Opinião

Comentários sobre as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa

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13 de novembro de 2021, 15h13

No último dia 26, foi publicada a Lei 14.230/2021, que altera substancialmente a Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que dispõe sobre a responsabilização pela prática do ato de improbidade administrativa.

Entre as alterações, destaca-se a inclusão da necessidade do dolo para a configuração do ato de improbidade. Na redação anterior, a lei permitia que o ato de improbidade fosse praticado mediante dolo ou culpa. Agora, com a nova redação, há exigência expressa do dolo, rejeitando-se as hipóteses culposas.

Especialistas divergem com relação a essa alteração. Parte da doutrina entende que se trata de uma mudança positiva, que visa a conferir maior racionalidade à responsabilização por improbidade administrativa. Por outro lado, há os que apontam que se estabeleceu uma restrição excessiva ao alcance da lei, o que pode ocasionar a impunidade no tocante a determinadas condutas.

Com relação à responsabilização de pessoa jurídica, o texto aprovado determina que, havendo o reconhecimento da responsabilidade da pessoa jurídica com base na Lei Federal 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), afastam-se as penalidades da improbidade administrativa. Tal medida confere maior segurança jurídica, evitando-se a dupla punição sobre uma mesma conduta. Vale lembrar que, diferentemente da atual redação da Lei de Improbidade Administrativa, a Lei Anticorrupção prevê a responsabilidade objetiva por atos de corrupção, ou seja, sem a necessidade de constatação de dolo ou culpa, bastando apenas o reconhecimento do nexo de causalidade entre o fato ocorrido e o resultado obtido.

Adicionalmente, a nova lei estabelece que as sanções por improbidade administrativa também se aplicam às pessoas jurídicas na hipótese de alteração contratual, de transformação, de incorporação, de fusão ou de cisão societária. Contudo, nas hipóteses de fusão e de incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de reparação integral do dano causado pelo ato ímprobo, até o limite do patrimônio transferido, não sendo aplicáveis as demais sanções (proibição de contratar com o poder público e/ou multa, por exemplo), exceto na hipótese de simulação ou fraude.  

Trata-se de uma medida que visa a conferir maior segurança jurídica às operações de fusões e aquisições societárias, evitando-se que a empresa adquirente venha a herdar um passivo indevido em razão da prática de ato ilícito perpetrada pelos administradores da empresa adquirida. Inclusive, é uma medida mais garantista em relação à Lei Anticorrupção, que prevê a obrigação de a empresa sucessora arcar integralmente com o pagamento de multas eventualmente impostas, além da reparação do dano.

Ademais, o novo texto normativo cria a legitimidade exclusiva do Ministério Público para propor a ação de improbidade administrativa. No regime anterior, a União, estados, municípios e DF possuíam legitimidade concorrente para ajuizar ação civil pública de improbidade administrativa. Na prática, a situação anterior permitia que agentes políticos utilizassem as procuradorias para ajuizar ações de improbidade persecutórias contra a gestões anteriores. Com a titularidade exclusiva do Ministério Público, pretende-se diminuir a quantidade de ações propostas sem fundamento.

Se por um lado tal mudança é louvável por evitar o uso político da ação de improbidade, por outro há especialistas que criticam a diminuição do número de legitimados, que afastou importantes e qualificadas procuradorias (tal qual a AGU e a PGE-SP) da tutela da probidade administrativa. Inclusive, a nova lei, em seu artigo 3º, dispõe que, dentro do prazo de um ano, o Ministério Público deverá manifestar o interesse no prosseguimento das ações por improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso, sob pena de extinção do processo, sem resolução do mérito.

Por fim, um ponto de atenção diz respeito à exigência excessiva de dolo para a configuração do nepotismo como improbidade administrativa. Nos termos do artigo 11, §5º, da lei, não configura improbidade administrativa a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente. Reconhece-se que o Brasil é um país com um histórico patrimonialista e de nepotismo e, nesses casos, a comprovação da "finalidade ilícita" por parte do agente poderá restringir a responsabilização dessa prática. Ademais, entende-se que essa disposição pode ser considerada em desacordo com as disposições da Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal.

Apesar de toda a polêmica envolvendo as recentes alterações da Lei de Improbidade, fato é que a redação original estava defasada e dependia de uma atualização para conferir maior racionalidade e previsibilidade à responsabilização pela prática de ato de improbidade administrativa. Entende-se que as alterações normativas, em sua maior parte, são bem-vindas e que os órgãos de controle, especialmente o Judiciário e o Ministério Público, devem conferir interpretação aos dispositivos da lei que garantam a sua efetividade, especialmente no que diz respeito à segurança jurídica.

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