Opinião

Análise do uso da tecnologia na gestão de crises democráticas

Autor

  • Filipe Luiz Mendanha Silva

    é mestrando em Administração Pública pela Universidade Federal de Santa Maria pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e especialista em Administração Pública Planejamento e Gestão Governamental pela Fundação João Pinheiro.

19 de novembro de 2021, 7h13

A era do conhecimento e da globalização, as mudanças econômicas, sociais e políticas, além da consolidação da democracia no Brasil, fizeram com que os governantes tivessem que adequar suas práticas a um mundo mais complexo moderno. Inserida nesse contexto, construiu-se a sociedade da informação, onde essa ferramenta se tornou de fácil acesso e essencial para o desenvolvimento pessoal e coletivo (Luciano, Wiedenhoft, dos Santos, 2018, p.105). Isso tudo exigiu que os governos adotassem modelos de gestão inovadores, bem como novas formas e instrumentos de administração utilizando-se das tecnologias de informação e comunicação (TICs), que fazem com que a abordagem da gestão pública caminhe para uma relação Estado-sociedade mais participativa e transparente, configurando novas estruturas de governança (Soares Júnior e Santos, 2007, p.30).

Nesse contexto, a evolução da informática, dos meios de comunicação e, particularmente, da internet definiu (e define cada vez mais) novos modelos para o relacionamento Estado/sociedade, configurando novas estruturas de governança.

Identificado como uma inovação na área administrativa, o governo eletrônico, também chamado "e-gov" ou "e-governo", representa, essencialmente, o acesso via internet a informações e serviços oferecidos pelos governos. O governo eletrônico no Brasil tem se desenvolvido de forma significativa e isso é acompanhado por parte dos cidadãos e empresas, utilizando-o para melhorar suas condições de vida, principalmente pelo acesso a serviços e informações pela internet.

A partir das constatações feitas, surge então o problema que este artigo busca resolver: Como as ferramentas da prática de governança eletrônica possibilitam a participação e favorecem a população nos processos governamentais?

O objetivo deste trabalho é analisar as práticas de governança eletrônica no Brasil, e, a partir de uma revisão sistemática da literatura, verificar como a governança eletrônica vem favorecendo a participação da população nos processos governamentais. Através da apresentação de algumas ferramentas de governança eletrônica existentes, será demonstrada sua aplicação e como essas possibilitam a participação mais ativa da sociedade nas decisões de governo e auxiliam no processo democrático.

2) Desenvolvimento
A palavra governança vem do latim gubernare, e está relacionada com o governo, com a administração em um sentido mais genérico (Paiva, 2002, p. 41). Com o advento da tecnologia e da ampla utilização das tecnologias de informação e comunicação (TICs), surgiram novas formas de administração e isso aprimorou e inovou a relação Estado-sociedade (Mello, 2009, p. 89). A governança eletrônica tem relação com a melhoria da forma de governar do Estado e na formulação de suas políticas, construindo um canal de comunicação entre o governo e o cidadão, possibilitando uma administração mais eficiente, democrática e transparente (Fabriz, Bertolini, de Mello, 2017, p. 269).

A governança eletrônica é um conceito que surge juntamente com democracia, sociedade civil, participação social, entre outros termos que remetem a interação da população nos processos governamentais (Okot-Uma, 2000, p. 97). Assim, a governança eletrônica deve possibilitar à sociedade uma participação mais efetiva, gerando um processo político inclusivo e democrático.

Entre as diferentes concepções de e-gov apresentadas pela literatura, duas definem o termo de modo claro e objetivo. Para a Intosai (2003, p.3), trata-se da "oferta e troca de informações eserviços governamentais on-line para cidadãos, empresas e outras agências governamentais". Segundo as Nações Unidas (2002, p.1), é a "utilização da Internet e da Web para ofertar informações e serviços governamentais aos cidadãos".

Assim, a governança pode ser traduzida como a capacidade financeira e administrativa de implementar políticas públicas que objetiva tornar o Estado mais forte e menor pela superação da crise fiscal, pela delimitação da sua área de atuação, distinção entre o núcleo estratégico e as unidades descentralizadas, pelo estabelecimento de uma elite política capaz de tomar as decisões necessárias e pela dotação de uma burocracia capaz e motivada.

2.1) Governança eletrônica no Brasil
Nos últimos tempos, a tecnologia no Brasil passou de um status de dar apenas suporte administrativo, para um papel mais estratégico, auxiliando na tomada de decisões. Com a evolução da globalização juntamente com a consolidação da democracia no Brasil, a sociedade passou a ser mais exigente, demandando mais do poder público para defesa de seus direitos, aumentando com isso a procura por informações governamentais, que obrigou o Estado a ter uma maior transparência em suas ações (Gomes, Moreira e Silva, 2020, p. 26).

Outrossim, o uso das TICs possibilitou ao governo uma facilidade para atingir os seus objetivos, tornando-o mais eficiente e efetivo, facilitando o acesso das pessoas aos serviços e facilitando a transparência nas informações governamentais (Barros, 2017, p. 14).

De acordo com informações do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI, 2013, p. 1), o aumento da utilização das TICs por parte governamental, encontra-se apoiada na estruturação dos programas de governo eletrônico (e-gov), que surgem com o objetivo de modernizar a administração pública, trazendo maior desenvolvimento da máquina estatal, através de impactos positivos nos cenários econômico, social e político e aumento da interação entre o Estado e os cidadãos.

2.2) O aumento da participação popular na gestão e o favorecimento à população aos mecanismos de governança eletrônica no fomento à democracia brasileira

A estrutura adotada por Holzer e Kim (2005, p. 78) considera que a governança eletrônica, engloba o governo eletrônico (prestação de serviços públicos) e a democracia eletrônica (participação cidadã no governo) e que esses dois são representados por cinco subgrupos de práticas: conteúdo, serviços, participação cidadã, privacidade e segurança e usabilidade acessibilidade.

As práticas de conteúdo são classificadas por Holzer e Kim (2005, p. 89) em cinco áreas: acesso a informações de contato, documentos públicos, informações sensíveis e materiais multimídia. As práticas de serviços podem ser classificadas em serviços que possibilitam que a população interaja com o governo (instrumentos que permitam a consulta de informações, acesso a informações sobre educação, indicadores econômicos, instituições educacionais, meio ambiente, saúde, ferramentas para possíveis denúncias, disponibilização de informações sobre políticas públicas etc.) e serviços que permitam que a sociedade possa registrar-se nos eventos e nos serviços (pagamentos de tributos, concessão de licenças, certidões ou permissões, pregões eletrônicos etc.).

Diante disso, com relação à prática de participação cidadã, Holzer e Kim (2005, p. 64) explicam que ela refere-se à existência de ferramentas que permitam contato online dos cidadãos com os gestores públicos, incentivando a participação popular em decisões de orçamento e planejamento e a possibilidade da realização de críticas e sugestões sobre temas diversos.

Assim, os autores elucidam que no primeiro grau há várias iniciativas no Brasil, sejam nas esferas federal, estadual ou municipal, a fim de disponibilizar informações e serviços online aos cidadãos. Na esfera federal os autores citam a solicitação de passaporte no Portal da Polícia Federal, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Na esfera estadual, os autores citam o website do governo de Minas Gerais. Já na esfera municipal são elencados os sites da prefeitura do Rio de Janeiro e da prefeitura de Salvador.

No segundo grau de democracia, no qual as TICs são utilizadas para coletar opinião pública e fazer uso dessa informação para a tomada de decisão política, Caetano et al. (2016, p. 44) citam a plataforma Participa.br e o Programa e-Cidadania do governo federal. O Participa.br é um espaço virtual de participação social com o objetivo de proporcionar a interação entre administração pública e sociedade civil, a divulgação de conteúdo, fóruns de debate, salas de bate-papo, entre outros recursos.

As ferramentas de participação oferecidas pelo Portal e-Cidadania são (Senado, 2018): a) ideia legislativa: enviar e apoiar ideias legislativas, isto é, sugestões de alteração na legislação vigente ou de criação de novas leis.

No terceiro grau, que, segundo Gomes (2005, p. 83), consiste nos princípios da transparência e da prestação de contas (accountability), Caetano et al. (2016, p. 58). No quarto grau de participação, que se refere à criação de mecanismos e processos de diálogo em busca de decisão baseada no consenso, para Caetano et al. (2016, p. 70) ainda são poucas as iniciativas.

3) Considerações finais
Internacionalmente a sociedade civil global está permanentemente preparando propostas para eventos relacionados com o tema exposto, procurando adquirir uma dimensão igualmente global, com o propósito de renovar a vida social e democrática na sociedade da informação contemporânea. O número de iniciativas locais, governamentais e não governamentais, experimentando com novas formas de participação via internet e demais recursos da tecnologia da informação e comunicação, está crescendo constantemente.

Nesta pesquisa, as práticas de governança eletrônica foram vistas como uma oportunidade de incrementar a participação da sociedade na gestão pública, especialmente quanto à formulação, ao acompanhamento e à avaliação das políticas públicas, visando ao incremento da cidadania e da democracia.

Nesse sistema há um papel de destaque na forma de o governo interagir com os cidadãos e as organizações, não somente pela disponibilização de informações e serviços, mas ao levar em conta o potencial dos meios eletrônicos para a construção da governança eletrônica.

Foi possível perceber através da análise dos artigos da amostra que as TICs são elementos facilitadores da democracia e participação social, mas no Brasil, falta incentivo à participação da população, o que causa a pouca difusão das ferramentas de governança eletrônica, as quais poderiam ser melhor aproveitadas e desenvolvidas.

Mesmo com essa falta de incentivo, é possível verificar no decorrer do artigo que já existem ferramentas de e-governo (prestação de serviços, disponibilização de informações) e de e-governança (participação popular, formulação de políticas públicas, transparência) que são muito úteis tanto para a população como para o governo em si.

Com a aceleração da globalização e do desenvolvimento de tecnologias cada vez mais avançadas, o cenário para a implementação de ferramentas facilitadoras dos processos governamentais é muito prospectivo, e também, a partir da sua inclusão na cultura do povo brasileiro, será cada vez mais difundido seu uso, facilitando a participação cidadã nos processos do governo.

Assim, a administração estratégica, as tecnologias da informação e comunicação por meio de aplicações em governança e democracia eletrônica podem apresentar um potencial promissor para facilitar a participação dos cidadãos na gestão urbana, para assegurar uma maior interatividade entre os atores locais e também para transformar a gestão urbana participativa em benefício da transparência administrativa, da ampliação da participação pública, do fortalecimento da democracia local e suas redes de relacionamentos e da sustentabilidade urbana.

 

Referências bibliográficas
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