Processo Tributário

As contrarrazões recursais e a sua (im)prescindibilidade

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7 de novembro de 2021, 8h00

Partindo-se das premissas segundo as quais: 1) o processo tributário não é um fim em si mesmo [1], mas instrumento para solucionar um conflito material [2]; e de que 2) os recursos, por serem desdobramentos do direito de ação, na mesma medida devem ser compreendidos, o presente trabalho objetiva demonstrar que o mesmo tratamento devem receber as contrarrazões recursais.

Não se olvida de que a ausência de contrarrazões possui impacto distinto sobre a relação material conflituosa, uma vez que a não interposição do recurso propriamente dito implica a formação da coisa julgada [3]. Em que pese a não apresentação das contrarrazões não afete diretamente o conteúdo da decisão, já que supõem o exercício da recorribilidade pelo vencido, reputa-se adequado revisitar o entendimento dominante de que sua apresentação constitui mera faculdade do jurisdicionado e não se consubstancia em um ônus processual.

Sobre esse específico ponto, reputamos que o Código de Processo Civil/2015 (CPC) trouxe dispositivos que tornam imperativa a apresentação das contrarrazões recursais, a depender do que se pretende discutir.

Exemplo disso é a hipótese em que a parte vencedora que obteve sentença acolhendo sua pretensão tenha que impugnar decisão interlocutória não agravável e que lhe foi desfavorável, uma vez que a referida irresignação deve ser engendrada em preliminar de contrarrazões de apelação, nos termos do que prescreve o §1º do artigo 1.009 do CPC [4].

Outra situação que pode ser levantada para confirmar nossa posição é aquela em que as contrarrazões configuram o meio adequado para (re)provocação [5] da jurisdição pelo vencedor (recorrido, na instância recursal), nas circunstâncias em que nem todos os argumentos convocados tenham sido objeto de análise na instância a quo, não obstante o que dispõe o inciso IV [6] do §1º do artigo 489 do CPC, o que tolhe a parte de discutir essas questões pela via recursal, já que o vencedor, em regra, não possui interesse recursal, o qual se revela no binômio sucumbência e perspectiva de maior vantagem.

No específico contexto do processo tributário, podemos trazer como exemplo o caso do contribuinte que se insurja contra uma determinada exigência fiscal por meio da invocação de três fundamentos (causas de pedir): 1) decadência; 2) iliquidez do título executivo; e 3) ilegalidade e/ou inconstitucionalidade do tributo.

Imaginando que na sentença seja acolhida a alegação de decadência, extinguindo-se, via de consequência, o crédito tributário. Nesse caso, o contribuinte não possuirá interesse recursal [7], pois, a princípio, figura como vencedor e, por conseguinte, supostamente, não existiria perspectiva de obtenção de maior vantagem do que a já obtida com a sentença em razão de eventual recurso a ser interposto.

Todavia, há sempre o risco de provimento do recurso da parte vencida e, para que o recorrido (contribuinte vencedor) não fique à mercê de ver revertida a decisão que lhe foi favorável, sem que sejam analisados seu segundo e terceiro argumentos, além de utilizar suas contrarrazões para impugnar as razões recursais do recorrente (vencido), deverá manejá-la inserindo uma espécie de causa de pedir eventual veiculada em suas contrarrazões recursais, a fim de que sejam analisados todos os seus argumentos, caso se entenda que apenas o primeiro não é suficiente para manter a vitória no tribunal ad quem.

Não se ignora que, em apelação, a teoria da causa madura permite que sejam analisadas matérias de mérito não abarcadas pela sentença, nos termos do que dispõe o artigo 1.013, §§3º e 4º, do CPC [8]. Todavia, tal aspecto revela a importância do conteúdo das contrarrazões como meio adequado para demonstrar ao tribunal ad quem que, superado o reconhecimento da decadência (primeiro argumento), devem ser analisados os fundamentos da iliquidez do título executivo e ilegalidade/inconstitucionalidade do tributo sob discussão (segundo e terceiros argumentos).

Assim como o recurso, as contrarrazões recursais constituem instrumento processual adequado à parte vencedora para obter a análise de todos os fundamentos ventilados, mas não conhecidos, em primeiro grau, e que exige, na mesma medida que o recurso do vencido, o adequado delineamento da causa de recorrer [9].

Tal técnica é necessária a fim de que se atinja a máxima fundamentação [10], que, inclusive, e segundo manifestação do Superior Tribunal de Justiça [11] é conditio sine qua non para o devido prequestionamento das questões, permitindo que sejam analisadas pelas instâncias superiores.

Assim, e retomando o exemplo acima, se os argumentos dois (iliquidez do título executivo) e três (tributo eivado de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade) forem ignorados pela decisão que acatou apenas um argumento (a decadência), é essencial que o recorrido averbe os argumentos omitidos em suas contrarrazões recursais, tanto para "manter viva" a discussão acerca do segundo e terceiro argumentos, como para fins de prequestionamento voltado a viabilizar o processamento de eventuais recursos excepcionais [12].

Ao se utilizar dessa técnica, o jurisdicionado buscará afastar decisões que deixem de apreciar o mérito da causa sob a simples alegação de que a matéria não foi prequestionada, permitindo, assim, uma maior efetividade na prestação jurisdicional pelas cortes superiores.

Previne-se a preclusão e consagra-se a máxima fundamentação a fim de solucionar, de fato, o conflito tributário.


[3] Vale relembrar: uma das características dos recursos é impedir, ou evitar, a formação da coisa julgada.

[4] "Artigo 1.009 — Da sentença cabe apelação.
§ 1º. As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões".

[6] "Artigo 489 — São elementos essenciais da sentença:
(…)
§1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador".

[7] O interesse em recorrer, porque extensão do direito de ação, consagra-se no binômio necessidade/utilidade do provimento a ser dado no julgamento do recurso e que supõe a pretensão do vencido de melhorar sua condição no processo mediante a provocação da jurisdição revisiva sobre o ato judicial decisório

[8] "Artigo 1.013 — A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§3º. Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I – reformar sentença fundada no art. 485;
II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
§4º. Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau".

[11] Entendimento exarado nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 227.767.

[12] Denominamos o recurso extraordinário e o recurso especial de "recursos excepcionais".

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