Transparência e gestão

"OAB-SP está desconectada do século 21", afirma Patrícia Vanzolini

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19 de novembro de 2021, 7h33

A advogada Patrícia Vanzolini encabeça a chapa "Muda OAB/SP" e é uma das duas mulheres que se candidataram à presidência da OAB-SP (assim como Dora Cavalcanti). Ela atua na área criminal e leciona em universidades e cursos preparatórios para a prova da Ordem.

Uma de suas principais bandeiras de campanha é promover a modernização da seccional paulista da OAB. "É assustador como uma entidade desse tamanho, com esse orçamento, uma receita de R$ 344 milhões, um orçamento que é maior que metade dos municípios de São Paulo, não tem procedimentos de transparência, de compliance, de boas práticas, de fiscalização de contratos, de fiscalização de contratações, enfim, processos de governança", disse em entrevista à ConJur

Ela é crítica da atuação da atual gestão durante a crise sanitária imposta pelo avanço da Covid-19 no país e sustenta que faltou diálogo entre a entidade e as autoridades constituídas. "Quando se escolheu, por exemplo, por razões sanitárias, que os fóruns ficariam fechados e, no entanto, nós víamos bares abertos, shoppings centers abertos, é algo que causa espécie, e nós sentimos que não houve firmeza da OAB em se posicionar e deixar claro que o Judiciário é uma atividade essencial", pontuou. 

Leia abaixo os principais trechos da entrevista: 

ConJur — Qual a importância de ter uma mulher na presidência da OAB-SP?
Patrícia Vanzolini — Acho que é muito importante que haja uma mulher, porque as mulheres hoje representam mais que 50% dos inscritos na Ordem e acho que esse número tem que ser estampado nos quadros de direção da Ordem. Por 90 anos nós não tivemos uma mulher, o mundo mudou muito desde 1932 e é preciso que a diretoria, que toda a gestão da Ordem, mas especialmente a diretoria, espelhe esse novo mundo.

Então, eu acho que colocar uma mulher num posto de comando, em primeiro lugar, é importante porque espelha uma mudança e também é importante porque potencializa uma mudança necessária na sociedade.

Creio que a OAB, elegendo uma mulher, de alguma forma sinaliza para a sociedade a importância e os efeitos benéficos de ter uma mulher em postos de comando e de gestão.

ConJur — A senhora acredita que, se 50% e 30% dos cargos de direção não forem ocupados por mulheres e negros, respectivamente, a proposta de paridade de gênero e das cotas se esvazia? Porque, se esses percentuais não existirem nos cargos de direção e nos espaços de poder da entidade, a paridade de gênero e as cotas raciais, obrigatórias na composição das chapas, deixariam de ser espelhadas.
Patrícia Vanzolini — Acho que o caminho é que a proposta de paridade e de equidades seja uma proposta transversal, que perpasse todos os órgãos, todas as estruturas e todas as instâncias das instituições. É preciso atentar para paridades locais, regionais e é preciso que essa política seja implantada com responsabilidade. Mas, em última análise, acho que deve abrir, sim, um esforço para que esse equilíbrio seja cumprido em todas as esferas. No nosso caso, no caso da minha chapa, por exemplo, nós cumprimos a paridade tanto de gênero quanto a equidade racial.

Acho que esse esforço deve ir além dos cargos de direção, mas deve alcançar as composições das comissões. É importante que as comissões também tenham paridade de gênero e equidade racial. Porque uma coisa que nos incomoda no tratamento dessas políticas de inclusão é uma possível tendência à guetificação, quer dizer, cria-se uma comissão de equidade racial e ali ficam alocadas as negras e o negros sem que tenham voz em outras instâncias, em outras esferas, em outras comissões.

ConJur  — Considerando que o número de advogados formados que conseguem passar no exame da Ordem cresce ano a ano, que medidas a senhora propõe para apoiar essa jovem advocacia?
Patrícia Vanzolini
— A Ordem tem um papel fundamental de fazer com que essas pessoas se desenvolvam, e acho que esse papel pode ser basicamente desempenhado através de duas políticas que eu julgo complementares. Uma é ter uma política de qualificação; nós sabemos que, no mundo altamente competitivo e altamente digitalizado, a formação da faculdade não é mais suficiente. Mesmo que aquele candidato tenha estudado para passar no exame de Ordem, a formação da faculdade não é suficiente e precisa ser complementada, seja para o advogado que deseja empreender, seja para o advogado que deseja se colocar em uma empresa ou num escritório.

O segundo guarda-chuva é o do empreendedorismo. A OAB, além de qualificar em termos de capacidade e de competência jurídica, pode ajudar o jovem advogado a empreender, entender de marketing jurídico, entender como se constitui um escritório, como ele é registrado, se busca um computador, qual o melhor sistema de tributação, como eu busco um sócio, se eu devo ficar numa área só, se eu devo abrir para um escritório de full service; enfim, ajudar a programar carreira, acho que nesse aspecto é possível oferecer uma mentoria.

ConJur — Quais foram os principais problemas enfrentados pela advocacia durante esse período de crise sanitária e isolamento social? E, ainda nessa questão, como a senhora avalia a atuação da OAB-SP nesse contexto?
Patrícia Vanzolini — Vou dividir os problemas em dois ramos, porque o problema da pandemia tem a ver muito diretamente com a questão da exclusão digital e com o afastamento da magistratura, do Ministério Público, da advocacia, do fechamento dos fóruns, da atualização dos processos etc. Então eu vou dizer que um problema é institucional e o outro individual de cada advogado. O problema institucional é que no contexto da pandemia não havia soluções prontas, e as soluções que foram criadas ali, trocando o pneu com o carro andando, muitas vezes colidiram, muitas vezes tolheram direitos fundamentais dos advogados.

Muitos desses direitos foram tolhidos sem que houvesse uma participação da advocacia e da sua instituição nessa discussão. Então, quando se escolheu, por exemplo, por razões sanitárias, que os fóruns ficariam fechados e, no entanto, nós víamos bares e shoppings centers abertos, é algo que causa espécie, e nós sentimos que não houve firmeza da OAB em se posicionar e deixar claro que o Judiciário é uma atividade essencial.

O outro problema que a pandemia criou foi o problema que estou chamando de problema individual da exclusão digital. Muitos advogados simplesmente não tinham como ser catapultados, em fração de segundos, para dentro do mundo digital, e aí nós vimos uma grande massa de advogados sem a mínima condição de trabalho. A OAB deveria ter estado presente, prestando apoio, subsídio, prestando apoio material mesmo. Era uma situação de emergência.

ConJur — Um dos problemas históricos do processo eleitoral das seccionais da OAB é a alta abstenção de votos. A atual direção da seccional paulista evitou o debate em torno do voto online. Qual a opinião da senhora em relação ao tema?
Patrícia Vanzolini
— Desde que eu concorri nas últimas eleições, em 2018, na qualidade de vice-presidente
— talvez tenha sido o primeiro contato mais direto que eu tive com eleição de Ordem de dentro, não como eleitora, mas como candidata , ficou muito claro para mim que o voto presencial é uma das grandes razões desse nível de abstenção. Talvez não a única, existe uma razão também, há o desinteresse, o distanciamento entre a advocacia e a Ordem, que nós pretendemos resgatar, essa conexão entre a advocacia e a Ordem, mas também existe uma razão logística, a votação é feita num dia de semana, este ano cai numa quinta-feira, num dia em que os prazos correm, em que as audiências acontecem, em que muitos escritórios sequer liberam seus funcionários e colaboradores para ir votar. As pessoas não conseguem ir votar, é uma confusão danada, normalmente é um trânsito grande ali nas imediações. Enfim, tudo colabora para essa abstenção.

Em 2019 nós oficiamos a OAB, antes da pandemia, para a implementação do voto online. Essa questão não tramitou, ficou parada, embora nós tenhamos feito repetidas indagações se ela seria apreciada ou não, e por conta da pandemia ela ficou mais emergente, porque daí não virou apenas conveniência, virou segurança, naquele momento de pandemia nós estávamos trancados em casa, não púnhamos o nariz para fora de casa, não havia nenhuma condição de fazer uma eleição presencial. Essa temática foi submetida, então, ao Conselho Federal, que autorizou o uso do voto digital e cinco seccionais o implementaram. As seccionais que quisessem implementar poderiam se manifestar. As que não se manifestaram, significa que não queriam; o silêncio significava uma recusa à implementação do voto online. Foi isso que fez São Paulo, colocando em risco a saúde dos advogados, colocando em risco a democracia do próprio processo, porque a abstenção pode ser muito grande e, sobretudo, ficando na rabeira desse processo histórico.

ConJur — A senhora acredita que a OAB-SP faz um bom trabalho de estimativas de honorários?
Patrícia Vanzolini — A tabela de honorários da OAB de São Paulo é sempre uma discussão grande, porque como o Estado é muito grande e muito heterogêneo, o que acontece é que na capital e em subseções maiores aqueles valores previstos na tabela de honorários parecem adequados, os valores da tabela de honorários da OAB, não os da Defensoria, que são, sem medo de errar, bastante aviltantes, lembrando que a tabela é sempre um mínimo, é um patamar mínimo.

Quando a gente vai para subseções menores, a gente ouve problemas com aquela tabela de honorários, que acaba não sendo possível de ser cumprida, porque há lugares que, de fato, têm condição socioeconômica muito diversa e que os advogados, então, violam a tabela de honorários cobrando honorários mais baixos que a tabela, dando origem a uma guerra de honorários. A OAB precisa promover uma campanha de valorização da advocacia e precisa zelar para que o pagamento dos honorários não seja aviltante. Mas a tabela, enquanto uma norma [urgente] para todo o Estado, eu acho que tem problemas.

ConJur — Como melhorar a transparência no âmbito da OAB-SP? A senhora tem propostas a respeito? Quais?
Patrícia Vanzolini Uma das coisas que mais chamam a atenção nesta instituição é o quanto ela está desconectada do século 21 no quesito da governança. É assustador como uma entidade desse tamanho, com esse orçamento, uma receita de R$ 344 milhões, um orçamento que é maior que metade dos municípios de São Paulo, não tem procedimentos de transparência, de compliance, de boas práticas, de fiscalização de contratos, de fiscalização de contratações, enfim, processos de governança. Nós temos inúmeras propostas relacionadas a esse tema, a começar pela implementação de um portal da transparência que seja efetivamente transparente, o portal da transparência que foi anunciado nesta gestão e que foi implementado é apenas um começo.

É preciso que um órgão externo de fato avalie cuidadosamente as contas e para isso nós iremos criar uma Controladoria composta de advogados externos ao Conselho, escolhidos pelos advogados, e que possam fiscalizar as nossas contas. É o mínimo, o dinheiro não é da OAB, o dinheiro é dos associados, então com isso a gente também aumenta a transparência. Um outro projeto que nós temos dentro desse tema transparência é um orçamento participativo. Nós entendemos que deve haver canais de consulta à advocacia para saber alocar esse dinheiro e depois devemos prestar contas se estamos ou não alocando assim. Durante a pandemia, nós tivemos notícia de que foram gastos recursos para a construção de quadras de beach tennis em subseções. Talvez não fosse disso que a advocacia estava precisando no meio de uma pandemia e, sim, de melhor conexão de internet ou de uma casa aberta onde o advogado pudesse fazer um coworking para que as pessoas pudessem  atender seus clientes enquanto os escritórios tinham fechado.

A publicação da agenda do presidente também é fundamental. É preciso saber o que, se eu for eleita presidente, o que a Patrícia Vanzolini está fazendo pela instituição hoje, apesar de, como todos sabem, ser um trabalho voluntário. Aqueles que querem estar ali naqueles postos devem corresponder ao trabalho que isso exige. Então, a gente entende que transparência é tirar todo esse véu, é tirar toda essa opacidade dessa instituição e torná-la uma instituição clara e aberta.

ConJur  — Qual legado a senhora gostaria de deixar na OAB-SP e como a senhora gostaria que sua gestão fosse lembrada?
Patrícia Vanzolini —
 Gostaria que meu legado fosse a marca do amparo, gostaria que as pessoas se sentissem amparadas pela OAB, gostaria de passar pelos lugares, passar por Pindamonhangaba, onde estou, passar por Cruzeiro, onde eu estava, passar por São José dos Campos, onde vou agora, e ouvir as pessoas dizendo "puxa, eu precisei da OAB e ela me ajudou", "fiz um curso muito bacana pela OAB", "puxa, que legal, eu precisei das prerrogativas, veio imediatamente".

Eu queria sentir que as pessoas se sentissem, em primeiro lugar, amparadas pela OAB, queria que a nossa gestão fosse a gestão do amparo, porque eu sinto que a advocacia está muito desamparada, carente, sozinha. E eu queria que a OAB fosse esse conforto, fosse essa mãe, por assim dizer, fosse esse ombro amigo, fosse uma mão estendida. Eu queria também que as pessoas se orgulhassem da OAB, eu queria ouvir assim "puxa, ouvimos a nossa presidente falando, se manifestando por nós, falando dos grandes temas sociais", porque também é uma missão da OAB zelar pela democracia de forma isenta, sem partidarização e sem polarização.

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