Proibição desproporcional

STF forma maioria para permitir que cônjuge de diplomata atue no exterior

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10 de novembro de 2021, 19h46

O impedimento de exercício provisório, em postos e repartições do Ministério das Relações Exteriores em outros países, dos cônjuges e companheiros de agentes do Serviço Exterior Brasileiro (SEB), no caso de deslocamento destes para aquelas unidades, viola o dever de tutela da instituição familiar, atenta contra o direito social ao trabalho e ofende o princípio da isonomia.

Carlos Humberto/SCO/STF
Luix Fux disse que Estado tem o dever constitucional de proteger as famíliasCarlos Humberto/SCO/STF

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal formou, nesta quarta-feira (10/11), maioria para declarar a inconstitucionalidade do artigo 69 da Lei 11.440/2006. Nove ministros votaram nesse sentido. O julgamento será retomado nesta quinta (11/11), com o voto do decano, Gilmar Mendes, e a fixação de tese.

O artigo 69 da Lei 11.440/2006, que institui o Regime Jurídico dos Servidores do Serviço Exterior Brasileiro, tem a seguinte redação: "Não haverá, nas unidades administrativas do Ministério das Relações Exteriores no exterior, o exercício provisório de que trata o parágrafo 2º do artigo 84 da Lei 8.112/1990."

Já o parágrafo 2º do artigo 84 da Lei 8.112/1990 estabelece que: "No deslocamento de servidor cujo cônjuge ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da administração federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo".

O relator do caso, ministro Luiz Fux, afirmou que, em caso de deslocamento de cônjuge ou companheiro também funcionário público civil ou militar de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a legislação oferece aos servidores três alternativas: a remoção a pedido para outra unidade do órgão a que esteja vinculado, independentemente do interesse da administração; a licença do cargo efetivo, por prazo indeterminado e sem remuneração; e o exercício provisório em outro órgão ou entidade da administração federal direta, autárquica ou fundacional, em atividade compatível com o cargo ocupado (artigo 84, parágrafo 2º, da Lei 8.112/1990).

O presidente da Corte ressaltou que o Supremo entendeu que a remoção para acompanhamento de cônjuge é direito do servidor, independentemente da existência de vagas (mandado de segurança 23.058).

Ainda assim, a transferência é condicionada à existência, no local de destino, de unidade específica do órgão ao qual pertença o servidor, apontou Fux. Por outro lado, o exercício provisório pode se dar em qualquer órgão da administração pública federal direta, desde que possível o desempenho de atribuições compatíveis com o cargo efetivo do servidor e haja transitoriedade no deslocamento.

"No exercício provisório para acompanhamento de cônjuge, o servidor continua vinculado ao órgão de origem, especificamente na vaga para a qual foi aprovado em concurso público. É apenas o exercício de suas atribuições que se desloca para o órgão de destino. Assim, nem a remoção, nem o exercício provisório configuram forma de provimento. Ao não ocasionarem mudança definitiva para cargo pertencente a quadro de pessoal diverso, de órgão ou instituição do mesmo Poder, distinguem-se da transferência, modalidade de provimento derivado declarada inconstitucional por esta Corte, por meio das ADI 231 e ADI 837, e revogada pela Lei 9.527/97", avaliou o relator.

De acordo com o presidente do STF, a restrição a cônjuges e companheiros de agentes do SEB de exercer provisoriamente funções em postos e repartições do Itamaraty no exterior faz com que lhes sobre pedir licença sem remuneração. Afinal, o teletrabalho ainda é permitido por poucos órgãos. Portanto, tal proibição é anti-isonômica, declarou o magistrado. A seu ver, tais servidores poderiam desempenhar tarefas de apoio técnico ou atos de gestão administrativa em unidades em outros países.

Luiz Fux lembrou que o Estado tem o dever de proteger as famílias (artigo 226 da Constituição). A licença para acompanhamento do cônjuge, com ou sem exercício provisório, é instituto que instrumentaliza essa proteção constitucional, resultado da ponderação feita pelo legislador entre os valores da família e o interesse da administração pública, ressaltou o ministro.

"Os elevados custos inerentes à mudança e à subsistência em outro país, a despeito das verbas indenizatórias que os agentes do SEB recebem, impõem aos cônjuges e companheiros de integrantes do corpo diplomático a escolha trágica entre, de um lado, lidar com o decréscimo patrimonial decorrente da perda integral da remuneração por licença do cargo ou, de outro, sacrificar o convívio conjugal em prol da contribuição para sustento da família", sustentou.

Segundo ele, tal restrição atenta contra a proteção constitucional à família e hostiliza a participação feminina em cargos diplomáticos, ao lhe impor um custo social que ainda não recai sobre os homens em idêntica situação. Fux citou que apenas 23% dos diplomatas são mulheres.

Na visão do relator, a possibilidade de aproveitamento dos cônjuges e companheiros de servidores do Itamaraty também traz vantagens para o serviço público, aumentando a eficiência administrativa. Isso porque torna ambas as carreiras mais atrativas, o que pode resultar em mais e melhores candidatos disputando as vagas.

"No caso dos servidores cônjuges de diplomatas, a medida gera menor quantidade de exonerações por motivos familiares e, indiretamente, melhor desempenho dos servidores motivados por satisfação geral proporcionadas pela proximidade da família. Isso porque, diferentemente da licença sem remuneração, o exercício provisório ainda permite a progressão funcional do servidor e a contagem de tempo de serviço para o servidor e consequentemente a aposentadoria", disse.

"No caso dos diplomatas, a medida pode resultar em menor número de rejeição de postos externos; maior interesse na lotação em postos menos atraentes; menor frequência de ausências e licenças de servidores por motivos familiares; e, sobretudo, maior inserção das mulheres nesse setor", completou.

Outros votos
O voto do relator foi seguido pelos ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.

Nunes Marques apontou que as famílias têm o direito de morar na mesma casa, conforme o artigo 226 da Constituição. E o impedimento a parceiros de diplomatas exercerem funções no exterior é medida desproporcional.

"Por mais singularidades que tenha a carreira diplomática, será que somente a ela deve se aplicar uma exceção absoluta? Para todas as carreiras, isso [transferência para acompanhar cônjuge] é possível. Para o Itamaraty, em cargos no exterior, não. Não me parece que a carreira diplomática seja a única do serviço público à qual não possa se aplicar a regra", avaliou Alexandre de Moraes.

Edson Fachin destacou que a restrição impõe uma "escolha de Sofia" às famílias, que devem optar entre a progressão na carreira ou ficar perto do/a parceiro/a. E tal vedação impacta ainda mais as mulheres, ressaltou.

Já Barroso afirmou que é possível exigir que o Estado se abstenha de praticar condutas que desprotejam a família. E a restrição a servidores de exercer provisoriamente atividades em postos do Brasil no exterior cria um ônus desnecessário e indevido às famílias, opinou.

Clique aqui para ler o voto de Luiz Fux
ADI 5.355

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