Opinião

É necessário um circuit breaker na bolsa de valores do negócio processual penal?

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21 de novembro de 2021, 17h18

Na obra "O Desespero Humano", Soren Kierkegaard (2001, p. 21) questiona se o desespero seria uma vantagem ou imperfeição humana. Ao responder, afirma que "em só considerando a ideia abstrata, sem pensar num caso determinado, deveríamos julgá-lo uma enorme vantagem. Sofrer um mal destes coloca-nos acima do animal, progresso que nos distingue muito mais do que o caminhar de pé, sinal da nossa verticalidade infinita ou da nossa espiritualidade sublime. A superioridade do homem sobre o animal".

Como se vê, o medo (ou o desespero) é considerado pelo filósofo como algo que pode devolver ao desesperado o seu real status de ser humano. O fato é que o desespero, quando devidamente gerido, homenageia a capacidade de raciocinar, de saber agir e, principalmente, de saber quando parar. Mas onde mesmo que nós paramos? Ou qual será o destino da nossa caminhada?

O mercado financeiro é um bom exemplo para o que aqui se fala. No dia 9 de março de 2020, a bolsa de valores brasileira ativou o circuit breaker. Trata-se de um escudo de proteção que interrompe as negociações quando a queda do índice da Ibovespa supera os 10%. Após essa crise, ocorreram outros cinco circuit breakers até o dia 18 de março. Caso a bolsa de valores não se comportasse de forma a ativar os sucessivos circuit breakers, o investidor abandonaria os fundamentos e princípios aprendidos, em razão do desespero do mercado.

Em outras palavras, a correta gestão do desespero humano diz: para, pensa, respira.

Pois bem. Há muito tem-se falado da delação premiada como negócio jurídico, da compra e venda de informações e da relação processo penal x mundo empresarial. Vide o caso de Joesley Batista, em que, adotando uma postura ativa na investigação, apresentou informações com relevante valor de troca e negociou uma delação premiada com o Ministério Público, evitando uma possível prisão.

Assim, é hora de reconhecer que o desespero ocorre não apenas no mercado financeiro, mas também no processo penal. A promulgação de leis casuísticas em momentos de desespero social e institucional não se harmonizam com um necessário circuit breaker legislativo, mas contribuem para aprofundar a indefinição no campo judicial.

Foi assim com o pacote "anticrime". Com a promulgação da Lei nº 13.964/2019, a instituição do avanço civilizatório processual em relação ao juiz das garantias, fez com que inquisidores, na condição de maus gestores do desespero, ingressassem com ADIs no STF, sob o frágil argumento de ausência de orçamento para as referidas mudanças.

Após a propositura das ADIs 6299, 6298, 6300, o ministro Dias Toffoli operacionalizou um circuit breaker jurídico e suspendeu a eficácia da lei por um prazo de 180 dias, sob o argumento de que o prazo de 30 dias de vacatio legis seria insuficiente para que os tribunais promovessem essa adaptação.

Trata-se de uma medida razoável, pois a instituição do juiz das garantais, apesar de trazer uma singela e necessária mudança estrutural no sistema jurídico (que pode ser solucionado com a criação de inquéritos eletrônicos e/ou regionalizados, distribuição cruzada de processos etc.), viabiliza profundas alterações no modo de julgar, visando a um processo imparcial e de caráter acusatório.

Porém, é justamente essa mudança da mentalidade inquisitória que é difícil de mudar, visto que insistem na má gestão do desespero kierkegardeano. E é em função disso que o circuit breaker legislativo pode e deve ser acionado no momento de discussão dos projetos de lei no Congresso Nacional, e não com a propositura desenfreada de ações de inconstitucionalidade, salvo quando violadoras da Constituição Federal, o que não é o caso quando se pretende instituir um sistema penal acusatório; afinal, a criação do juiz das garantias é uma condição essencial para garantir a imparcialidade do julgador. Quando isso não ocorrer no Poder Legislativo, o circuit breaker judicial é a única saída.

Nessa esteira, o ministro Luiz Fux, relator das ADIs do pacote "anticrime", revogou a liminar deferida pelo presidente do STF e suspendeu a instituição do juiz de garantias por um prazo indeterminado. Além disso, o ministro Fux também suspendeu a necessidade de realização de audiência de custódia no prazo máximo de 24 horas, sob o argumento de que "o dispositivo impugnado fixa consequência jurídica desarrazoada para a não realização da audiência de custódia, consistente na ilegalidade da prisão".

Curioso notar que, ao conceder a cautelar na ADPF 347, o mesmo ministro Fux, em obter dictum, disse que estava legitimada a apresentação do preso 24 horas após a sua prisão, conforme previsto na Convenção do Pacto de São José da Costa Rica. Afirmou, ainda, que "é extremamente didático para nós colocarmos as coisas no seu devido lugar", pois isso iria resolver uma série de problemas e evitaria aquelas prisões precipitadas, arbitrárias ou que, de alguma maneira, interferissem na população carcerária.

Então, coloquemos as coisas no seu devido lugar. O artigo 3-A do CPP previa, com clareza democrática cristalina, que "o processo terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase da investigação e a substituição da atuação probatória do órgão da acusação". Era previsto que aqueles que vão contra o modelo acusatório consagrado na Constituição se oporiam ao cumprimento da reforma processual, mas não se esperava que fosse tão logo voltássemos do recesso do Judiciário, especialmente através de uma decisão monocrática.

Finalmente, nos dias 25 e 26 de outubro ocorreram audiências públicas no Supremo Tribunal Federal para discutir as previsões trazidas pelo pacote "anticrime", como a implementação do juiz das garantias, o acordo de não persecução penal e procedimentos de arquivamento de investigações, em que a maioria dos entes ouvidos se mostraram favoráveis às alterações. Agora, a decisão deve ser levada a plenário para ser referendada, ou não, pela corte. A ver…

A questão é: por que toda essa resistência e esse desespero humano a respeito de implantação de direitos e garantias fundamentais? A quem interessa um juiz que é contra a estrutura acusatória do processo penal?

Como bem afirmava Carnelutti (2015, p. 66), o problema do processo, muito mais do que um problema de leis, é um problema de homens — esse homem mesmo, que caminha ereto, que se comunica e que sabe gerir o seu desespero. Portanto, pare, pense e respire.

Autores

  • é especialista em Direito Público pela Faculdade Fortium e em Probidade Administrativa pela Faculdade Projeção e autor do livro "Fishing Expedition e encontro fortuito de provas: um dilema oculto do processo penal".

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