Ambiente Jurídico

O aquecimento global e o acordo de Paris III

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20 de novembro de 2021, 10h50

Em 26-12-2020[1] trouxemos uma breve explanação sobre as causas do aquecimento global, o reconhecimento de sua existência na Eco-92 e na Convenção-Quadro sobre a Mudança Climática de 1994 e a disciplina da redução dos gases de efeito estufa – GEE no Protocolo de Kyoto de 1997, que, em acréscimo aos mecanismos usuais e necessários (lei, fiscalização, sanção), criou mecanismos flexíveis para permitir a redução de emissões dos países desenvolvidos e financiar a preservação nos países pobres, baseados no comércio de emissões. Em 23-1-2021[2] descrevemos os três mecanismos criados pelo Protocolo: o Comércio Internacional de Emissões e a Implantação Conjunta, destinados aos países Anexo I e II, e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo[3]. Em 20-2-2021[4] descrevemos o MDL, o único aplicável ao Brasil, em maior detalhe.

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Verificando a dificuldade de implantação e a necessidade de resultados mais claros, a COP-21, realizada em Paris, aprovou em 12 de dezembro de 2015[5] novo tratado para redução da emissão dos GEE a partir de 2020. O Acordo de Paris manteve o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, do Protocolo de Kyoto; mas previu que todos os países signatários informassem à Secretaria do Acordo a contribuição nacional determinada de cada um, progressiva ao longo do tempo e inscrita em um registro público mantido pelo Secretariado, para consecução do objetivo do Acordo (art. 3º e 4º item 12), como anotamos em nosso artigo de 25-9-2021[6].

A COP-26 reuniu em Glasgow, Escócia, Reino Unido, mais de 25.000 delegados, incluindo líderes mundiais, formadores de opinião, chefes de empresas, academia, ONG, membros da imprensa e demais pessoas interessadas. Perto de 200 países subscreveram o Pacto do Clima de Glasgow para manter a meta de aquecimento global máximo de 1,5ºC e discutiram o complexo e oneroso esforço para atingir tal meta. O acordo alcançado em 13-11-2021, no encerramento do encontro, foi um passo importante, mas não suficiente, em especial pela não eliminação do uso de combustíveis fósseis[7]; é baseado em consenso, de modo que diversas proposições foram minoradas para atender às exigências de determinados países[8]. Os principais pontos do Pacto de Glasgow podem ser assim resumidos[9]:

(a) definiu com mais clareza a meta a ser alcançada. O Acordo de Paris limitava o aquecimento possível ‘bem abaixo de 2ºC’; em Glasgow o aquecimento foi limitado a 1,5ºC, com revisão mais frequente (e não apenas a cada cinco anos) do compromisso nacional de redução dos GEE e formas mais claras de verificação do cumprimento do compromisso. A revisão periódica impulsiona as nações ‘preguiçosas’ à ação e estabelece parâmetros que as demais nações acabam impelidas a seguir. As novas metas nacionais deverão ser apresentadas na COP-27, a ser realizada em 2022 no Egito;

(b) pela primeira vez, o acordo faz uma menção explícita aos combustíveis fósseis. A redação original previa a eliminação do uso de combustíveis fósseis, em especial o petróleo e o carvão; mas a discordância da China e, em especial, da Índia levaram à alteração do termo ‘eliminação’ para ‘redução’ do uso desses combustíveis, enfraquecendo a proposta inicial. Foi definido que pelo menos 40% das 8.500 usinas movidas a carvão hoje existentes no mundo serão desativadas até 2030 e nenhuma mais será construída. Os países concordaram em eliminar subsídios ineficientes que artificialmente reduzem o preço do carvão, petróleo e do gás natural, mas sem definir datas e limites: são subsídios que ultrapassam U$-420 bilhões por ano, representado por subvenções diretas ou fiscais que reduzem o custo da produção e o preço ao consumidor [são ‘ineficientes’ os subsídios que encorajam o consumo exagerado, desnecessário][10].

(c) o Acordo de Paris previu que as nações desenvolvidas destinassem a quantia de US$ 100 bilhões anualmente para financiar a mitigação (a redução) da emissão de GEE nas nações em desenvolvimento, um financiamento que acabou não ocorrendo e a promessa agora é de uma destinação de US$ 500 bilhões ou mais para isso. O Pacto de Glasgow foi sensível ao financiamento da adaptação dessas nações, anotando a urgência de financiamento, desenvolvimento de habilidades e transferência de tecnologia para reforço da capacidade de adaptação, da resiliência e redução da vulnerabilidade à mudança do clima[11]. É uma alteração importante, pois o financiamento hoje é direcionado à redução da emissão de GEE, como projetos de substituição de energia que podem ser financiados sem ajuda, enquanto as nações pobres não conseguem financiar a adaptação do país e da população à mudança climática. O texto dobra a proporção direcionada à adaptação, uma quantidade menor que a divisão 50-50 inicialmente proposta;

(d) a proposta de criar mecanismos para indenizar perdas e danos decorrentes de eventos destrutivos que excedem a capacidade de mitigação e adaptação, como furacões, ciclones, inundação de áreas baixas em tempestades, por exemplo, não foi acolhida. As nações desenvolvidas discordaram do enquadramento feito, que daria início a uma litigância sem fim[12];

(e) os países se comprometeram a zerar o desmatamento até 2030, com uma promessa de US$ 1,7 bilhão par apoiar o manejo florestal dos povos indígenas e comunidades locais; consumidores e produtores de carne bovina, soja, cacau e óleo de palma discutiram o combate ao desmatamento nas suas cadeias de suprimento[13];

(f) houve ampla discussão sobre o ambiente construído, antes em segundo plano. Os edifícios são responsáveis por 40% das emissões globais de carbono, muitos pretendendo que sejam ‘elevados a uma solução climática crítica’ (segundo o World Green Building Council). 136 países incluíram edifícios em seus planos de ação climática, onde atuam mais os governos locais em suas normas urbanísticas e construtivas com um reflexo direto na atividade das empresas, em que expressões como ‘carbono incorporado’[14] e ‘emissões do Escopo 3’[15] serão mais frequentes e avulta a necessidade de mudar a maneira como projetamos edifícios e acentuar a eficiência energética das construções[16].

O Pacto de Glasgow reforça o Acordo de Paris e nele os países resolvem ‘mover com rapidez para a completa implantação do Acordo de Paris’ (item 75); é um longo documento com 97 itens e subitens que exige, para a análise compreensiva, um espaço maior que o destinado a este artigo. Enfocamos aqui parte do que foi resolvido e acordado nesse encontro de enorme importância, uma vez que as mudanças climáticas estão ocorrendo e suas consequências serão trágicas para o planeta, a biodiversidade e, no que nos afeta diretamente, para os humanos.  


[5] O Acordo de Paris foi aprovado pelo DL nº 140/16 de 16-8-2016 e entrou em vigor no Brasil, após o depósito do instrumento de ratificação junto ao Secretário Geral das Nações Unidas, em 4-11-2016; e foi promulgado no plano interno pelo DF nº 9.073/17 de 5-6-2017. O texto do Acordo está anexo ao decreto.

[8] Read the full text of the 2021 Glasgow climate pact – Washington Post. O artigo traz o texto integral do acordo com anotações e comentários. Acesso em 20-11-2021

[11] Read the full text of the 2021 Glasgow climate pact – Washington Post. Pacto, item 7. A adaptação implica em mudança de comportamento e do sistema em decorrência da alteração da temperatura, nível do mar, do regime de chuvas e de outros padrões climáticos. Um estudo recente indica que pelo menos 85% da população mundial é e será afetada pela alteração do clima.

[14] Carbono incorporado são as emissões que decorrem da produção da insulação, painéis solares, tijolos e blocos de concreto em edifícios sustentáveis, que incorporam toneladas de carbono à construção de uma casa. A redução do carbono incorporado implica no uso de técnicas e materiais diferentes. Embodied carbon: why truly net zero buildings could still be decades away (theconversation.com) Acesso em 20-11-2021

[15] São emissões ligadas à atividade empresarial. As emissões de escopo 1 são aquelas liberadas como resultado direto da operação da própria empresa; escopo 2 são as emissões indiretas de GEE a partir do consumo de eletricidade, vapor, calor e refrigeração, por exemplo. Escopo 3 são as emissões indiretas não incluídas no escopo 2 que ocorrem na cadeia de valor da empresa, como matéria prima adquirida, viagens de negócios e deslocamento de colaboradores, descarte de resíduos, transporte, distribuição; para muitas empresas, a maior parte das emissões de GEE e oportunidade de redução de custos estão fora de suas operações. Efeito estufa: entenda as diferenças entre os escopos 1, 2 e 3 | Exame Acesso em 20-11-2021

[16] COP26: O que especialistas dizem da cúpula e do Pacto de Glasgow – Vermelho. Anotação de Ran Boydell, professor visitante em Desenvolvimento Sustentável, Heriot-Watt University.

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