Opinião

Guia de boas práticas para a publicidade infantil: um olhar sobre seu valor jurídico

Autor

  • Alexandre Peres Rodrigues

    é mestre em Direito do Estado pela USP especialista em Direito do Consumidor pela Damásio Educacional coordenador adjunto da Comissão de Direito das Relações de Consumo da OAB/Jabaquara membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e autor da obra "Os serviços públicos na avaliação de governo: uma narrativa sobre sua relação e efetividade" (ed. Dialética 2021).

10 de novembro de 2021, 6h04

No mês passado foi divulgado o "Guia de Boas Práticas para a Publicidade Online Voltada ao Público Infantil", documento firmado entre o Google e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), como fruto da composição da empresa com o Ministério Público, derivada de uma ação civil pública na qual se questionava publicidade irregular voltada ao público infantil por suposta estratégia abusiva de publicidade.

O documento foi produzido no formato de um manual, ou seja, é um guia de "boas práticas" destinado a anunciantes, agências, influenciadores e outros atores a fim de que possam se balizar ao desenvolver materiais publicitários e de comunicação comercial voltados ao público infantil, em ambiente online.

Sobre sua força jurídica, vale debater alguns pontos. É certo que o manual não tem a força cogente de uma lei, assim como a sua não adoção não redunda num descumprimento da decisão judicial da citada ação civil pública. Seu perfil aproxima-se de um instrumento de consulta para eventuais ações publicitárias voltadas ao público infantil, já que não é uma norma em si e não tem o poder de condicionar campanhas publicitárias, eis que esse não é o papel do Conar: esta é uma organização não governamental voltada à promoção da liberdade de expressão publicitária e à defesa das prerrogativas constitucionais da propaganda comercial.

Nesta primeira camada de análise, pode-se pensar no guia possivelmente como um marco de compliance entre os atores das ações publicitárias. Entretanto, devemos avançar para outras visões mais complexas.

O primeiro avanço remete ao perfil dos assuntos tratados: publicidade e infantil. Tratando em outros termos: direito do consumidor e direito das crianças. Ambos direitos fundamentais e políticas públicas a serem perseguidas pelo Estado brasileiro, de modo que se faz fazer princípios destas leis: o "estudo constante das modificações do mercado de consumo" (artigo 4º, VIII do CDC) e a "efetivação dos direitos referentes à cultura, à dignidade, ao respeito" das crianças e adolescentes (artigo 4º, caput do ECA).

Além do que, e talvez com mais vigor, o guia concretiza os fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 10709/2018), desenvolvendo o conteúdo jurídico do critério ambivalente da proteção da liberdade unida ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (artigos 1º e 2º). Em especial, mostra-se como uma ótima aplicação das diretrizes da LGPD para os dados de crianças e adolescentes presentes no artigo 14, com destaque para a consideração do melhor interesse destas na ação publicitária.

Considerando o vácuo e/ou o engessamento legislativo voltados à publicidade online infantil, é de bom grado ter em conta esse guia principalmente pelo protagonismo de atores privados (Google e Conar) na sua realização, já que são os verdadeiros detentores do acervo das boas práticas relacionadas a esse tema.

Autores

  • é mestre em Direito do Estado pela USP, especialista em Direito do Consumidor pela Damásio Educacional, coordenador adjunto da Comissão de Direito das Relações de Consumo da OAB/Jabaquara, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e autor da obra "Os serviços públicos na avaliação de governo: uma narrativa sobre sua relação e efetividade" (ed. Dialética, 2021).

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