Fim de Pacto

Redução da cláusula penal por inadimplemento deve respeitar objetivo do contrato

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10 de novembro de 2021, 18h24

A excessividade da cláusula penal por inadimplemento de obrigação contratual deve ser apurada de maneira relacional à natureza e finalidade do negócio firmado. Portanto, não há método fixo. O juízo é de ponderação, a partir de cada caso concreto.

CBF
Patrocínio foi firmado para associar marca às diversas categorias da seleção brasileira CBF

Com essa premissa e por maioria de votos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu reformar o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que reduziu drasticamente o valor da cláusula penal fixada em contrato de patrocínio da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

O contrato foi assinado pela Marfrig, empresa detentora da Sadia, e previa o pagamento de 136 milhões de dólares em 64 parcelas trimestrais, além de outros 24 milhões de dólares destinados à compra de duas aeronaves, em troca de estampar a marca nos uniformes de diferentes categorias da seleção brasileira de futebol.

O acordo tinha longa duração, de 2011 a 2026. Em junho de 2012, no entanto, a Marfrig deixou de honrar as prestações. Após seguidas notificações, em maio de 2013 a CBF considerou o contrato rompido e ingressou com ações para receber as parcelas atrasadas, além da multa fixada na cláusula penal, de 20% do valor total do patrocínio.

Com fundamento no artigo 413 do Código Civil, as instâncias ordinárias reduziram o valor da multa para a quantia fixa de 2 milhões de dólares, baseado no fato de que o prejuízo da CBF durou pouco tempo — apenas um mês após a rescisão do contrato, a entidade fechou novo acordo com a Brasil Foods (BRF), concorrente direta da Marfrig.

Por maioria de votos, a 3ª Turma concluiu que esse entendimento é inadequado.

A CBF foi representada na ação por advogados do escritório Perdiz de Jesus Advogados. "No julgamento prevaleceu o entendimento que a cláusula penal não tem como única função a pré-fixação de perdas e danos, mas também a função coercitiva para que os contratantes cumpram com as obrigações avençadas", comentou o advogado Rodrigo Neiva Pinheiro.

Gustavo Lima
Para ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, cláusula penal no caso tinha finalidade de coagir cumprimento do contratoGustavo Lima

Finalidade do contrato
Relator do recurso especial, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou que a cláusula penal tem duas finalidades distintas: coagir as partes a cumprir o que foi acordado; ou indenizatória, de modo a antecipar eventuais perdas e danos pelo rompimento repentino da avença.

Os critérios para analisar a redução equitativa da cláusula penal, admitida no artigo 413 do Código Civil, vão se alterar a depender de qual dessas finalidades se mostrar preponderante.

No caso, por se tratar de longo contrato de patrocínio, cujos valores serviriam para financiar as atividades da CBF, a cláusula tem nítida finalidade coercitiva. Por isso, o ministro Cueva destacou que a redução deve observar a natureza e a finalidade do negócio.

"A cláusula penal não poderia ser reduzida ao valor de uma única prestação trimestral ao fundamento de que esta seria a quantia que mais se aproxima do prejuízo suportado [pela CBF], sob pena de desvirtuamento do instituto", explicou.

"O fato de a CBF ter conseguido firmar um novo contrato de patrocínio em pouco tempo é mérito que só pode ser atribuído a ela própria e não serve para amenizar a falta atribuída à patrocinadora, nem para reduzir clausula penal", concluiu.

Lucas Pricken/STJ
Para ministro Bellizze, critérios para redução da cláusula penal devem ser definidos pelas instâncias ordináriasLucas Pricken/STJ

Novos critérios
Com isso, propôs uma nova abordagem ao caso concreto. Observou que, dos 160 milhões de dólares acordados pelo patrocínio, a Marfrig chegou a pagar apenas R$ 15 milhões — menos de 10% do total. Por isso, entendeu razoável que o percentual fixado na cláusula penal, de 20%, incida somente sobre as parcelas com vencimento posterior à data da rescisão.

Assim, a multa é de 20% sobre 116 milhões de dólares: 23,2 milhões. Para o relator, o montante é adequado para evitar que ocorram situações em que o patrocinador perceba que sairá mais barato rescindir antecipadamente o contrato e pagar as punições decorrentes disso.

"Eventual redução superior a essa poderia desvirtuar a finalidade coercitiva da cláusula penal, já que preponderância da função coercitiva justifica a fixação de multa elevada para hipótese de rescisão antecipada, especialmente para contrato de patrocínio em que o tempo de exposição e o prestigio acompanham grau de desempenho da equipe patrocinada", disse.

Divergência
Acompanharam o relator o ministro Moura Ribeiro, que reiniciou o julgamento com leitura de voto-vista na última terça-feira (9/11), e o ministro Paulo de Tarso Sanseverino. A ministra Nancy Andrighi não participou. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio Bellizze.

Para a divergência, não cabe ao STJ substituir os critérios fixados pelas instâncias ordinárias para reduzir a cláusula penal conforme critérios próprios. O local apropriado para essa readequação, em sua opinião, seria as instâncias ordinárias.

REsp 1.803.803

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