Opinião

A inovadora recomendação do CNJ sobre autocomposição tributária

Autores

  • Marcus Livio Gomes

    é professor associado de Direito Tributário da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e pesquisador associado da Universidade de Londres.

  • Trícia Navarro Xavier Cabral

    é juíza de Direito no Tribunal de Justiça do Espírito Santo pós-doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) doutora em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) mestre em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e juíza auxiliar da Presidência do CNJ.

  • Doris Canen

    é LLM em Direito Tributário Internacional pela King’s College London pós-graduada em Direito Tributário pela FGV membro do Grupo de Pesquisa de Tributação e Novas Tecnologias da FGV e de Tributação Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do IBDT e chefe de gabinete da Secretaria Especial de Programas Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ.

7 de novembro de 2021, 9h14

O constante avanço da consensualidade [1] na legislação brasileira impulsiona novas frentes de atuação no Conselho Nacional de Justiça, relacionadas ao tratamento adequado de conflitos. Assim, disputas envolvendo variadas temáticas têm sido objeto de atenção do CNJ, por meio da instituição de atos normativos e incremento de políticas públicas afetas à resolução de conflitos.

Não obstante, se em um passado recente só se cogitava a autocomposição no campo dos direitos disponíveis, a evolução do nosso sistema passou a permitir espaços de consenso em matérias de elevado interesse público, como na esfera administrativa e até mesmo no âmbito penal.

E o mesmo ocorreu no Direito Tributário. Com efeito, o disposto na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), trata do Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de Direito Tributário aplicáveis à União, aos estados e aos municípios e prevê no artigo 156, inciso III, e no artigo 171 a transação como instrumento resolutivo de litígios relativos à cobrança de créditos da Fazenda Pública de natureza tributária.

Ademais, o microssistema normativo de métodos adequados de tratamento de conflitos aplicável ao Direito Tributário é composto também por uma extensa quantidade de leis atinentes a matérias não só tributárias como também de processo civil, arbitragem, recuperação judicial e falências, entre outras [2].

Nesse contexto, o CNJ, por meio da Portaria nº 206, de 27 de agosto de 2021 [3], instituiu um grupo de trabalho, sob coordenação da ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça, destinado a auxiliar na implementação da autocomposição tributária no âmbito do Poder Judiciário, que trabalhou entre setembro e outubro.

Após intensos debates pelos especialistas, todos convergiram quanto à necessidade de se estimular o tratamento adequado de conflitos de natureza tributária, por meio de negociação, conciliação, mediação, arbitragem ou transação tributária, com vistas a garantir tramitação mais célere e uniforme dos processos, em linha com o movimento global, do qual o Brasil não pode e não deve ficar na contramão.

Essa comunhão de esforços resultou na edição da Recomendação nº 120/2021, aprovada à unanimidade na 95ª sessão virtual do CNJ, publicada na quarta-feira (3/11), e que traz diversas inovações, entre as quais vale destacar as seguintes diretrizes aos tribunais pátrios:

1) Priorização, pelos magistrados, sempre que possível, da solução consensual da controvérsia, estimulando a negociação, a conciliação, a mediação ou a transação tributária, extensível à seara extrajudicial, observados os princípios da Administração Pública e as condições, os critérios e os limites estabelecidos nas leis e demais atos normativos das unidades da Federação (artigo 1º, caput);

2) Que a audiência prevista no artigo 334 do CPC não seja dispensada nas demandas que versem sobre direito tributário, salvo se a Administração Pública indicar expressamente a impossibilidade legal de autocomposição ou apresentar motivação específica para a dispensa do ato (artigo 2º);

3) A criação, pelos tribunais, de varas especializadas com competência exclusiva para processar e julgar demandas tributárias antiexacionais, com vistas a garantir tramitação mais célere e uniforme dos processos e assegurar tratamento isonômico a todos os jurisdicionados (artigo 3º);

4) celebração de protocolos institucionais com os entes públicos, objetivando: 1) a disponibilização das condições, dos critérios e dos limites para a realização de autocomposição tributária, inclusive na fase de cumprimento de sentença; 2) a ampla divulgação de editais de propostas de transação tributária e de outras espécies de autocomposição tributária; 3) a apresentação de hipóteses nas quais a realização de audiência prevista no artigo 334 do CPC em demandas tributárias seja indicada; 4) a otimização de fluxos e rotinas administrativas entre os entes públicos e o Poder Judiciário no tratamento adequado de demandas tributárias; 5) o intercâmbio, por meio eletrônico, de dados e informações relacionados às demandas tributárias pendentes de julgamento que envolvem o ente público (artigo 4º); e

5) A implementação, pelos tribunais, de Centros Judiciários de Solução de Conflitos Tributários (Cejusc Tributário) para o tratamento de questões tributárias em fase pré-processual ou em demandas já ajuizadas (artigo 5º).

Dessa forma, é possível notar que o Poder Judiciário brasileiro está agindo para buscar a modernização e evolução na forma de lidar com questões tributárias, na expectativa de que o referido ato normativo resulte na mudança de paradigma quanto à possibilidade de consensos nas demandas que envolvem conflitos de natureza tributária, trazendo ainda, como reflexo, a redução do acervo [4] e o auxílio na melhoria da relação entre Fisco e contribuinte no âmbito do Poder Judiciário.

Conforme destacado no voto do ministro Luiz Fux [5]:

"A solução dos processos tributários por meio de mecanismos de autocomposição desdobra-se em duplo benefício. De um lado, garante-se a isonomia e segurança jurídica ao tratamento de demandas repetitivas que tratam da temática, beneficiando os contribuintes. De outro, ampliam-se as fontes de receitas públicas para as unidades federativas (…)".

Não podemos nos olvidar da situação peculiar em que o país se encontra, diante da pandemia da Covid-19, com a necessidade de recuperação das empresas e atividades econômicas neste momento. E nesse ponto também se mostra importante a solução da litigiosidade tributária.

Portanto, o fomento à autocomposição tributária no Poder Judiciário traz novas potencialidades para a consensualidade no Brasil e coloca o CNJ como impulsionador da democratização e modernização do acesso à Justiça, se alinhando às tendências internacionais.


[1] Acerca do princípio da consensualidade, ver: CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Limites da liberdade processual. Indaiatuba: Editora Foco, 2019.

[2] Leis nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil); 9.307, de 23 de setembro de 1996, alterada pela Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015 (Leis de Arbitragem); 13.140, de 26 de junho de 2015 (Lei de Mediação); 13.988, de 14 de abril de 2020 (Lei de Transação Tributária); 10.522, de 19 de julho de 2002, alterada pela Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020; 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei da recuperação judicial, da extrajudicial e da falência); pela Lei Complementar nº 174, de 5 de agosto de 2020; e pela Resolução CNJ nº 125, de 29 de novembro de 2010.

[3] O grupo de trabalho, composto por membros do Poder Judiciário, da Advocacia Pública, da Receita Federal do Brasil e da Academia, foi formado por: I — Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, conselheiro do CNJ; II — Regina Helena Costa, ministra do Superior Tribunal de Justiça, que o coordenou; III — Marcus Livio Gomes, secretário Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ; IV — Marcus Abraham, desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; V — José Barroso Tostes Neto, secretário Especial da Receita Federal do Brasil (RFB); VI _ Trícia Navarro Xavier Cabral, juíza auxiliar da presidência do CNJ; VII — Maria de Fátima Pessoa de Mello Cartaxo, consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); VIII — Sandro de Vargas Serpa, subsecretário de Tributação e Contencioso da RFB; IX — Adriana Gomes de Paula Rocha, procuradora-geral adjunta de Consultoria e Estratégia da Representação Judicial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN); X — Manoel Tavares de Menezes Netto, coordenador-geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional da Procuradoria-Geral Adjunta de Consultoria e Estratégia da Representação Judicial da PGFN; XI — Adriana Gomes Rêgo, presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf); XII — Rafael Gaia Pepe, procurador do estado do Rio de Janeiro; XIII — Ricardo de Almeida Ribeiro da Silva, assessor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf); XIV — Heleno Taveira Torres, representante do Conselho Consultivo do CNJ; XV — Doris Canen, chefe de gabinete da Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica; e XVI — Eduardo Sousa Pacheco Cruz Silva, assessor da Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica.

[4] O relatório Justiça em Números publicado em 2021 indica a existência de 26,8 milhões de execuções fiscais tramitando no âmbito do Poder Judiciário e uma taxa de congestionamento de 87,3%. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/relatorio-justica-em-numeros2021-081021.pdf. Acesso em 27 de out. de 2021.

[5] Trecho do voto que acompanhou o ato normativo colocado em votação.

Autores

  • é juiz federal da 2ª Região, pesquisador associado do Instituto de Estudos Jurídicos Avançados (IALS / University of London), professor associado dos programas de Bacharelado, Mestrado e Doutorado em Direito Tributário e Direito Tributário Internacional na Uerj e secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ.

  • é juíza de Direito no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, pós-doutora em Direito Processual pela Universidade de São Paulo (USP), doutora em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e juíza auxiliar da Presidência do CNJ.

  • é LLM em Direito Tributário Internacional pela King’s College London, pós-graduada em Direito Tributário pela FGV, membro do Grupo de Pesquisa de Tributação e Novas Tecnologias da FGV e de Tributação Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do IBDT e chefe de gabinete da Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ.

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