Opinião

A Súmula 651/STJ e a nova Lei de Improbidade Administrativa

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7 de novembro de 2021, 13h10

Pouco antes da publicação e da entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021, o STJ editou a Súmula 651 com a seguinte redação: "Compete à autoridade administrativa aplicar a servidor público a pena de demissão em razão da prática de improbidade administrativa, independentemente de prévia condenação, por autoridade judiciária, à perda da função pública".

Assim, antes das alterações promovidas na redação da Lei nº 8.429/1992 pela Lei nº 14.230/2021, era possível não só a configuração judicial da prática do ato de improbidade que, entre outras sanções, poderia redundar na perda de função pública, como também a configuração administrativa de tal ato que, no âmbito de um processo administrativo disciplinar, poderia redundar na demissão do servidor público.

No âmbito da Administração Pública federal, a Lei nº 8.112/1990 prevê a possibilidade de demissão pela prática de improbidade administrativa no artigo 132, IV.

No âmbito da Administração Pública dos estados, Acre (artigo 182, IV, da Lei Complementar nº 39/1993); Alagoas (artigo 134, IV, da Lei nº 5.247/1991); Amapá (artigo 148, IV, da Lei nº 0066/1993); Bahia (artigo 192, IV, da Lei nº 6.677/1994); Distrito Federal (artigos 194, I, "b", e 202 da Lei Complementar nº 840/2011); Espírito Santo (artigo 234, IV, da Lei Complementar nº 46/1994); Maranhão (artigo 228, IV, da Lei nº 6.107/1994); Mato Grosso (artigo 159, IV, da Lei Complementar nº 04/1990); Pará (artigo 190, IV, da Lei nº 5.810/1994); Paraíba (artigo 120, IV, da Lei Complementar nº 58/2003); Pernambuco (artigo 204, XV, da Lei nº 6.123/1968); Piauí (artigo 153, IV, da Lei Complementar nº 13/1994); Rio Grande do Norte (artigo 143, IV, da Lei Complementar nº 122/1994); Rio Grande do Sul (artigo 191, VI, da Lei Complementar nº 10.098/1994); Rondônia (artigo 170, IV, da Lei Complementar nº 68/1992); Roraima (artigo 126, IV, da Lei Complementar nº 053/2001); Santa Catarina (artigo 137, I, 3, da Lei nº 6.745/1985); São Paulo (artigo 257, XIII, da Lei nº 10.261/1968) e Tocantins (artigo 157, IV, da Lei nº 1.818/2007) adotam modelo idêntico ao da Lei nº 8.112/1990

A primeira reflexão sobre a Súmula 651/STJ nesse cenário é a de que estados como Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Sergipe, por não preverem em seus estatutos de servidores públicos a possibilidade de demissão pela prática de improbidade administrativa, não poderão adotar tal prática, exceto se contarem com autorização para tanto em alguma legislação extravagante, haja vista a necessidade de respeito à tipicidade e a vedação da analogia in malam partem.

A segunda reflexão é a seguinte: diante da nova redação da Lei nº 8.429/1992 conferida pela Lei nº 14.230/2021, ainda há espaço para se cogitar a configuração de ato de improbidade em sede administrativa?

Entendemos que não.

Veja, a nova Lei de Improbidade Administrativa caracterizou o ato de improbidade como a conduta funcional dolosa do agente público devidamente tipificada em lei, revestida de fins ilícitos e que tenha o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (vide artigos 1º, §§1º, 2º e 3º, e 11, §§1º e 2º).

Pois bem, não se estando mais diante de um regime jurídico que permitia a caracterização do ato de improbidade quando constatado o elemento subjetivo dolo genérico na conduta do agente, é preciso ter em mente que o novo marco legal traz a necessidade de uma maior sofisticação e esmero na instrução dos processos penaliformes que são instaurados para apurar a prática de atos pretensamente ímprobos.

À luz da nova Lei de Improbidade Administrativa, as mesmas fragilidades no contraditório e na ampla defesa apontadas pelo STF nos processos que tramitam nos Tribunais de Contas (e que inclusive levaram o Supremo a afirmar no julgamento do RE 636.886/AL que as cortes de contas não têm poder para imputar a prática de improbidade) estão igualmente presentes nos processos administrativos disciplinares que aplicam as penalidades de demissão calcadas na ocorrência de improbidade.

Como na esfera administrativa não há um terceiro imparcial e equidistante entre as pretensões das partes, esse redesenho da configuração do ato de improbidade promovido pela Lei nº 14.230/2021 claramente demanda a necessidade de que a mesma somente ocorra em juízo, e não administrativamente.

Militar em sentido contrário seria admitir a existência de duas espécies de atos ímprobos: os configurados após apuração em juízo em que se avaliou adequadamente a existência de dolo específico e os configurados após mera apuração em sede administrativa, em que a aferição do dolo é feita por um ente que acumula as funções de instrução, acusação e julgamento.

Portanto, não nos parece uma solução aceitável ignorar o overruling da Súmula 651/STJ, vez que ela é claramente infensa ao novo paradigma trazido pela Lei nº 14.230/2021.

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