Residência advocatícia

"OAB tem obrigação de ensinar os jovens a advogar", diz Mário de Oliveira Filho

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22 de novembro de 2021, 7h33

O advogado criminalista Mário de Oliveira Filho faz questão de sempre deixar claro que se considera o melhor candidato à Presidência da seccional paulista da OAB. Isso, segundo ele, não tem nada a ver com arrogância ou prepotência. "A gente tem que ter autocrítica e saber para que é que a gente serve. Eu sirvo para presidir a OAB de São Paulo", resume em entrevista à ConJur. 

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Ferrenho defensor das prerrogativas da advocacia, Mário diz acreditar que a seccional paulista pecou em não se posicionar de maneira firme diante dos abusos praticados pela "lava jato". "Fui um dos advogados que atuou muito na "lava jato" lá em Curitiba, e a gente via aquela formatação imposta pelo Moro junto com os procuradores federais, aquilo… A armação era evidente, era expressa", diz.

Uma de suas principais propostas é a criação de um programa de residência para jovens advogados. A OAB paulista iria estabelecer convênios com escritórios especializados para que os novos causídicos pudessem se especializar em áreas específicas do Direito. "A pessoa faz um concurso para a magistratura, passa, vai para a Escola da Magistratura aprender a ser magistrado. Faz exames para o Ministério Público, passa no exame do Ministério Público, vai para a Escola do Ministério Público aprender a ser Ministério Público. Faz concurso para a Polícia, tanto Estadual como Federal, e vai para a Academia de Polícia aprender a ser policial. O advogado passa no exame da Ordem e vai para onde? Vai para o inferno, porque ele não tem para onde ir, a vida dele se transforma em um inferno, ele tem uma carteira de advogado, e não sabe advogar", lamenta. 

Leia os principais trechos da entrevista: 

ConJur — Por que o senhor deseja ser presidente da OAB-SP?
Mário de Oliveira Filho — Porque sou o melhor candidato que tem disputando a OAB de São Paulo. Nenhum dos candidatos têm a mesma folha de serviço prestadas à advocacia sem cargo nenhum, e nem folha de serviço prestados à OAB trabalhando em comissões, pertencendo a grupos aí de comissões, e sustentando e levantando bandeiras das que eu tenho. Então, me sinto preparadíssimo para presidir a OAB de São Paulo. Não é questão de prepotência, arrogância, muito menos de falsa modéstia. A gente tem que ter autocrítico e saber para o que que serve. Sirvo para presidir a OAB de São Paulo.

ConJur — Muitos defendem uma atuação apolítica da OAB, e falam que a entidade tem sido partidarizada. Qual é a opinião do senhor sobre o tema?
Mário — Infelizmente, a OAB virou de uns nove anos para cá um trampolim político para quem exerceu a presidência. E a Ordem, principalmente a de São Paulo, pela sua magnitude, pela sua importância, pelo seu gigantismo, não pode ser puxadinho de partido político e não pode ser berço de ideologia de direita ou de esquerda. O partido é a OAB, e a ideologia é a defesa do advogado. Fora disso não existe nada dentro da Ordem. Não pode ter rabo preso com partido nem com políticos.

ConJur — A atual gestão da OAB perdeu o apoio de uma parcela importante dos conselheiros eleitos. Essa dissidência ficou pública por conta de uma carta aberta à advocacia e repercutiu bastante nesse processo eleitoral. Qual é a avaliação do senhor sobre o caso?
Mário — É decepção, não é? Porque uma gestão pífia, que se propunha a tanta coisa e não fez nada de concreto, de útil. Essa é a pegada. Quanto à questão do respeito aos nossos direitos e às nossas prerrogativas, estamos no chão. No chão, acabou, não tem. A Casp servindo para outros propósitos, por exemplo. A ESA, que é tão importante na formação do advogado, foi "terceirizada" por uma empresa particular, que visa a obtenção de lucros, e está servindo à própria Escola Superior de Advocacia, quando na verdade essa incumbência é da OAB. Não de uma empresa particular. Então, a decepção dessas pessoas sérias dentro dessa chapa resultou na dissidência e no afastamento delas da linha de conduta adotada por essa gestão.

ConJur —  Os últimos tempos foram marcados por violações às prerrogativas da advocacia. Como será feita a defesa das prerrogativas na gestão do senhor?
Mário — Essa que está aí não dá para melhorar nada. Temos é que refazer a nossa Comissão de Direitos e Prerrogativas, que já presidi nos anos de 2004 a 2006. Vamos retomar a importância dela, atuar firmemente e em contato com as autoridades, as corregedorias, tanto do Poder Judiciário quanto Ministério Público, da Polícia Civil, da Polícia Militar, Guarda Municipal, prefeituras.

Vamos novamente adotar o sistema de avaliação rigorosa da questão de idoneidade dos candidatos da OAB, daquelas autoridades que se aposentam e vêm para a advocacia.

Quem teve moção de repúdio, ato de desagravo praticado ou qualquer outro tipo de violência contra os direitos e prerrogativas será rigorosamente avaliado, porque o nosso estatuto diz que aquele que praticou ato de indignidade contra a advocacia não pode ser advogado. E não é aqui que eles vão fazer uma boa aposentadoria. Vêm com um bom holerite no bolso disputar mercado com os colegas que não tem holerite e muitas vezes foram inimigos. Os que foram inimigos não serão advogados. Ou se entrar, não entrarão pela porta da frente.

ConJur — Muitas dessas violações ocorreram no âmbito da "lava jato". Qual é a sua avaliação do senhor sobre a operação?
Mário — Primeiro, não foi em São Paulo que tramitou a grande parte ou toda a parte da "lava jato". Foi tudo em Curitiba. Mas aí era de competência do Conselho Federal da Ordem tomar as providências. Mas um conselho que na verdade o presidente não é eleito, é nomeado por um grupo para ser o representante nacional. Isso tem que mudar, tem que ser uma eleição direta. A OAB-SP poderia, sim, amparar os advogados que estavam lá e o grande exemplo disso é o Zanin [Cristiano], que sofreu o diabo na mão do Sergio Moro. Então a Ordem poderia no mínimo ter se manifestado a favor da defesa dos direitos e prerrogativas desse advogado específico e de todos os outros.

Fui um dos advogados que atuou muito na "lava jato" lá em Curitiba, e a gente via aquela formatação imposta pelo Moro junto com os procuradores federais. A armação era evidente, expressa.

ConJur — É preciso aumentar a transparência da OAB-SP?
Mário — Primeiro vamos fazer uma auditoria fiscal financeira administrativa em toda a Ordem, também na ESA e também na Caasp. Para se ter uma ideia do que é que temos e do que é que vamos enfrentar. E tudo isso tem que substituir esse "Portal da Intransparência" e fazer um portal verdadeiramente transparente e que qualquer advogado tenha acesso e compreenda o que está escrito ali. Auditoria constante e permanente. Licitações para tudo o que for necessário que imponha a contratação de terceiras pessoas. Entendo também necessário concurso para muitos cargos da OAB. Isso gera transparência. É como se falava da mulher de César, não é? Não adianta ser honesta, tem que parecer honesta. E é o que vamos fazer. Transparência total e absoluta em todos os atos praticados pela entidade.

ConJur — Considerando que o número de advogados formados cresce a cada ano, como receber e apoiar a jovem advocacia?
Mário — É a menina dos meus olhos! Escola Superior de Advocacia. A pessoa faz um concurso para a magistratura, passa, vai para a Escola da Magistratura aprender a ser magistrado. Faz exames para o Ministério Público, passa no exame do Ministério Público, vai para a Escola do Ministério Público aprender a ser Ministério Público. Faz concurso para a Polícia, tanto Estadual como Federal, e vai para a Academia de Polícia aprender a ser policial. O advogado passa no exame da Ordem e vai para onde? Vai para o inferno, porque ele não tem para onde ir. A vida dele se transforma em um inferno. Ele tem uma carteira de advogado, e não sabe advogar. "Ah, mas a faculdade não ensinou"… E quem é que disse que a faculdade tem a obrigação de ensinar o ofício? Não tem.

A faculdade tem a obrigação de passar toda a ciência jurídica para o aluno. Quem ensina a profissão é a escola de cada uma das carreiras. Então a nossa está desviada da sua função faz muito tempo. Vou implantar um projeto igual ao da medicina, das residências. Residência em cirurgia plástica, em oftalmologia. Vamos ter a residência em advocacia criminal, previdenciária, enfim, em todos os âmbitos.

E não vai ficar se explicando lá o que é Código do Processo Penal, não. Vai se explicar como se advoga, como e faz contato com o cliente, como tem esse approach com a família do cliente, como se redige um contrato, o que ele pode e principalmente o que ele não pode fazer no exercício da advocacia. Vamos ter um escritório experimental. Vou ressuscitar o antigo escritório experimental que um dia já existiu, inclusive com o nome de Escritório Experimental Dr. Paulo Sérgio Leite Fernandes. Não vamos ter um espaço físico dentro da Ordem e da ESA. Podemos até ter, mas a grande sacada é a parceria com grandes escritórios com expertise na área. O residente vai para lá fazer essa parte, recebendo obviamente e ao final da residência dos seis meses. Ele poderá ser contratado pelo escritório. Aí é uma questão de mercado e vai regular quem fica e quem vai embora. É assim que funciona na vida.

A ESA vai cumprir essa missão de receber o jovem advogado, e prepará-lo. Vou dá-la a finalidade para a qual ela foi criada pelo Rubens Approbato Machado. Conscientizar, orientar, preparar e pôr no mercado um profissional gabaritado.

ConJur — Quais foram os principais problemas da advocacia durante o período de isolamento social?
Mário — O principal problema foi a falta de visão humana sobre a advocacia e sobre os advogados. Imagine, em plena pandemia, colegas fechando escritório, clientes morrendo de Covid, sendo internados, não pagando o advogado. Obviamente o advogado se torna inadimplente. O que faz a Ordem? Protesta o advogado, executa o advogado, afoga o afogado. Não pode. Irei suspender todos os protestos de advogados, sobrestar todas as ações judiciais que já estejam aforadas e vamos fazer um pente fino com uma empresa especializada sob concorrência para analisar o perfil socioeconômico de cada devedor e chamá-lo para um grande mutirão de negociação. Não é isenção, não vem com essa historinha: "Então, não vou pagar a Ordem…", não, todo mundo vai pagar. Disso não tenha a menor dúvida, mas não é debaixo do taco, debaixo do chicote.

Bom, e aquele advogado espertinho que não paga a OAB, de malandragem? Para isso nós teremos o estudo socioeconômico da pessoa, aquele que tem condições, e é um número desse "tamanhinho" de espertinhos. Responderão a uma ação ajuizada de cobrança. Protesto eu sou contra, é muito humilhante. Mesmo os espertinhos merecem essa consideração, que talvez eles não tenham tido com a Ordem. Mas vou ter esse respeito por eles.

ConJur — Durante toda a pré-campanha, a OAB-SP não se pronunciou sobre a questão das eleições online. Como o senhor enxerga esse silêncio?
Mário — Tem várias facetas. A irresponsabilidade e a falta de palavra. Uma das piores coisas que vejo em um ser humano é não ter palavra, então. O atual presidente em entrevistas, em campanha pela primeira eleição, em projeto de administração, garantiu duas coisas importantes: que não ia para a reeleição. "Não convém à advocacia a reeleição e que as novas lideranças iriam surgir e essas ocupariam o lugar", disse. Palavra pífia, não valeu nada. E a outra era eleições diretas e online. Cadê a eleição online? Não teve.

Por que não teve? Por um motivo, porque São Paulo não pediu ao Conselho Federal, porque não tem interesse político em fazer, porque sabe que a eleição online seria um jogo contra os interesses particulares da gestão e não a favor dos interesses da OAB e da advocacia. E mais: estão fazendo aí mudanças de rotas das eleições, dos pontos de votação, chutando para tudo quanto é lado, abrindo frentes, ou seja, dissipando, dissolvendo as pessoas para que a boca de urna seja muito difícil de fazer e que desanime o advogado a votar.

ConJur — O senhor acredita que a seccional paulista faz um bom trabalho de estimativa de honorários?
Mário — Não faz nenhuma boa estimativa. Tem uma tabela mínima da Ordem. Não conheço nenhuma outra profissão que tenha. Para você ver como está tão empobrecida a advocacia, principalmente a de São Paulo. Estão fazendo audiência aí por R$ 20. É uma coisa desesperadora. E a culpa não é do colega. É da estrutura. Está errada, desde a faculdade.

A Defensoria Pública é um ônus. O Estado tem a obrigação de oferecer defensores. O que ela faz? Transfere esse ônus para os ombros dos advogados e para a instituição OAB. Então as salas da Ordem, algumas delas, são destinadas para o atendimento dos hipossuficientes. A entidade tem a sala, disponibiliza com mobiliário, aparato técnico. E defensores recebem abaixo da tabela mínima da Ordem. E o nosso estatuto diz que "receber abaixo da tabela mínima é infração ética". E a OAB incorpora essa infração ética porque permite. Então vamos atuar firme e fortemente com a Defensoria no sentido de que o advogado que preste esse tipo de serviço seja valorizado como um profissional, não como um mero prestadorzinho de serviço recebendo, não honorários, mas praticamente uma esmola, e com dificuldade.

ConJur — Ainda sobre a questão da precarização da advocacia. Diversas decisões têm negado o pagamento de honorários a advogados dativos. É uma prática que tem se tornado cada vez mais comum. Como o senhor vai lidar com o problema na gestão do senhor?
Mário — Já lidei com esse problema antigamente. Em 1988, era presidente do Conselho da então seríssima Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, e o presidente era o Antônio Carlos de Carvalho Pinto. Tínhamos um problema: naquela época o advogado era nomeado dativamente e não podia renunciar, declinar da nomeação, sob pena de praticar infração ética. Depois de muitas injunções políticas, conseguimos conversar com o governador do estado da época. Disse que não tinha dinheiro para pagar advogado. Entabulamos uma greve e paramos o estado de São Paulo. E quando estavam completando quase 60 dias, os presídios começaram a pipocar. Por quê? Não tinha audiência, não tinha júri, não tinha defesa escrita de espécie nenhuma, os processos se acumulando, as execuções paradas. Quando então começou a ebulição dos presídios, o governador chamou novamente e foi confeccionado e celebrado o primeiro convênio da história do país para remunerar os advogados que trabalhavam de graça para o governo.

ConJur — Como o senhor gostaria que a sua gestão fosse lembrada?
Mário — Que fosse lembrada como uma gestão que não teve um presidente, teve um advogado da advocacia, um defensor da advocacia. É esse o legado que eu quero deixar.

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