Improbidade em Debate

Uma acomodação entre concurso necessário e litisconsórcio facultativo

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12 de novembro de 2021, 8h00

Já exploramos neste espaço entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que dos tipos ímprobos não defluiria a possibilidade de particular, isoladamente ou mesmo com agente público como simples partícipe, realizar seus núcleos [1].

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Esse entendimento até sofreu temperamentos, havendo aresto em que se admitiu agente privado sozinho no polo passivo, porque, beneficiário de subvenção, estaria ele equiparado a agente público (AgInt no REsp nº 1.845.674, DJ de 18.12.2020). A par de nossas reservas [2] quanto ao raciocínio, essa pareceu ter sido a opção legislativa adotada pela reforma empreendida pela Lei nº 14.230/2021, a teor da redação que impôs ao parágrafo único do artigo 2º: "No que se refere a recursos de origem pública, sujeita-se às sanções previstas nesta Lei o particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a administração pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente". Inobstante a referida mudança, contingencial, temos que o “concurso necessário” seguiu sendo regra.

Como regra que já era no passado, não tardou para que surgisse debate, também já enfrentado por nós, sobre se daquele "concurso necessário" decorreria litisconsórcio necessário entre os agentes público e privado. A negativa jurisprudencial [3] recebeu nossa adesão, eis que um agente público que incorra em improbidade, favorecendo terceiros, não dependerá, para que seja contra ele eficaz a sentença, da inclusão no polo passivo dos beneficiários, particulares, de seu ato.

Ou seja, em nossa visão, a necessidade de concurso com agente público como condição para responsabilização de particulares em improbidade não repercute em que seja necessário o litisconsórcio: e.g., é possível ação apenas contra particulares se já condenado previamente, em ação anterior, agente público com o qual concorreram.

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Sem embargo, o ponto decisivo a inspirar este artigo está na possibilidade de que o assunto escale em complexidade, como ilustra julgado recente do Superior Tribunal de Justiça: o agravo interno no AREsp nº 1.402.806.

No referido caso, havia duas ações de improbidade ajuizadas acerca dos mesmos fatos. No que toca às partes, os agentes públicos figuravam em ambas, enquanto em somente uma delas estava o agente particular.

Diante desse cenário, e extinta a segunda ação em razão de litispendência parcial com relação aos agentes públicos, remanesceu, isolado, o agente privado, o que, segundo a corte regional, seria inviável, motivo por que igualmente extinto o processo quanto ao particular.

Frente àquele julgado, o Ministério Público Federal recorreu, tendo o apelo inicialmente sido desprovido monocraticamente pelo ministro Napoleão Nunes Maia. Interposto agravo interno, e aposentado o relator original, o ministro Manoel Erhardt votou pelo provimento do recurso, no que foi acompanhado pelo colegiado sob o fundamento de que ações conexas cumpririam o mister do concurso de agentes.

O julgado impôs então uma reflexão. Mantida a exigência do particular com agente público, mas não sendo a hipótese de litisconsórcio necessário, a maioria das situações não induzia grandes problemas.

O cenário ideal seria de litisconsórcio facultativo, simples, admitindo-se que agentes público e privado em polo passivo pudessem observar, respectivamente, condenação-condenação, absolvição-absolvição, condenação-absolvição e, até, absolvição-condenação, nessa última hipótese desde que tenha se reconhecido que, inobstante inocente o agente público réu do feito, o agente privado processado haja concorrido com outro agente público já condenado.

Mesmo que não fosse o caso de litisconsórcio, não haveria grandes indagações na hipótese de ação apenas contra particulares se já condenado previamente, em ação anterior, agente público com o qual concorreram.

A questão está na hipótese de ações concomitantes e separadas, contra agentes públicos e contra agentes privados. Nessa situação, como forma de observar o concurso necessário que reputamos exigido, como endereçar o risco de decisões conflitantes que absolvessem o agente público e condenassem o agente privado?

A primeira saída, mais natural, seria a conexão a reunir as demandas. Mas é sabido que nem sempre ações são intentadas em fase de conhecimento simultaneamente, sendo vedada a sobredita reunião quando um dos casos já houvesse sido julgado.

Em hipóteses tais, a segunda alternativa, segundo nos parece, seria suspender a ação contra o particular com fundamento no artigo 313, V, a, do Código de Processo Civil, à vista da prejudicialidade externa que se coloca: configuração prévia de ato de improbidade de autoria de agente público como condição de concorrência ou indução do particular.

Ocorre que, a teor do § 4º do mesmo artigo 313, o prazo de suspensão observa limite máximo de um ano, findo o qual haveria de ser retomado o processo contra o particular e revigorado o risco de decisões contraditórias. Nesse cenário drástico, e admitida situação em que o particular acabe condenado, sobrevindo posteriormente absolvição do agente público, se ainda em curso o processo contra o particular, a absolvição do agente público haveria de ser noticiada como fato superveniente a influenciar decisivamente em sua sorte (artigos 342, I, 493 e 933 do CPC).

Por outro lado, se já transitada em julgado a decisão contra o particular, incidiriam, de modo não excludente, a hipótese de inexigibilidade da obrigação/pena objeto de pedido de cumprimento (artigo 525, § 1º, VII, e §§ 11 e 12) ou, mesmo, a possibilidade de ação rescisória fundada em violação flagrante à norma jurídica (artigo 966, V). Eis então que surge nova indagação: e se a absolvição do agente público se desse posteriormente ao decênio decadencial da rescisória? Entendemos que, em caso extremo como esse, que seria o caso de recorrer a uma aplicação analógica do artigo 525, § 15, somente se aperfeiçoando o termo inicial prescricional do trânsito em julgado da decisão absolutória.


[1] AgRg no AREsp 574.500, DJ de 10/6/2015.

[2] O artigo 3º da Lei n. 8.429/1992, em sua redação original, colocava ao seu alcance os particulares beneficiários de improbidade, isso é fato. Acontece que a referida norma possuía como razão de ser unicamente admitir agentes privados como sujeitos ativos capazes de incorrer num dos tipos do diploma, o que não dispensava a necessidade de subsunção de sua conduta a algum daqueles tipos e nem prejudica a exigência de elemento subjetivo — daí ter andado bem a reforma ao eliminar o mero benefício como apto a descrever sujeito ativo.

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