Opinião

Como o Google informa (ou não) sobre a utilização de nossos dados

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14 de novembro de 2021, 6h02

Em uma realidade na qual 4,66 bilhões de pessoas acessam ativamente a internet, a coleta, a análise e o comércio de dados pessoais como modelo de negócio é uma realidade não apenas estabelecida como em ascensão. Vivenciamos a denominada sociedade da vigilância — ou o capitalismo da vigilância —, em que se procura não apenas prever, como também modificar o comportamento humano como meio de produzir receitas e controle de mercado.

Tal lógica de mercado vem sendo empregada não apenas pelas grandes empresas online, como também tem se tornado um modelo para grande parte das startups online e aplicativos. O componente fundamental dessa economia de vigilância é o big data, do qual o Google é considerado pioneiro.

Por meio da captura de small data — pequenas informações da vida rotineira dos usuários — se constitui o big data. Para esse fim, segundo Zuboff, nada é trivial ou efêmero, desde as curtidas no Facebook, as buscas no Google, as trocas de e-mails, as localizações dos usuários, até as palavras com erros ortográficos.

A data exhaust — trilha de dados deixados pelos pelas atividades dos usuários — viabiliza o aprimoramento das análises e resultam em leilões mais lucrativos, de forma a demonstrar que a quantidade é mais relevante que a qualidade dos dados.

Em pesquisa acerca da política de privacidade disponibilizada pelo Google, objeto central da análise, encontra-se um documento redigido de forma totalmente superficial. Quando lida, parece demonstrar a preocupação quanto ao bem-estar do consumidor na utilização dos produtos, ocultando em grande medida a finalidade econômica da extração dos dados.

Contudo, a empresa, considerada pioneira do big data e da lógica de acumulação de dados, não detalha a forma do tratamento dos dados pessoais de seus usuários. Também não lhes resguarda do uso indevido, nem faz qualquer menção ao ganho econômico da empresa a partir desse uso, que figura como verdadeiro empreendimento.

Assim, parece haver um padrão na comunicação da política de privacidade: focar na conveniência da utilização dos serviços, sem oferecer qualquer possibilidade de que o usuário possa dar seu consentimento ou ter conhecimento a respeito de como seus dados estão sendo tratados.

Os usuários devem estar cientes de que essa conveniência tem um preço: a utilização de seus dados de maneira a promover uma perfilização tão acurada e abrangente que é capaz de prever todos os aspectos da nossa personalidade, como gostos, hábitos alimentares, sexuais, círculo de amizade etc. Por isso, embora não possamos lutar individualmente contra a tirania da imposição de regras de políticas de privacidade, coletivamente podemos entender cada vez mais essa realidade e endereçar meio de defesa contra a coleta indiscriminada de dados pessoais.

Tanto na descrição de suas políticas específicas quanto na geral, o Google se volta ao uso do consumidor, e não a como os dados pessoais coletados são utilizados. Sendo assim, o usuário não está totalmente a par da destinação dos seus dados, fator esse que enseja a violação ao princípio presente no artigo 6º, inciso VI, da Lei Geral de Proteção de Dados, qual seja, a transparência do tratamento de dados aos titulares.

Nas palavras de Véliz, "os usuários do Google deixaram de ser seus clientes; seus clientes agora eram os anunciantes. E nós, usuários, nos tornamos o produto. (…) Até hoje, o Google é principalmente uma empresa de publicidade". E, apesar da obscuridade acerca de como o Google faz uso dos dados pessoais de seus usuários, ao menos é possível termos um vislumbre da amplitude com que são coletados e tratados.

Por exemplo, ao se lançar um olhar para as políticas e termos voltados à versão coorporativa dos serviços da empresa, como os "Termos Específicos de Serviço do Google Workspace", percebemos que embora não haja menções específicas sobre monitoramento e/ou mineração de dados — data mining —, os meios para tal prática são possibilitados.

No que diz respeito ao Gmail, a integridade dos dados presentes em cada e-mail, isto é, linha do assunto, corpo do e-mail, anexos, remetentes e destinatários das mensagens, poderá ser armazenada pelo Google, de acordo com a "Política de Regiões de Dados do Google Workspace", a qual parece consistir quase que unicamente na escolha do local físico de armazenamento.

E, quanto à personalização de anúncios, mesmo quando desativada pelo usuário, a empresa informa que os anúncios ainda podem se basear no assunto do site ou aplicativo sendo visualizado, nos termos de pesquisa atuais ou na localização geral. Em outras palavras, não há forma de desativar totalmente a coleta desses dados.

Em suma, os usuários estão reféns de política de privacidade adotada pela empresa, bem como das demais corporações do ramo da tecnologia da informação que intermediam a forma como nos relacionamos com a internet na atualidade. Isso porque apenas alterações mínimas na privacidade de cada conta podem ser realizadas, mas, em caso de total discordância com a abordagem dada pelo processamento de dados pela empresa, a única opção do usuário é a não utilização do serviço.

 

Referências bibliográficas
GOOGLE. Aviso de privacidade do Google Cloud. Última modificação: 30 de maio de 2021. Disponível em: <https://cloud.google.com/terms/cloud-privacy-notice?hl=pt_PT>. Acesso em 29 out. 2021.

GOOGLE. Gmail Program Policies. Disponível em: <https://www.google.com/gmail/about/policy/>. Acesso em 29 out. 2021.

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GOOGLE. Política de Privacidade do Google. Em vigor a partir de 1 de julho de 2021. Disponível em: <https://policies.google.com/privacy>. Acesso em 29 out. 2021.

GOOGLE. Termos Específicos de Serviço do Google Workspace. Última modificação: 3 de junho de 2021. Disponível em: <https://workspace.google.com/terms/service-terms/>. Acesso em 29 out. 2021.

JOHNSON, Joseph. Global digital population as of January 2021 (in billions). Statista, 2021. Disponível em: <https://www.statista.com/statistics/617136/digital-population-worldwide/>. Acesso em: 5 nov. 2021.

TUMELERO, Naína Ariana Souza. Perfilização e Coleta de Dados Comportamentais: As políticas de privacidade da Google pela ótica consumerista no capitalismo da vigilância. Revista de Direito, Globalização e Responsabilidade nas Relações de Consumo, v. 7, p. 55-74.

VÉLIZ, Clarissa. Privacidade é poder: por que e como você deveria retomar o controle de seus dados. Trad. Samuel Oliveira. 1 ed. São Paulo: Editora Contracorrente, 2021.

ZUBOFF, Shoshana. Big Other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação. Trad. Antonio Holzmeister Oswaldo Cruz e Bruno Cardoso. In BRUNO, Fernanda (org.). Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2018. p. 17-68.

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