Opinião

Normas gerais a serem observadas na aplicação da Lei Complementar 183/2021

Autor

  • Francielli Honorato Alves

    é mestre em Direito pela USP especialista em Direito Tributário pelo Ibet advogada sócia-fundadora do escritório Honorato Alves Advocacia e Consultoria Jurídica e professora do Curso de Especialização em Direito Tributário do Ibet.

16 de novembro de 2021, 20h11

1) Questões introdutórias
Em 23 de setembro deste ano, foi publicada a Lei Complementar 183, que incluiu o item 11.05 na lista anexa à Lei Complementar 116/2003, para prever os "serviços relacionados ao monitoramento e rastreamento a distância, em qualquer via ou local, de veículos, cargas, pessoas e semoventes em circulação ou movimento, realizados por meio de telefonia móvel, transmissão de satélites, rádio ou qualquer outro meio" como serviços tributáveis por meio do Imposto Sobre Serviços (ISS). Como se trata de um imposto cuja instituição e cobrança compete a 5.570 municípios e ao Distrito Federal, o objetivo deste artigo é analisar quais são as normas gerais que todos esses entes federados devem observar no exercício dessa competência tributária sobre essa atividade que foi incluída no campo de incidência do ISS.

2) Materialidade tributável incluída pela Lei Complementar 183/2021
A Constituição Federal de 1988, ao atribuir aos municípios e ao Distrito Federal a competência para instituir e cobrar o ISS, prescreveu, no inciso III do seu artigo 156, que os serviços sujeitos a esse imposto devem estar expressamente previstos em lei complementar de caráter nacional. Isso significa que, para que uma atividade esteja sujeita à incidência do ISS, é necessário, primeiramente, que tenha a natureza de prestação de serviço e, em segundo lugar, que esteja expressamente prevista em lei complementar nacional como tributável por meio desse imposto municipal. Nas palavras do professor Aires F. Barreto, para que uma atividade seja tributável por meio do ISS, é necessário que corresponda ao "desempenho de atividade economicamente apreciável, sem subordinação, produtiva de utilidade para outrem, sob regime de direito privado, com fito de remuneração, não compreendido na competência de outra esfera de governo" [1].

Atualmente, o documento normativo que exerce esse papel é a LC 116/2003, que apresenta uma lista anexa com um rol taxativo de atividades que, quando realizadas, estarão sujeitas à incidência do ISS. Sendo assim, o legislador complementar nacional, ao editar a LC 183/2021, agiu corretamente, seguindo o procedimento previsto pela Constituição Federal para a atribuição da característica de "serviço tributável por meio do ISS" a uma atividade econômica, que é a sua inclusão na lista de serviços anexa à LC 116/2003. O inteiro teor do novo item 11.05 é o seguinte:

"11.05. Serviços relacionados ao monitoramento e rastreamento a distância, em qualquer via ou local, de veículos, cargas, pessoas e semoventes em circulação ou movimento, realizados por meio de telefonia móvel, transmissão de satélites, rádio ou qualquer outro meio, inclusive pelas empresas de Tecnologia da Informação Veicular, independentemente de o prestador de serviços ser proprietário ou não da infraestrutura de telecomunicações que utiliza".

Entretanto, para que cada município e o Distrito Federal possam começar a exercer essa competência tributária sobre essa atividade, não basta a edição dessa lei complementar nacional. Em respeito ao princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 150, I, da Constituição Federal, cada um desses entes federados precisa editar lei municipal própria para alterar a lei que atualmente prevê a instituição e a cobrança do ISS sobre serviços executados no seu território e nela incluir essa atividade como uma atividade tributável por meio do ISS.

3) O local de incidência do ISS
O local de incidência de um tributo é, de acordo com o professor Paulo de Barros Carvalho [2], o local onde estão reunidas as circunstâncias que indicam a ocorrência do fato jurídico tributável. No caso do ISS, o local de incidência deve ser aquele onde se concretiza a prestação de serviço tributável por meio desse imposto.

Contudo, a atividade descrita no item 11.05 da lista anexa à LC 116/2003 pode ser exercida dentro dos limites territoriais de um mesmo município, mas é grande a possibilidade de que seja exercida em condições que envolvam o território de dois ou mais municípios. Ou seja, como se fala do monitoramento e do rastreamento à distância de veículos, de cargas, de pessoas e de semoventes que estejam em circulação ou em movimento, é provável que esses objetos estejam transitando de um município para outro durante esse monitoramento ou esse rastreamento. Isso significa que, nessas condições, esse serviço é prestado no território de mais de um município, o que daria a cada um deles a justificativa para que se vissem como competentes para cobrar o ISS sobre essa prestação, em prejuízo do prestador de serviços, que poderia sofrer indevidamente mais de uma cobrança desse imposto sobre a prática do mesmo fato jurídico.

Para evitar esse tipo de conflito de competência entre mais de um município, a LC 183/2021 exerce a função que foi atribuída a esse tipo de documento normativo pelo artigo 146, I, da Constituição Federal e elege um elemento para definir o local onde deve-se considerar que foi prestado aquele serviço: o local do estabelecimento prestador ou, na sua ausência, o local do domicílio do prestador do serviço. Trata-se da regra prevista no caput do artigo 3º da LC 116/2003. Sendo assim e considerando a definição de "estabelecimento prestador" que o artigo 4º da LC 116/2003 prescreve para fins de incidência do ISS, o local de incidência do ISS sobre essa nova atividade será o local onde a pessoa física ou jurídica que prestar esse serviço de monitoramento e rastreamento à distância reunir a mão-de-obra e os equipamentos necessários para executar esse monitoramento e esse rastreamento, pois é nesse local que ele estará concretizando essa prestação de serviços para o qual foi contratado.

Note-se que, nesse caso, não importa o local onde esteja o veículo, a carga, a pessoa ou o semovente que está sendo objeto do monitoramento ou do rastreamento, haja vista que esses objetos estão em movimento constante e não em um local fixo durante o tempo em que esse serviço está sendo executado. É a mesma dinâmica que acontece na prestação do serviço de "escolta, inclusive de veículos e cargas", que está previsto no item 11.03 da lista anexa à LC 116/2003 e que também é tributado no local onde está o estabelecimento prestador desse serviço, que é o local onde estão reunidos todos os elementos necessários para o prestador controlar a escolta desses veículos, independentemente dos locais por onde eles passem durante essa prestação.

Contudo, observe-se que, quando se trata de atividade que envolva algum tipo de vigilância de um objeto que esteja em um único local durante todo o tempo da prestação do serviço, o legislador complementar nacional entendeu que o local onde está esse objeto é que deve ser considerado como local onde ocorre a prestação do serviço. É o caso dos serviços de "guarda e estacionamento de veículos terrestres, automotores e de embarcações", previstos no item 11.01 da lista anexa à LC 116/2003; dos serviços de "vigilância, segurança ou monitoramento de bens, pessoas e semoventes", previstos no item 11.02 da mesma lista; e dos serviços de "armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda de bens de qualquer espécie", que constam no item 11.04 daquela lista. Para esses casos, a LC 116/2003 prescreve, respectivamente, nos incisos XV, XVI e XVII do seu artigo 3º, que o local onde está o objeto da guarda, da vigilância ou do armazenamento é que será o local onde o serviço está efetivamente sendo prestado e, por isso, é ao município onde ele se encontra que compete a cobrança do ISS sobre esses serviços.

4) O momento de incidência do ISS
Diferentemente do que ocorre com a definição do local de incidência do ISS, a LC 116/2003 não prevê expressamente o momento em que se considera ocorrido o fato jurídico tributável por meio do ISS. Contudo, com base em uma interpretação sistêmica dos demais enunciados desse documento normativo e do próprio texto constitucional, é possível afirmar que o ISS incide sobre uma prestação de serviço quando essa estiver completamente concretizada.

Sendo assim, se o município onde estiver localizado o estabelecimento prestador de serviços de monitoramento e rastreamento à distância já tiver alterado sua legislação própria para prever a incidência do ISS sobre essa atividade, esse município somente poderá exigir o pagamento do ISS sobre a prestação desse serviço quando o seu prestador efetivamente concluir a prestação do serviço para o qual foi contratado pelo seu tomador. Nesse caso, há elementos que facilitam a identificação desse momento, haja vista que um prestador desse tipo de serviço é contratado por um tomador que deseja que determinado veículo, por exemplo, seja monitorado e rastreado em sua circulação de um ponto X a um ponto Y.

Considerando esse exemplo, somente seria possível afirmar que o serviço foi prestado quando o veículo que é objeto do monitoramento e do rastreamento à distância chegou ao ponto Y, após o citado período. E será nesse momento que se pode considerar que ocorreu o fato jurídico tributável por meio do ISS, que esse imposto passa a ser devido pelo seu prestador.

5) Sujeitos da relação jurídica tributária instaurada para a cobrança do ISS
Com a inclusão da atividade de monitoramento e rastreamento à distância no item 11.05 da lista anexa à LC 116/2003, a LC 183/2021 autorizou que, sempre que essa atividade for executada por algum prestador de serviço, nascerá, para ele, a obrigação de pagar ISS sobre o valor do serviço prestado, ao mesmo tempo em que o município onde está estabelecido esse prestador passará a ter o direito de exigir o pagamento desse imposto daquele devedor. Ou seja, a partir de agora, se o município onde está o estabelecimento do prestador desse tipo de serviço tiver atualizado a sua lei municipal para incluir essa atividade nas hipóteses de incidência do ISS, a concretização dessa prestação de serviço no território desse município implicará na instauração de uma relação jurídica tributária que terá, em seu polo ativo, esse município, que é competente para a cobrança do ISS sobre essa prestação de serviço, e, em seu polo passivo, o prestador daquele serviço, sendo o objeto dessa relação o valor do ISS devido.

Observe-se que o sujeito ativo dessa relação jurídica tributária sempre será o município em cujo território estiver localizado o estabelecimento prestador do serviço de monitoramento e rastreamento à distância, que é o local considerado como local de incidência do ISS, conforme explicado anteriormente no item 3 deste trabalho. Por sua vez, o sujeito passivo dessa mesma relação jurídica sempre será o prestador desse serviço, que, por executar o fato jurídico tributável por meio do ISS, caracteriza-se como contribuinte desse imposto, nos termos definidos pelo artigo 121, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional.

É importante destacar que a LC 183/2021 impôs uma limitação aos municípios e ao Distrito Federal na eleição do sujeito que pode ocupar o polo passivo dessa relação jurídica tributária: de acordo com a nova redação que foi dada ao enunciado do inciso II do §2º do artigo 6º da LC 116/2003, esses entes tributantes não podem atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do ISS incidente sobre essa atividade a pessoa jurídica que seja tomadora ou intermediária desse serviço. Ou seja, de acordo com essa norma geral prescrita pela LC 183/2021, apenas o prestador de serviço poderá figurar como sujeito passivo do ISS incidente sobre a atividade de monitoramento e rastreamento à distância de veículos, cargas, pessoas e semoventes.

6) Cálculo do valor do ISS devido
A apuração do valor do ISS incidente sobre a prestação de serviço de monitoramento e rastreamento à distância deve considerar dois valores: a base de cálculo e a alíquota. Como se trata da cobrança de um tributo da espécie imposto, em respeito ao princípio constitucional da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, §1º, da Constituição Federal, a base de cálculo deve ser capaz de mensurar a riqueza manifestada pelo prestador de serviço ao executar essa atividade. Essa riqueza é verificada no preço do serviço cobrado pelo prestador do seu tomador, conforme previsto no artigo 7º, caput, da LC 116/2003.

Contudo, é extremamente importante ressaltar que apenas os valores que o tomador pagar ao prestador como remuneração pela execução do serviço de monitoramento e rastreamento à distância é que poderão ser considerados para o cálculo do ISS devido. Qualquer outro valor que o tomador pagar ao prestador como reembolso por alguma despesa prévia que esse tenha realizado em seu nome, para custear despesas que lhe sejam próprias, não podem ser considerados como preço de serviço, devendo ser desconsiderados no cálculo do ISS.

Por sua vez, a alíquota aplicável sobre essa base de cálculo para se chegar ao valor do ISS devido pelo prestador do serviço será definida na lei do município onde ele está estabelecido, em um valor que deve respeitar os limites mínimo de 2% e máximo de 5%, conforme prescrito, respectivamente, pelo artigo 8º-A e pelo artigo 8º, II, ambos da LC 116/2003. Trata-se de uma informação que também deve constar na lei que for editada pelo município ou pelo Distrito Federal para incluir essa nova atividade como hipótese de incidência do ISS, com a previsão do valor da alíquota que será aplicada para o cálculo do ISS devido.

7) Considerações finais
Portanto, para que um município ou o Distrito Federal possa exercer a competência tributária que lhe foi atribuída pela LC 183/2021 para cobrar ISS sobre a prestação de serviços "relacionados ao monitoramento e rastreamento à distância", é necessário que primeiramente atualize a sua lei municipal para nela incluir, como hipótese de incidência do ISS, a prestação desse serviço que agora está previsto no item 11.05 da lista anexa à LC 116/2003. Uma vez instituída a cobrança desse imposto sobre essa nova atividade, essa cobrança somente poderá ser feita quando a prestação desse serviço for concluída pelo prestador desse serviço, nos termos pelos quais ele foi contratado pelo seu tomador.

Esse município que promoveu essa atualização legislativa somente será competente para cobrar o ISS incidente sobre a prestação desse serviço se o estabelecimento prestador estiver localizado no seu território. Além disso, essa cobrança apenas poderá ser feita do sujeito que prestar esse serviço, não sendo possível atribuir ao seu tomador a responsabilidade pela retenção e pelo pagamento desse ISS ao município. Por fim, o cálculo do valor do ISS devido sempre deverá ser feito com a aplicação, sobre o preço do serviço cobrado pelo prestador do tomador, da alíquota prevista para essa nova atividade na lei do município competente para cobrá-lo.


[1] BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 35.

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 26 ed. 3ª tir. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 265.

Autores

  • é advogada, professora do Curso de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

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