Efeitos da epidemia

STF começa a julgar decisões que concederam desconto linear a estudantes

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17 de novembro de 2021, 19h47

São inconstitucionais as decisões judiciais que determinam a universidades a concessão de descontos lineares a estudantes, desconsiderando as peculiaridades dos efeitos da crise causada pela epidemia de Covid-19 em ambas as partes contratuais envolvidas (instituição de ensino e aluno).

Fellipe Sampaio/STF
Rosa Weber entendeu que descontos lineares viola a livre iniciativa
Fellipe Sampaio/STF

Esse foi o entendimento adotado por três ministros do Supremo Tribunal Federal ao votar, nesta quarta-feira (17/11), pela suspensão das decisões judiciais que concedem compulsoriamente desconto linear nas mensalidades das universidades durante a epidemia de Covid-19. O ministro Nunes Marques negou as ações. O julgamento será concluído na sessão desta quinta (18/11).

A Corte julga duas arguições de descumprimento de preceito fundamental. As ações foram ajuizadas pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), que representa 130 universidades, centros universitários e faculdades (ADPF 706), e pela Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), autora da ADPF 713.

As duas ações pedem a suspensão das decisões judiciais que concederam desconto nas mensalidades de universidade na epidemia. A ADPF 713 vai além e pede a suspensão de atos administrativos e projetos de lei que estabeleçam medidas semelhantes. Contudo, O STF decidiu restringir a análise às decisões judiciais.

A relatora do caso, ministra Rosa Weber, apontou que as decisões judiciais ordenaram as universidades a concederem desconto aos alunos de forma genérica, sem considerar as peculiaridades dos casos. Isso, na visão da magistrada, desrespeita o princípio da livre iniciativa.

Não ocorreria tal violação se as decisões tivessem feito ponderação das condições dos casos, de forma a proteger estudantes mais afetados pela epidemia, declarou a ministra.

Segundo Rosa, a autonomia universitária permite que tais instituições tomem decisões financeiras de acordo com suas verbas. E a presunção de perda de capacidade financeira dos alunos deve levar em conta as instituições de ensino, que também foram afetadas pela crise do coronavírus.

Rosa Weber votou para declarar a inconstitucionalidade das interpretações judiciais que determinam às instituições a concessão de descontos lineares nas mensalidades. A ministra apresentou a seguinte tese:

1. É inconstitucional decisão judicial que, sem considerar as circunstâncias fáticas efetivamente demonstradas, deixa de sopesar os reais efeitos da pandemia em ambas as partes contratuais, e determina a concessão de descontos lineares em mensalidades de cursos prestados por instituições de ensino superior.

2. Para a caracterização da vulnerabilidade econômica e da onerosidade excessiva em contratos de prestação de serviços educacionais de nível superior em razão da pandemia, é imprescindível a apreciação: (i) das características do curso; (ii) das atividades oferecidas de forma remota; (iii) da carga horária mantida; (iv) das formas de avaliação; (v) da possibilidade de participação efetiva do aluno nas atividades de ensino; (vi) dos custos advindos de eventual transposição do ensino para a via remota eletrônica; (vii) do investimento financeiro em plataformas de educação remota, em capacitação de docentes e em outros métodos de aprendizagem ativa e inovadora que respeitem o isolamento social requerido para minorar a propagação viral; (viii) da alteração relevante dos custos dos serviços de educação prestados; (ix) da existência de cronograma de reposição de atividades práticas; (x) da perda do padrão aquisitivo da(o) aluna (o) ou responsável em razão dos efeitos da pandemia; (xi) da existência de tentativa de solução conciliatória extrajudicial.

A relatora ainda entendeu que a decisão do STF não produz efeitos automáticos em processos já julgados.

Voto de Gilmar Mendes
Na linha da relatora, o ministro Gilmar Mendes votou pela declaração da "inconstitucionalidade das interpretações judiciais que, sem análise da exegese do artigo 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, dos artigos 317, 478 e 479 do Código Civil ou dos artigos 6º e 7º, parágrafo 1º, da Lei 14.010/2020, determinam às instituições de ensino superior a concessão de descontos lineares nas contraprestações dos contratos educacionais, desconsiderando as peculiaridades dos efeitos da crise pandêmica em ambas as partes contratuais envolvidas na lide".

De acordo com Gilmar, enquanto não houver legislação específica sobre a redução de mensalidades, os juízes devem seguir os parâmetros estabelecidos no CDC, no Código Civil e na Lei Geral da Epidemia de Covid-19 (Lei 14.010/2020).

Gilmar divergiu de Rosa apenas quanto à proposta de tese. Conforme o ministro, a revisão pela via da ADPF de decisões judiciais que, na análise de casos concretos, decidem sobre pressupostos fáticos da teoria da imprevisibilidade na relação jurídico-contratual de Direito do Consumidor "requer uma postura de autocontenção judicial, quer se debata os limites da novel legislação realizada pelo Poder Legislativo (Lei 14.010/2020), quer se observe a complexidade inerente ao tema".

Além disso, Gilmar ressaltou que cabe ao Superior Tribunal de Justiça interpretar os limites semânticos das normas infraconstitucionais. Assim, tal Corte deve resolver as divergências jurisprudências entre tribunais.

O voto de Gilmar Mendes foi seguido por Alexandre de Moraes. O ministro avaliou que os descontos a alunos não podem ser concedidos de forma linear, apenas caso a caso, se for verificada onerosidade excessiva.

Rosa Weber disse que está aberta a desconsiderar os critérios que fixou em seu voto e estabelecer outro entendimento após os votos dos demais ministros.

Voto divergente
O ministro Nunes Marques abriu a divergência, votando por negar as ADPFs. De acordo com ele, o sistema judicial está funcionando de modo suficiente e autocorretivo. Portanto, não há motivos para o STF avocar tal questão.

Nunes Marques também destacou que cabe ao STJ resolver divergências entre leis infraconstitucionais. E opinou que a livre iniciativa não é desrespeitada por decisões de revisão contratual devido a um evento imprevisto, como uma epidemia.

O ministro ainda declarou que, após pesquisar em sites de tribunais, verificou que algumas decisões citadas nas petições iniciais foram revertidas. Devido às poucas decisões apresentadas pelos autores, não há certeza sobre as premissas fáticas que apontaram, o que inviabiliza declaração de inconstitucionalidade, opinou Nunes Marques.

Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes
ADPFs 706 e 713

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