Os impactos do novo entendimento do TRF-3 sobre execuções fiscais
17 de novembro de 2021, 9h14
Com as mudanças na legislação processual trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, foi criado novo instituto para o redirecionamento da responsabilidade de passivo originalmente de pessoa jurídica aos sócios ou a outra pessoa jurídica integrante do mesmo grupo econômico — o chamado Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), contido no artigo 133 do CPC.
Basicamente, o IDPJ é o meio pelo qual o requerente realiza um pedido específico de redirecionamento de responsabilidade, devidamente fundamentado, e, por outro lado, permite que o sócio ou outra PJ tenha oportunidade de defesa prévia, para assegurar o devido processo legal.
A partir de sua criação, a discussão envolvendo a necessidade da instauração do IDPJ e a sua aplicabilidade em redirecionamento de responsabilidade no âmbito do Direito Tributário ganhou contornos muito controvertidos no Poder Judiciário.
Isso porque, não raras vezes, a Fazenda Pública busca a satisfação das dívidas tributárias de empresas devedoras por meio do pedido de redirecionamento da execução fiscal aos sócios ou até mesmo outras empresas em casos de:
1) Confusão entre o patrimônio da empresa devedora e dos sócios;
2) Alegação de abusos/infração à lei ou contrato social cometidos pelos sócios para não recolher os tributos;
3) O encerramento ou mudança de endereço da empresa sem a comunicação aos órgãos oficiais; e
4) A "verticalização da produção" — formação de grupo de empresas em que cada uma realiza uma etapa do processo produtivo para venda do produto final e que tenham interdependência financeira e gerencial;
Nessas situações, bastava a simples alegação de que haveria "indícios de fraude" nas execuções fiscais para que o Judiciário redirecionasse a dívida para as pessoas indicadas pelo Fisco.
Essa prática era — e ainda é — muito utilizada, já que a jurisprudência era forte no sentido de que não seria aplicável o IDPJ para a inclusão de corresponsáveis aos casos tributários. O efeito prático era que os corresponsáveis indicados pelo Fisco eram automaticamente incluídos nas execuções fiscais e, consequentemente, responsabilizados pelo crédito tributário executado, podendo, a qualquer tempo, sofrer constrições de seu patrimônio para saudá-lo.
Para exercitar seu direito à ampla defesa e ao contraditório, o contribuinte tinha apenas duas alternativas: garantir a execução fiscal que se tornou corresponsável — e despender valores muitas vezes impagáveis — ou ajuizar uma ação autônoma para o reconhecimento da inexistência dos requisitos para redirecionamento tributário no caso específico.
Passados mais de cinco anos da criação do instituto — e de muitos contribuintes buscarem o Judiciário para possibilitar a instituição do IDPJ também nos casos de redirecionamento tributário — finalmente o que temos visto é a mudança do Judiciário quanto ao tema.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), pretendendo uniformizar seu entendimento quanto à aplicabilidade (ou não) do IDPJ às execuções fiscais, fixou a tese de que "o instituto é indispensável para a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, artigo 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados" (IRDR nº 0017610-97.2016.4.03.0000).
De forma resumida, o entendimento passou a ser de que é necessário a instauração do IDPJ para apurar se há de fato (ou não) responsabilidade dos sócios e empresas indicados pela Fazenda Pública para responder por dívidas de terceiros antes de ocorrer o redirecionamento da execução da maneira pretendida.
O novo posicionamento do TRF-3 gera impactos extremamente importantes nos pedidos de redirecionamento da execução fiscal realizados pelo Fisco, que costumava alcançar, indistintamente, o patrimônio dos sócios da empresa e de outras empresas para saldar crédito tributário sob cobrança judicial.
O primeiro deles é a consolidação do entendimento dos desembargadores federais de que o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), muito embora tenha origem no Código de Processo Civil, pode e deve ser aplicado às execuções fiscais em certas circunstâncias.
Além disso, a decisão garante ao contribuinte importante e inédita ferramenta de defesa para que seja possível comprovar a ilegitimidade para figurar como corresponsável solidário mediante a produção de todas as provas que lhe couberem no IDPJ e sem precisar garantir o crédito tributário para viabilizar essa discussão — como ocorria no passado.
Com a instauração do IDPJ, a execução fiscal permanece sem efeitos às pessoas jurídicas e físicas que integram o instituto, impedindo que haja qualquer medida constritiva de patrimônio das pessoas indicadas até que o Judiciário verifique se são ou não responsáveis pelo débito.
Ao nosso ver, o TRF da 3ª Região dá importante passo de encontro à segurança jurídica dos contribuintes a medida em que firma seu posicionamento sobre a aplicabilidade do IDPJ às execuções fiscais, elenca os casos em que tal incidente é indispensável para atribuição de responsabilidade a terceiro e, consequentemente, garante a ampla defesa e o contraditório dos contribuintes.
A decisão certamente restringirá os riscos ao patrimônio de sócios e outras empresas estranhas à originalmente devedora, além de gerar economia aos indicados como corresponsáveis, que não terão mais gastos seja com a garantia de tributos que não são de sua responsabilidade, seja com o ajuizamento de demandas independentes para discutir tema que, sob qualquer ótica, deveria ser discutido no âmbito dos feitos executivos fiscais.
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