Caspita

Origem italiana e idade avançada não justificam prática de assédio moral

Autor

15 de novembro de 2021, 7h32

As tentativas de justificar assédio moral praticado pelo empregador com o argumento de que ele é idoso são "dignas de náusea". Igualmente, tentar mascarar o assédio afirmando que o patrão é de origem italiana — com sua "típica gesticulação mais expansiva" —  "causa espanto", tratando-se de "estereótipo preconceituoso, raso, desconexo, anacrônico e intolerável, visto que atribui conduta tresloucada, agressiva e generalizada a outros povos".

Marcos Santos/USP Imagens
"Empregado vendeu sua força de trabalho, e não sua dignidade", disse juíza
Marcos Santos/USP Imagens

Com esses argumentos, a juíza substituta Tatiane Pastorelli Dutra, da 3ª Vara do Trabalho de Mauá (SP), condenou um supermercado da cidade a indenizar em R$ 40 mil um empregado da empresa vítima de assédio moral. 

Para a julgadora, as provas produzidas tornam "evidente a falta de compostura" do dono do mercado. Uma das testemunhas disse que ele é "uma pessoa muito difícil, que costuma xingar e humilhar os funcionários". O reclamante teria sido chamado de incompetente e acusado, pelo empregador, de desviar produtos do estabelecimento. O dono da empresa também teria dito que o funcionário, "se fosse inteligente, teria o próprio negócio" e que "se fosse mandado embora, não arrumaria mais emprego". Outro depoente disse que era comum o patrão chamar os empregados "de vagabundo e ladrão", ameaçando demiti-los.

A testemunha da reclamada confirmou as dificuldades de lidar com o sócio da empresa, mas tentou justificar a situação com os argumentos de que ele seria idoso e de origem italiana. "[Ele] é uma pessoa de idade, com 83 anos, sendo que precisa saber lidar com uma pessoa idosa", disse. 

"Os atos do sócio da empresa não são frutos de sua origem italiana, mas de sua falta de educação, compostura e de respeito ao próximo", disse a juíza. "Outrossim, dignas de náuseas as tentativas de associar a idade
do agressor ao seu comportamento agressivo, como se o desequilíbrio emocional fosse uma qualidade intrínseca à terceira idade", completou.

A magistrada também afirmou que, embora a segunda testemunha trazida pela empresa tenha dito que é incumbência dos empregados saber lidar com o dono do mercado, na verdade "cabe aos estabelecimentos de saúde lidar com pessoas emocionalmente descontroladas, e não aos funcionários". Para ela, o trabalhador cedeu "apenas a sua força produtiva, e não a sua dignidade".

Vídeos anexados aos autos revelaram ainda "a conduta descontrolada do proprietário da empresa, esbravejando publicamente com seus empregados e derrubando, de forma afrontosa, produtos das gôndolas, bem como empurrando o autor", disse a juíza.

Assim, por identificar "latente, vívida e vigorosa a ofensa à honra praticada pela reclamada em face do reclamante", condenou a empresa por sua "conduta gravíssima".

A juíza também determinou a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, independentemente do trânsito em julgado, com cópia da sentença, para que sejam promovidas as diligências e investigações pertinentes.

Clique aqui para ler a decisão
1000473-33.2021.5.02.0363

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!