Opinião

As camadas da defesa contra a corrupção da nova Lei de Licitações

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15 de novembro de 2021, 16h24

Não há dúvidas de que as licitações e os contratos administrativos constituem um tema central no tocante à prevenção da corrupção pública, uma vez que é no seio de tais procedimentos que se manejam os recursos públicos destinados a particulares por obras e serviços levados a efeito por tais agentes.

Os esquemas mais triviais de corrupção, pois, sempre envolveram fraudes em licitações e contratos administrativos passíveis de concretização por uma variedade de formas, desde a contratação de empresas fantasmas até o pagamento por serviços não realizados ou por valores muito acima dos valores de mercado.

Nesse contexto, tema que sempre gerou candente controvérsia jurídica no tocante a licitações e contratos administrativos é o da responsabilização de agentes públicos e privados envolvidos em malfeitos perpetrados no curso dos respectivos procedimentos.

Com efeito, ainda que a imposição de um item procedimental necessário para a consumação dos atos administrativos relacionado às licitações e contratos estivesse predisposto em lei de forma expressa e delimitada, sempre se invocou a falta de qualificação dos agentes públicos quando confrontados com o desrespeito objetivo às disposições legais então estatuídas na Lei nº 8.666/93.

A invocação pura e simples de desconhecimento da lei em tais casos, não raro, redundava no afastamento do dolo dos agentes envolvidos, ainda que, contraditoriamente, em matéria penal, tal tipo de argumento não isentasse o agente de pena e tampouco servisse para o afastamento de sua responsabilidade, tal qual se lê cristalinamente do artigo 21 do Código Penal [1].

De todo modo, a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21) impôs inúmeros deveres aos administradores públicos com vistas à qualificação dos agentes públicos que manejam os procedimentos licitatórios, consagrando ainda camadas de responsabilidade derivadas da inobservância dos textos legais.

Nesse prisma é que o próprio artigo 7º da Lei nº 14.133/21 estabeleceu que caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução da Lei de Licitações.

Para tanto, impõe-se que os agentes sejam, preferencialmente, servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública e que tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos, possuindo ainda formação compatível com o tema. Em acréscimo, impõe-se que não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração, nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

Na mesma toada, a lei estabelece que a autoridade máxima do órgão condutor da licitação deverá observar o princípio da segregação de funções, de modo a impedir a atuação simultânea, do mesmo agente, em funções mais suscetíveis a riscos, o que também se aplica aos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração.

Depreende-se de tal quadro, portanto, uma série de deveres administrativos atribuídos aos gestores máximos dos órgãos que conduzem as licitações públicas, entre os quais se destacam a priorização de designação de agentes públicos que sejam servidores efetivos e com formação adequada na área.

Tal regra possui destacada importância, na medida em que minimiza as possibilidades de comissões de licitações ocupadas por pessoas não capacitadas para tanto ou ocupadas por pessoas já eventualmente predispostas à facilitação de potenciais ilícitos orientados a desfalcar o erário, o que ocorria normalmente pela nomeação de funcionários comissionados ligados à autoridade nomeante.

No mais, o impedimento objetivo de que agentes públicos que conduzem os certames tenham relação de parentesco ou quaisquer relações com os licitantes, o que poderia comprometer a imparcialidade necessária, é também diretriz de relevo para se prevenir atos ilícitos nessa seara, o que ainda se reforça pela segregação de funções, que importa em um sistema de freios e contrapesos durante o processo licitatório.

Veja-se que a própria lei, em seu artigo 169, estabelece que as contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, com várias linhas de defesa preventivas de potenciais ilícitos.

A primeira linha de defesa mencionada pela lei é aquela integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade, incluindo-se aí as autoridades máximas que nomeiam os agentes de licitação. De sua vez, a segunda linha de defesa é aquela integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade, ao passo que a terceira linha de defesa é a integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo Tribunal de Contas.

Disso resulta, portanto, a existência de um sistema preventivo de controle escalonado, o qual deve estar sistematizado de maneira tal a minimizar os ilícitos e evitar os conflitos de interesse, profissionalizando-se a condução dos certames.

A preocupação legal em qualificar os servidores e segregar as funções dos agentes em procedimentos licitatórios, portanto, constituiu um relevante avanço em matéria de prevenção de riscos e correlato controle preventivo da corrupção.


[1]"Artigo 21 — O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço".

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