Segunda Leitura

A acertada ampliação dos Tribunais Regionais Federais

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

21 de novembro de 2021, 8h00

Os Tribunais Regionais Federais, previstos desde 1922, expressamente referidos na Constituição de 1934 (artigo 78), só foram criados na Constituição de 1988 (artigo 106), fragmentando em cinco o antigo Tribunal Federal de Recursos, que tinha sede em Brasília. A iniciativa foi boa, pois o aumento da Justiça Federal não admitia mais uma corte de recursos única, que já caminhava para o descrédito.

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A escolha da sede das regiões deu-se pela Resolução nº 1, de 1988, do antigo TFR e seguiu a ordem natural da realidade da época, sendo escolhidas Brasília (1ª Região), Rio de Janeiro (2ª), São Paulo (3ª), Porto Alegre (4ª) e Recife (5ª).

Até aí, tudo certo, de errado apenas a área de jurisdição do TRF da 1ª. Região, com 13 estados com peculiaridades sociais, culturais e geográficas distintas. Em pouco tempo o tribunal ficou totalmente submerso em milhares de processos e nunca alcançou efetividade, apesar do esforço de seus integrantes e das contínuas correições do Conselho da Justiça Federal e do Conselho Nacional de Justiça.

Os TRFs, apesar de novos na história do Poder Judiciário brasileiro, já alcançaram um grau de maturidade invejável. Com efeito, seus concursos para cargos de juiz federal substituto são exemplares. Suas inovações se sucedem e são adotadas por outros tribunais, inclusive o STJ e o STF. O processo eletrônico, a sustentação oral por vídeo conferência e a competência estendida além dos limites da subseção judiciária começaram no TRF-4. A busca de acesso à Justiça para os vulneráveis teve início no TRF-3 e agora é adotada pelo CNJ [1]. Os laboratórios de inovação, que são "espaços de colaboração, criados para incentivar o desenvolvimento de novas ideias, metodologias e projetos", desenvolvem-se no TRF-5, além de outras regiões, alcançando todas as seções judiciárias [2].

No entanto, centenas de varas federais foram implantadas, com o número de recursos tendo crescimento contínuo. Mas o aumento dos tribunais foi pequeno, o último deles veio com a Lei 9.967, em 2000.

Para acompanhar esse aumento de processos, fez-se de tudo. Mais tecnologia, especialização de turmas, julgamentos simplificados com discussão prévia dos votos, convocação de juízes de primeira instância e outras tantas providências. Elas ajudaram, mas não solucionaram o problema.

Em 2020, contudo, o Poder Legislativo tomou iniciativa há muito esperada. Criou o Tribunal Regional Federal da 6ª Região, com sede em Belo Horizonte e jurisdição sobre o estado de Minas Gerais, com 19 desembargadores. O TRF de Minas Gerais sempre foi um justo anseio daquele estado, cuja seção judiciária alimentava 35% dos recursos existentes no TRF da 1ª Região.

Mas o foco aqui não é o TRF-6, mas, sim, a ampliação dos demais TRFs. Estes, pelo PL 5.977-A de 2019, agora aprovado no Legislativo, terão mais magistrados. O TRF-1 passa de 27 para 43 magistrados; o TRF-2, de 27 para 35; o TRF-3, de 43 para 55; o TRF-4, de 27 para 39; e o TRF-5, de 15 para 24.

Isso traz uma nova realidade. O TRF da 1ª Região, perdendo 35% de seus processos e passando a ter 43 desembargadores, certamente conseguirá equilibrar a balança do número de seus processos, alcançando uma eficiência que nunca teve. Os demais TRFs, com o aumento dos seus quadros, seguirão na mesma linha, alcançando índices de produtividade adequado às necessidades da população e da economia de suas regiões.

No entanto, embora muito se reclame da demora dos julgamentos (principalmente da 1ª Região), há os que se rebelam contra a iniciativa. Trata-se de atitude contraditória, pois aponta-se um problema, mas se rejeita a solução. Como se esta viesse por um milagre extraterreno, direcionado exclusivamente ao Brasil, com suporte na crença de que "Deus é brasileiro".

Entre os argumentos, teve grande repercussão o afirmado por uma jornalista no jornal Folha de S.Paulo no sentido de que haveria um aparelhamento dos tribunais federais pelo presidente da República, uma vez que nomearia 75 desembargadores para os TRFs [3].

Aparelhamento do Estado significa colocar nos principais cargos da Administração Pública pessoas que representem os interesses de um determinado grupo, interesses estes que podem ser políticos, corporativos ou de determinada organização criminosa, de modo a obter soluções que lhes sejam favoráveis.

Para o provimento destes cargos, quem faz as listas tríplices dos juízes de carreira são os tribunais. O PR não pode nomear ninguém fora dos nomes que recebe e, portanto, sua escolha é limitada, está vinculada aos nomes que lhe foram enviados. Portanto, o temor da jornalista é totalmente infundado, pois o poder do chefe do Poder Executivo é muito menor do que se imagina.

Para os juízes federais de carreira, que são 80% dos indicados, metade irá pelo critério da antiguidade, conforme artigo 93, inciso III, da Constituição. Portanto, aí o PR perdeu metade de seu poder.

Quanto à outra metade, os que serão promovidos por merecimento, todos os TRFs, ao colocarem alguém na lista, mantêm os dois nomes originários da lista anterior. Quando o indicado entra pela terceira vez seguida o PR está obrigado a nomeá-lo, nos termos do artigo 93, inciso II, "a", da CF, já que é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento.

Vejamos agora os que assumirão nas vagas do quinto constitucional, que representam 20% do total. Metade deles advogados e a outra metade do Ministério Público. Os órgãos de classe enviarão listas sêxtuplas e os TRFs escolherão três. O PR, com exame restrito a esses nomes, decidirá por um deles. Evidente o reduzido poder de escolha.

O outro argumento é o dos custos que tais nomeações gerarão. Na verdade, não irão gerar despesa alguma, pois foram extintos cargos de juiz substituto e as vagas, em menor número, não significarão quaisquer gastos [4]. Por exemplo, no TRF da 2ª Região, nove cargos de juiz federal substituto foram transformados em oito cargos no TRF [5]. Os custos com vencimentos dos nove substitutos é o mesmo dos oito desembargadores federais.

E mais. Não serão criados cargos ou gratificações. Simplesmente haverá remanejamento de pessoas e verbas. O orçamento previsto é o norte na nova dimensão que se dá aos cargos públicos. Aliás, o artigo 7º é explícito ao dizer: "A implementação desta Lei não implicará aumento de despesas".

Ainda. Editorial do jornal Estado de S. Paulo afirmou que a inovação é desaconselhável, porque é na primeira instância que há maior carga de trabalho [6]. Essa é uma realidade da Justiça estadual, em que muitas causas terminam nas varas porque tratam de direitos disponíveis. Na Justiça Federal tudo (ou quase) é objeto de recurso ao TRF, porque os litigantes são pessoas jurídicas de direito público, discutem até o último recurso.

O mesmo editorial afirma que a EC 45/04 procurou reduzir o número de recursos através de mecanismos processuais que valorizam a jurisprudência. Ora, basta ver os dados estatísticos sobre o número de distribuições nos TRFs para concluir que tal tentativa, ainda que bem-intencionada, não deu resultado.

Como se vê, o que a nova lei trará é uma mera reengenharia, algo simples, que em uma empresa seria decidido e implementado em 30 dias. Portanto, o suposto aparelhamento dos TRFs pelo atual PR e a elevação dos gastos de dinheiro público são infundados e não merecem, sequer, uma testa franzida em sinal de preocupação.


[1] CNJ. Acesso à Justiça: aumento da pobreza extrema exige ação das instituições públicas. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/acesso-a-justica-aumento-da-pobreza-extrema-exige-acao-das-instituicoes-publicas/. Acesso em 18/11/2021.

[2] TRF5. Representantes da JF5 participam do Encontro de Laboratórios de Inovação. Disponível em: http://portal.trf5.jus.br/index.php?option=com_noticia_rss&view=main&article-id=aHR0cDovL3d3dzUudHJmNS5qdXMuYnIvbm90aWNpYXMvMzIzMTU3. Acesso em 18/11/2021.

[3] Folha de S.Paulo, Disponível em: https://search.folha.uol.com.br/?q=bolsonaro+nomear%C3%A1+75&site=todos. Acesso em 17/11/2021.

[4] Câmara dos Deputados. Redação final do Projeto de Lei nº 5.977-A de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0rn5bdtihe3hobdg0oft84iug21737941.node0?codteor=1929587&filename=Tramitacao-PL+5977/2019. Acesso em 18 nov. 2021.

[5] "Artigo 1º, inciso II — 2ª Região: nove cargos vagos de juiz federal substituto em oito cargos de juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; Disponível no site citado na nota de rodapé nº 2".

[vi] O Estado de S. Paulo. Não é hora de engordar os TRFs. São Paulo: 16/11/2021, A3.

Autores

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    é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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