a regra é clara

Equidade em honorários não é interpretar, mas declarar inconstitucionalidade

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8 de novembro de 2021, 19h29

Afastar a aplicação do artigo 85, parágrafo 3º do Código de Processo Civil por sua pretensa irrazoabilidade é medida descabida que não corresponde a interpretação da norma, mas a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto — mesmo nos casos vultosos em que a Fazenda Pública é vencida.

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Ives Gandra da Silva Martins é um dos pareceristas que assinam o documentoReprodução

É o que apontam os tributaristas Ives Gandra da Silva Martins, Igor Mauler Santiago e Marcelo Magalhães Peixoto, em parecer encomendado pelo Conselho Federal da OAB sobre o Tema 1.076 dos recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça. O julgamento está marcado para 1º de dezembro.

O artigo 85 do CPC, em seu parágrafo 3º, define que os honorários de sucumbência serão arbitrados em percentuais pré-definidos e divididos em faixas, de acordo com o valor ou o provimento econômico da causa.

O artigo 8º, por sua vez, diz que "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa" — ou seja, fora dos parâmetros antes estabelecidos.

Para os tributaristas, as decisões que estendem a apreciação equitativa também aos casos em que o proveito da causa é muito alto, enquadrando-as na hipótese de "irrazoabilidade", mais do que interpretarem o artigo 85, declaram — sem o dizer — a inconstitucionalidade deste último.

"Não se trata de calar o STJ, mas de buscar que este se pronuncie por seu único órgão habilitado a declarar a inconstitucionalidade das leis: a Corte Especial — pois de mera interpretação, está visto, não se trata", diz trecho do documento.

Igor Mauler Santiago também assinou parecer para o Conselho Federa da OAB

Críticas improcedentes
Quem defende a apreciação equitativa de honorários quando o valor da causa for muito alto o faz por entender, basicamente, que a remuneração do advogado se torna desproporcional em relação ao trabalho por exercido, gerando enriquecimento sem causa às custas do orçamento dos entes públicos.

Para os juristas, as críticas não procedem. Primeiro porque os honorários de sucumbência remuneram um trabalho de longo prazo, especialmente no caso de execuções fiscais, maior gargalo do Judiciário brasileiro cuja tramitação, não raro, ultrapassa uma década.

Segundo porque os honorários não são totalmente apropriados pelos advogados. Eles se destinam a custear estrutura física de trabalho e remunerar membros dos escritórios: sócios, advogados empregados, estagiários e corpo administrativo.

Também afirmam que causas de elevadíssimo valor "quase nunca são destituídas de qualquer complexidade" e representam um desafio em si mesmas, dados os enormes riscos envolvidos numa atividade em que a responsabilidade é pessoal e ilimitada.

Além disso, os honorários exercem uma função de dissuadir o litígio desnecessário e puni-lo, algo que não pode ser confundido com sua função remuneratória. O ajuizamento de processos no Judiciário brasileiro não pode ser livre de riscos.

"Pensemos na inscrição automática de débitos em dívida ativa, não precedida de um verdadeiro controle de legalidade, que gera uma miríade de execuções fiscais insubsistentes; no redirecionamento aleatório de execuções fiscais; na execução de tributos declarados indevidos há décadas, como o ICMS sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular", elencam os tributaristas, no parecer.

Gustavo Lima/STJ
Ministro Og Fernandes é o relator do repetitivo na Corte Especial do STJ
Gustavo Lima/STJ

"Crítica injusta"
Em conclusão, o parecer declara que "o artigo 85, parágrafo 3º do CPC é perfeitamente constitucional, sendo descabido o seu afastamento por pretensa irrazoabilidade — que não é interpretação, mas declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto – mesmo nos casos vultosos em que vencida a Fazenda Pública".

O texto serve, também, para rebater a crítica feita pela ministra Nancy Andrighi, no julgamento de outro caso na Corte Especial (REsp 1.644.077) em que se discute exatamente a mesma coisa – e que também voltará à pauta do colegiado em 1º de dezembro.

Em novembro de 2020, ao proferir voto-vista, a ministra Nancy fez menção à Ação Declaratória de Constitucionalidade 71 ajuizada pelo Conselho Federal da OAB no Supremo Tribunal Federal, com pedido de que o Judiciário seja proibido de aplicar o artigo 85 do Código de Processo Civil fora das hipóteses literalmente estabelecidas.

O processo não tem decisão liminar e foi redistribuído ao ministro Nunes Marques. Para Nancy, trata-se de tentativa de impedir que o Superior Tribunal de Justiça dê a última palavra na interpretação da lei federal sobre honorários de sucumbência em causas envolvendo a Fazenda Pública.

Para os pareceristas convidados pela OAB, a crítica é injusta. "Não se trata de calar o STJ, mas de buscar que este se pronuncie por seu único órgão habilitado a declarar a inconstitucionalidade das leis: a Corte Especial — pois de mera interpretação, está visto, não se trata", dizem.

"E de garantir que, respeitando essa formalidade, o Tribunal não feche as portas à revisão do STF, a quem a própria Constituição confiou a sua guarda", acrescentaram.

O REsp 1.644.077 voltará a ser apreciado pela Corte Especial com voto-vista do ministro Og Fernandes. Ele é, também, o relator do recurso repetitivo que definirá tese sobre o tema.

Clique aqui para ler o parecer
REsp 1.850.512
REsp 1.877.883
REsp 1.906.623
REsp 1.906.618

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