Prática Trabalhista

Considerações iniciais sobre o Marco Regulatório Trabalhista

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

18 de novembro de 2021, 8h00

No último 10 [1] foi editado pelo governo federal o Decreto nº 10.854, com um total de 188 artigos, sendo reputado como o Marco Regulatório Trabalhista Infralegal.

É certo que mais de mil normas foram remodeladas em 15 atos consolidados [2], sob a justificativa de trazer maior segurança jurídica, melhoria do ambiente de negócios e aumento da competitividade da economia, de forma que tal compilação será reexaminada a cada dois anos [3].

Indubitavelmente, claro está que essas alterações legislativas irão suscitar inúmeros debates.

Com efeito, o referido decreto regulamentar trata de algumas normas trabalhistas, institui um programa permanente para desburocratizar as normas laborativas, aborda questões de fiscalização das normas de proteção, saúde e segurança no trabalho, entre outras importantes questões afetas ao cotidiano de quem atua na área do Direito do Trabalho.

Contudo, impende ressaltar que esse decreto poderá ser questionado a respeito de sua própria constitucionalidade e/ou legalidade, uma vez que traz diversos pontos inovatórios acerca da legislação.

A título de exemplo dessa extrapolação de competência pelo governo federal, podemos mencionar a recente decisão da Suprema Corte que suspendeu os dispositivos da então Portaria Ministerial nº 620/21, que proibia a demissão de pessoas não vacinadas [4].

Dito isso, o decreto dispõe em seu artigo 2º, que "fica instituído o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais no âmbito do Ministério do Trabalho e Previdência". Esse programa define em seus artigos 5º [5] e 6º [6] os objetivos gerais e específicos desse programa governamental.

Entrementes, o artigo 7º define que as normas trabalhistas no âmbito do programa serão organizadas e compiladas, com os seguintes temas: "I – legislação trabalhista, relações de trabalho e políticas públicas de trabalho; II – segurança e saúde no trabalho; III – inspeção do trabalho; IV – procedimentos de multas e recursos de processos administrativos trabalhistas; V – convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT; VI – profissões regulamentadas; e VII – normas administrativas".

Todavia, verifica-se que o decreto não é claro ao definir os critérios referentes à essa comissão permanente de estudo, tais como: composição, procedimentos para deliberação, votação e membros que a integram.

Outro ponto polêmico abordado no decreto se refere ao registro eletrônico de controle de jornada. O artigo 31, §2º [7], dispõe sobre o que é permitido e proibido na marcação da jornada. Em que pese a referida norma não apresente nenhuma inovação quantos aos meios de registro do horário, o dispositivo apresenta contradições.

Se, por um lado, não são permitidas marcações automáticas de ponto, com horário pré-determinado ou horário contratual, lado outro é autorizada a pré-assinalação do intervalo, assim como assinalação de ponto por exceção, que nada mais é que um meio de assinalação instantânea.

Em relação à fiscalização das normas de proteção ao trabalho e de saúde e segurança no trabalho, o decreto preceitua que esta é de competência exclusiva dos auditores fiscais [8], restringindo, a princípio, a área de atuação do Ministério Público.

Frise-se, por oportuno, a Associação Nacional Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) se manifestaram à época (10/02/2021) contrariamente à edição de um decreto visando a desburocratizar normas trabalhistas.

Nesse sentido, foi publicada uma nota técnica contrária à edição de um decreto para instituição do programa permanente de consolidação, simplificação e desburocratização de normas trabalhistas, bem como para a revisão e a consolidação de decretos precedentes [9].

Contudo, a Anamatra, que na gestão anterior se mostrou preocupada com a precarização dos direitos trabalhistas, a partir da disponibilização dos textos informou que irá fazer uma avaliação das alterações [10].

O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) também informou que irá fazer uma análise, mas que, diante do cenário de desemprego e desalento, não existem ilusões de que a norma vise à melhoria da situação do trabalhador [11].

É cediço que inúmeros pontos do decreto regulamentar serão objetos de discussão e que, sem dúvidas, necessitarão de um estudo aprofundado, ressurgindo em breve debates calorosos sobre o assunto.

Em arremate, é forçoso lembrar que deve ser respeitada a competência para a edição de normas, de modo que não se pode admitir que o Poder Executivo exceda a sua competência e insira "jabutis" legislativos e processuais, que não possuem relação com a finalidade para a qual o decreto foi criado.


[5] "Artigo 5º — São objetivos gerais do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais: I – promover a conformidade às normas trabalhistas infralegais e o direito ao trabalho digno; II – buscar a simplificação e a desburocratização do marco regulatório trabalhista, de modo a observar o respeito aos direitos trabalhistas e a redução dos custos de conformidade das empresas; III – promover a segurança jurídica; IV – alcançar marco regulatório trabalhista infralegal harmônico, moderno e dotado de conceitos claros, simples e concisos; V – aprimorar a interação do Ministério do Trabalho e Previdência com os administrados; VI – ampliar a transparência do arcabouço normativo aos trabalhadores, aos empregadores, às entidades sindicais e aos operadores do direito por meio do acesso simplificado ao marco regulatório trabalhista infralegal; VII – promover a integração das políticas de trabalho e de previdência; e VIII – melhorar o ambiente de negócios, o aumento da competitividade e a eficiência do setor público, para a geração e a manutenção de empregos".

[6] "Artigo 6º — São objetivos específicos do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais: I – triar e catalogar a legislação trabalhista infralegal com matérias conexas ou afins; II – garantir, por meio da articulação entre as áreas, que o repositório de normas trabalhistas infralegais seja disponibilizado em ambiente único e digital, constantemente atualizado; III – promover a participação social, inclusive por meio de consultas públicas; IV – buscar a harmonização das normas trabalhistas e previdenciárias infralegais; e V – revogar atos normativos exauridos ou tacitamente revogados".

[7] "Artigo 31 (…) — § 2º Os equipamentos e os sistemas de registro eletrônico de jornada, sem prejuízo do disposto no caput, registrarão fielmente as marcações efetuadas e atenderão aos seguintes critérios: I – não permitir: a) alteração ou eliminação dos dados registrados pelo empregado; b) restrições de horário às marcações de ponto; e c) marcações automáticas de ponto, tais como horário predeterminado ou horário contratual; II – não exigir autorização prévia para marcação de sobrejornada; e III – permitir: a) pré-assinalação do período de repouso; e b) assinalação de ponto por exceção à jornada regular de trabalho".

[8] "Artigo 16 — Compete exclusivamente aos auditores-fiscais do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, autoridades trabalhistas no exercício de suas atribuições legais, nos termos do disposto na Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002, a fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho e de saúde e segurança no trabalho".

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador Acadêmico do projeto “Prática Trabalhista” (Revista Consultor Jurídico - ConJur), palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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