Sobre o filtro da relevância para o recurso especial no STJ
10 de novembro de 2021, 19h10
O Senado Federal aprovou no último dia 3 uma proposta de emenda à Constituição, enviada em 2012 e aprovada na Câmara em 2017, que confere ao Superior Tribunal de Justiça um filtro de relevância para o julgamento do recurso especial, a exemplo do que já acontece com recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (criado pela Emenda Constituição nº 45/2004).
No recurso especial dirigido ao STJ, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, a fim de que o tribunal examine a admissibilidade, podendo não conhecer do recurso por esse motivo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para julgamento. Haverá relevância nos seguintes casos: ações penais, ações de improbidade administrativa, ações cujo valor da causa ultrapasse a 500 salários mínimos, ações que possam gerar inelegibilidade, hipóteses em que o acórdão recorrido possa contrariar a jurisprudência dominante do STJ, e outras hipóteses previstas em lei.
Segundo os propósitos da iniciativa, a proposta corrige uma distorção do sistema, permitindo que o STJ se concentre em sua missão de uniformizar a interpretação da lei federal, deixando de atuar como um órgão revisor de terceira instância.
Não são atuais as discussões em torno do excessivo número de recursos dirigidos aos tribunais superiores. Desde a primeira metade do século passado, a doutrina faz menção à denominada crise do STF, em razão do crescente e excessivo número de recursos dirigidos àquela corte. Os números de recursos especiais dirigidos ao STJ são crescentes e expressivos: 335.779 (2016), 332.284 (2017), 346.337 (2018), 384.900 (2019) e 354.398 (2020).
Por oportuno, é assente a orientação de que os tribunais superiores não são precipuamente vocacionados à proteção do direito subjetivo das partes, mas, sim, à proteção do direito objetivo. O propósito de ofertar a justiça do caso concreto — portanto, protegendo os direitos subjetivos das partes — por si só não justifica a criação de órgão de cúpula do Poder Judiciário para que funcione como um órgão de terceiro grau de jurisdição.
Por isso, há uma tendência mundial no sentido de conferir aos tribunais superiores o poder de selecionar os processos que vão decidir. É assim na Suprema Corte dos Estados Unidos, mediante o appeal e o writ of certiorari, e na Corte Federal de Justiça na Alemanha, mediante o recurso de revision.
Com efeito, é inegável que as decisões proferidas pelos tribunais superiores devem ter caráter paradigmático, transcendendo o caso concreto, irradiando o seu entendimento para toda a comunidade jurídica, a fim de unificar a aplicação do direito federal.
Segundo Arruda Alvim, "a expectativa, senão mesmo a imprescindível necessidade social — em relação às decisões de um Tribunal de cúpula, e, no caso, o Superior Tribunal de Justiça é o fecho da abóboda da justiça sobre a legalidade infraconstitucional —, é a de que sejam paradigmáticas, pois que o rumo dessas vale como roteiro para os demais tribunais e jurisdicionados, mercê dos precedentes assentados" (a alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial e a relevância das questões, Revista de Processo, nº 96, p. 38).
Justamente por serem as decisões dos tribunais superiores paradigmáticas, servindo de modelo a todos os outros órgãos do Poder Judiciário, e em face do excesso de processos que ingressam naquelas cortes, é que se infere que a arguição de relevância da questão é a solução possível que pode resolver essa problemática sem que se desconfigure a finalidade dos recursos extraordinários.
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