebidas, considerando-se como receita mensal a totalidade das receitas recebidas pela sociedade anônima do futebol, inclusive aquelas referentes a prêmios e programas de sócio-torcedor, excetuadas as relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas.

A partir do início do sexto ano-calendário da constituição da sociedade anônima do futebol, o TEF incidirá à alíquota de 4% da receita mensal recebida, compreendidos os tributos previstos para o TEF, incluindo-se as receitas relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas.

Em que pese tratar-se de uma lei que traz diversas inovações relevantes, permitindo uma gestão mais profissionalizada e empresarial dos clubes de futebol, inclusive com previsão de regime de tributação específico e mais benéfico que aquele dispensado para sociedades anônimas em geral, os clubes devem ter especial atenção para os reflexos tributários da transformação societária, em especial no que tange às isenções e recolhimentos diferenciados aos quais atualmente fazem jus aqueles constituídos no formato de associação sem fins lucrativos.

Isso porque, atualmente os clubes de futebol constituídos na forma de associação sem fins lucrativos fazem jus à regras de isenção e recolhimento diferenciado previstos na Lei 9.532/97 [1], desde que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem finalidade lucrativa.

Assim, as entidades desportivas (clubes de futebol) constituídas na forma de associação, sem fins lucrativos, e que atendam aos demais requisitos da legislação, fazem jus à isenção do IRPJ e da CSLL.

Demais disso, em relação à contribuição para o PIS, os clubes de futebol organizados na forma de associação sem fins lucrativos que gozam da isenção de IRPJ e CSLL, nos termos do artigo 15 da Lei nº 9.532/97[2], fazem jus ao recolhimento diferenciado da contribuição, mas não são isentas de seu pagamento. As entidades desportivas podem recolher o tributo com base na folha de salários, à alíquota de 1%, conforme previsto na Medida Provisória nº 2.158-35/2001 [3].

No tocante à Cofins, há norma que isenta os clubes de futebol, organizados sob a forma de associação sem finalidade lucrativa, de realizar o recolhimento da contribuição incidente sobre as receitas advindas das atividades próprias da entidade, destinadas ao seu custeio e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais [4].

Em caso de transformação para a forma de sociedade anônima de futebol, tais clubes de futebol não mais farão jus às isenções e recolhimento diferenciado ora referidos, o que poderá ensejar um aumento exponencial da carga tributária incidente sobre a atividade desenvolvida.

Desse modo, é possível concluir o seguinte: a Lei nº 14.193/2021 trouxe relevantes inovações com a criação da sociedade anônima de futebol, viabilizando que os clubes de futebol possam explorar a atividade desportiva de uma forma empresarial, inclusive com um relevante aumento na receita decorrente da atividade desenvolvida. No entanto, a transformação societária deve ser analisada de uma forma extremamente criteriosa, com o objetivo de se apurar a efetiva vantagem levando em consideração a perda das isenções e recolhimentos diferenciados aos quais os clubes de futebol atualmente constituídos na forma de associação sem fins lucrativos fazem jus.


[1] "Lei 9.532/97, Artigo 15 – Consideram-se isentas as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos".

[2] "Lei 9.532/97, Artigo 15 – Consideram-se isentas as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos.
1º. A isenção a que se refere este artigo aplica-se, exclusivamente, em relação ao imposto de renda da pessoa jurídica e à contribuição social sobre o lucro líquido, observado o disposto no parágrafo subsequente.

2º. Não estão abrangidos pela isenção do imposto de renda os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável".

[3] "MP 2.158-35/2001, Artigo 13 – A contribuição para o PIS/PASEP será determinada com base na folha de salários, à alíquota de um por cento, pelas seguintes entidades: […] IV  instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e as associações, a que se refere o artigo 15 da Lei no 9.532, de 1997".

[4] "MP 2.158-35/2001, Artigo 14 –  Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1o de fevereiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas: […] X  relativas às atividades próprias das entidades a que se refere o artigo 13".

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