Processo Tributário

Sobre o processo indiretamente tributário

Autor

  • Paulo Cesar Conrado

    é juiz federal em São Paulo professor do Curso de Especialização do Ibet professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

14 de novembro de 2021, 8h00

A definição do conceito de processo tributário decorre de uma operação redutora que toma a relação jurídica de fundo como referencial  assim vimos sustentando nos diversos textos veiculados nesta coluna. [1]

Nenhuma novidade até aí: as diversas áreas do Direito operam com essa diretiva, sendo nossa intenção primordial, ao atrair a ideia para o campo de especulação a que nos dedicamos (o tributário), valorizar a importante (mas relativamente desprestigiada) noção de instrumentalidade do processo em relação ao direito material que lhe é correlato — o tributário, insistimos.

Aplicando esse racional, chegamos à obrigação tributária em seu sentido estrito, definível, em breves palavras, como vínculo jurídico que reúne Fisco e contribuinte  um ativo, outro passivo, nessa ordem , em torno do objeto a que se refere o artigo 3° do CTN.

Lembrando que essa obrigação, na processualidade brasileira (que prestigia, em igual medida, repressividade e preventividade), pode ser posta (constituída e/ou eventualmente exaurida, hipótese que nos leva à repetição de indébito), como pressuposta (caso em que entra em cena às medidas ditas "declaratórias"), acabamos por reduzir, numa espécie de contorno metodológico, o universo de complexidades que nos rodeia, de modo a chegar, no fim das contas, a um conjunto de instrumentos que servirão para confirmar ou infirmar a exigibilidade subjacente à obrigação tributária  posta ou pressuposta, reiteremos.

Todos sabemos, a par disso, que o mundo jurídico-tributário nacional não é feito só das obrigações em seu sentido estrito: é mais que abundante (até demasiada) nossa experiência no trato das chamadas obrigações acessórias (ou deveres instrumentais), um dos gargalos (justamente por sua exacerbação) de nosso sistema tributário, assim tanto em termos de operatividade como de custo.

Pois é sobre essas figuras que devemos nos reter, recordando, a partir delas, que o dissenso caracterizador do processo que nos interessa pode não estar domiciliado sobre a obrigação tributária em sentido estrito (e sua exigibilidade), mas sobre a execução de um deve instrumental  sempre observada, nesse contexto, a natural premissa de que o descumprimento de um dever jurídico, justamente porque jurídico, é fato gerador de sanção.

Nessas situações, note-se, a processualidade não seria estruturada para abordar a obrigação tributária em si mesma, fato que, quando menos em rigor classificatório, nos faz(ria) indagar: estamos falando, em tais casos, de processo propriamente tributário?

Essa questão ganha especial relevo quando nos deparamos, para além do debate sobre o cumprimento da obrigação acessória reputada indevida, com as chamadas "sanções políticas", aquelas que se propõem a punir, com imposição pecuniária ou com restrições de outra ordem, certas condutas indiretamente relacionadas com plano tributário.

É muito presente, na prática, a formulação de pretensão que, sem desacatar a obrigação tributária (ou, mais precisamente, sua exigibilidade), volta-se contra: 1) a exigência de determinado dever instrumental; 2) a pena pecuniária dela derivada; e/ou 3) a regularidade da imputação não pecuniária tida como indevida "sanção política".

Note-se que o pano de fundo, em todas as situações enumeradas, é remotamente tributário, muito embora a jurisdição convocada não o seja para tratar de obrigação tributária em seu sentido estrito. Noutras palavras: não se fala, aqui, de jurisdição tendente a reconhecer a (in)exigibilidade do crédito tributário, posto ou pressuposto, cingindo-se ao exame de elemento que lhe é periférico.

Podemos dizer, então, de que processo tributário estamos tratando?

A essa pergunta poderíamos lançar, de plano, uma objeção de ordem prática: faz diferença inserir essas categorias no espectro de interesse do processo dito tributário? Em resposta direta, devemos dizer: talvez não faça, à medida que operações classificatórias não se qualificam como corretas ou não, podendo ser reconhecidas quando muito como (in)oportunas, (in)convenientes, ou algo do gênero. Mas, cremos, a coisa não se prende (ou deve ser prender) ao nível da mera definição teórica: litígios tais quais os que descrevemos, conquanto remotamente relacionados ao campo tributário, nele não encontram seu núcleo, o que significaria que o racional de toda argumentação tecida (pelas partes e pelo julgador), nesses casos, não será tributário, senão administrativo lato sensu.

Vale dizer: se depositarmos essas demandas na gaveta do processo tributário, um paradoxo se interporá, à medida que a norma-sentença que dele, processo, brotará não tomará a relação tributária como antecedente.

Lembremos, de todo modo, de um outro dado relevante: o Direito Tributário é reconhecidamente um ramo ancilar do Administrativo, seguindo, em rigor, os mesmos padrões que o definem (ao direito administrativo). Não por outra razão, aliás, são tantas as regras que, embora autonomamente tratadas na seara tributária (legalidade, tipicidade, por exemplo), constituem um mero reflexo do que desde antes propõe o Direito Administrativo. Falar de Direito Tributário, nessa linha, significa falar, portanto, de Direito Administrativo, o que nos autorizaria a embrulhar todos os assuntos (os propriamente afetos à obrigação tributária e os outros de que vimos falando) num mesmo pacote, ao final.

Ressaltemos o tempo verbal, porém: "permitiria". A despeito de sua relação com o Administrativo, o Direito Tributário ganha independência metodológica em razão do viés finalístico de que se revestem os atos nele contemplados  todos voltados, em maior ou menor intensidade, à ideia de arrecadação.

Essa medida posta, teríamos de concluir  agora, sim, pondo fim ao raciocínio — que tributário em sentido próprio é o processo que, lidando com o debate sobre a obrigação tributária (ou melhor, sua exigibilidade), trata de confirmar ou infirmar a atividade arrecadatória, posta ou pressuposta, fazendo-o de forma direta.

Em contraponto, processos cujo conteúdo, embora remotamente relacionado a uma obrigação tributária, não viabilizem juízo sobre a (in)exigibilidade do crédito tributário  prendendo-se, por assim dizer, a efeitos que lhe são orbitais , poderiam ser qualificados como "indiretamente" tributários, conclusão que os mantêm em nosso radar de interesse, mas sempre com a reserva de sua inconfundibilidade com o processo tributário em sentido próprio, direto e verdadeiramente instrumentalizador do particular ramo do Direito a que nos dedicamos.

Autores

  • Brave

    é juiz federal em São Paulo, professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP e professor e coordenador do curso e do grupo de estudos em "Processo tributário analítico" do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!