Opinião

É preciso discutir o redimensionamento da Justiça federal em segunda instância

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  • José Maciel Sousa Chaves

    é advogado juiz do Tribunal Administrativo Tributário de MS especialista em Direito Constitucional Tributário pela PUC-SP Direito e Processo Penal pelo Ebradi e mestrando em Direito pelo IDP-DF.

19 de novembro de 2021, 13h51

Ao contrário da problemática geralmente enfrentada em âmbito estadual, onde os Tribunais de Justiça são mais bem aparelhados, destacando-se que é das instâncias singelas que se originam as maiores dificuldades dos jurisdicionados, os Tribunais Regionais Federais apresentam, há muito tempo, problemas que impactam diretamente na sociedade.

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Nos últimos oito anos, a jurisdição federal brasileira vem aguardando uma resolução quanto à nova regra de estrutura da Justiça federal estabelecida pela Emenda Constitucional (EC) nº 73, que criava quatro outros Tribunais Regionais Federais para se somarem aos cinco já existentes. Esse embate, entretanto, começa a ganhar contornos positivos após a recente aprovação, no Congresso Nacional, do PL 5.919/2019, que cria o TRF-6 para conferir jurisdição federal exclusiva ao estado de Minas Gerais, bem como a aprovação recente, na Câmara dos Deputados, do PL 5977/19, sobre o redimensionamento da Justiça federal nos demais estados da federação.

A aprovação da EC 73, em 2013, já havia se mostrado um marco extremamente positivo, uma vez que, com as novas formações dos TRFs, haveria a integração de menos estados-membros por região, aproximando o jurisdicionado e seus advogados dos respectivos tribunais competentes. No entanto, em razão da Adin nº 5.017, movida pela associação nacional dos procuradores federais, cujas preocupações eram as possíveis mudanças nas próprias carreiras, os efeitos da aludida emenda constitucional foram suspensos em caráter liminar pelo então presidente da corte.

O julgamento não foi levado até hoje à apreciação do plenário da Suprema Corte. Diante dessa indefinição, o Superior Tribunal de Justiça enviou ao parlamento o Projeto de Lei 5.919/19, com o objetivo de criar o Tribunal Regional Federal da 6ª Região, com sede em Belo Horizonte, a partir do desmembramento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

De fato, TRF-1 possui particularidades, albergando a competência sobre 13 estados desconexos entre si, além do Distrito Federal. Tome-se como por exemplo o estado do Amazonas, de onde os interessados devem percorrer mais de dois mil quilômetros para ter acesso ao tribunal federal, hoje sediado em Brasília. Justamente por isso, mostra-se uma medida racional e salutar tornar independente a jurisdição federal de Minas Gerais, que, contando com 853 municípios, é o estado no qual se origina o maior volume de demandas judiciais no TRF-1.

Sem reduzir os reflexos positivos da decisão, ao contrário disso, é preciso retomar a discussão sobre a necessidade de que seja dada sequência a esse cenário promissor, também, por exemplo, no que toca ao estado de São Paulo, que carece de providência similar.

Sabe-se que o crescente volume de demandas judiciais existentes no Brasil é capitaneado pelo setor empresarial, responsável por mais de 80% dos processos distribuídos ao Poder Judiciário. Em seara federal o problema repercute principalmente em matéria tributária (inclusas as execuções fiscais contra empresas, além das ações de iniciativa do contribuinte) e previdenciária, na medida em que nasce da empresa privada a grande massa de relações empregatícias formais.

De acordo com dados da Receita Federal, o estado de São Paulo conta hoje com 13.118.260 empresas matrizes e 815.603 filiais, enquanto o estado mineiro conta com apenas 5.073.289 empresas matrizes e 264.221 filiais. Uma diferença muito significativa.

Tais dados, somados ao fato de que a população paulista é maior do que o dobro da população mineira, apontam também para a necessidade de se voltar os olhos para a parte da citada EC 73/2013 que contempla a criação de um novo TRF que envolva Mato Grosso do Sul (hoje pertencente ao TRF-3), Santa Catarina e Paraná e, por consequência, tornar exclusivo o TRF-3 ao estado de São Paulo.

Esse cenário promissor viria ao encontro do PL 5.977/19 já aprovado pelo Senado com as devidas emendas, e já se encontra na mesa do presidente da República para apreciação e possível sanção. O referido PL traz uma nova perspectiva de ampliação para todos os tribunais federais do país, como por exemplo para o TRF-3, que deve contar com a implementação de 12 novas vagas, providência essa que também contribuirá para desafogar os gabinetes.

Os demais tribunais federais também contarão com aumento expressivo do número de vagas, sem que tal ampliação acarrete impacto nos cofres públicos, muito embora tenham de ser adaptados fisicamente para a recepção dos novos membros, fato que certamente repercutirá no tempo de implementação das alterações.

Quanto ao procedimento de nomeação dos novos membros, é mínima a discricionariedade do presidente da República no processo de escolha. Um exemplo disso é que entre os magistrados de carreira, a metade das vagas é ocupada conforme o critério de antiguidade, sendo apenas formal a participação do chefe do Executivo.

Os outros 50% serão preenchidos mediante o critério de merecimento, no qual o processo de escolha também é realizado interna corporis, na medida em que, há tempos, está consagrada a norma (oriunda de um costume) de se indicar o magistrado que figurar na lista tríplice por três vezes consecutivas ou cinco alternadas. Ou seja, a escolha presidencial, mais uma vez, fica vinculada ao que foi previamente abalizado e estabelecido pelos integrantes do tribunal federal.

Em relação ao quinto constitucional para os tribunais federais, o processo de escolha contém três criteriosas etapas. A primeira, sob um grande funil, na qual os interessados deverão cumprir, objetivamente, as normas da instituição competente (OAB ou Ministério Público) para a realização de inscrição, sabatina e, finalmente, formação da lista sêxtupla a ser enviada para o tribunal.

A segunda etapa é realizada pelo próprio tribunal, que, por meio do voto de seus membros, de forma simplificada, reduz essa lista sêxtupla para uma lista tríplice. Por fim, na terceira etapa o presidente da República, de posse da lista tríplice encaminhada pela direção do TRF, escolherá um dos nomes para a nomeação.

Conforme se percebe, há uma enorme barreira entre o processo de escolha dos membros dos tribunais federais e aquele realizado para o preenchimento de vaga no Supremo Tribunal Federal, cuja escolha é impulsionada diretamente pelo presidente. Nos TRFs, tanto para os juízes de carreira promovidos por merecimento e para os indicados pelo Ministério Público Federal e OAB, há um caminho complexo, fracionado e,  por vezes, espinhoso para figurar na lista tríplice final.

A forma de composição dos órgãos do Poder Judiciário é tratada na Lei Complementar nº 35 de 1979, não havendo nenhuma inconstitucionalidade no processo de escolha a ser realizado pelo presidente da República.

Ambos os projetos de lei aprovados pelo Congresso, tanto para a criação quanto para a ampliação de tribunais, são de extrema importância para a implementação de mudanças necessárias e urgentes no Poder Judiciário.

E quem ganharia com todas essas mudanças? Evidentemente a população e, especificamente, o jurisdicionado, que, além de estar mais próximo, e cada vez com mais exclusividade, do seu tribunal competente, contará com uma perspectiva qualitativa de redução temporal do julgamento de processos.

Medidas como essas nos aproximam não só do princípio constitucional da duração razoável do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF/88), mas também da garantia constitucional da efetividade processual em decorrência da realização do princípio da eficiência (artigo 37 da CF/88) e do direito ao adequado acesso à Justiça (artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88). Portanto, a reestruturação da segunda instância da Justiça federal somente reforça os mandamentos constitucionais e corrige parcialmente um problema que se arrasta há décadas.

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