Diário de Classe

Contra o senso comum teórico, um estímulo ao pensamento crítico

Autores

  • Luísa Giuliani Bernsts

    é doutoranda e mestre em Direito Público (Unisinos) bolsista Capes/Proex membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos (Unisinos) e do grupo de pesquisa Bildung — Direito e Humanidades (Unesa) e professora da Faculdade São Judas Tadeu (SJT-RS).

  • Jefferson de Carvalho Gomes

    é doutorando em Direito pela Universidade Estácio de Sá (bolsista Prosup-Capes) mestre em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis (bolsista Prosup-Capes) especialista em Criminologia Direito e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos e advogado.

6 de novembro de 2021, 10h39

A tarefa do mestre (assim como a do mediador) é de provocar, estimular, para ajudar a chegar ao lugar onde se possa reconhecer algo que já estava ali [1]. Dois grandes mestres figuram a coluna desta semana, que é mais uma homenagem ao professor Luis Alberto Warat. Esse tributo será feito por intermédio do também mestre Lenio Streck, que, afinal de contas, popularizou o conceito de senso comum teórico de tal maneira que é impossível pensar em CHD sem lembrarmos da importância da reflexão crítica acerca dos conceitos.

Primeiro precisamos compreender o que é o pensamento crítico. Segundo Warat [2], ele "encontra-se integrado por um conjunto de vozes dissidentes que, sem constituir-se, ainda, em um sistema de categorias, propõe um conglomerado de enunciações apto a produzir um conhecimento do Direito" e, geralmente, procura revisar o "saber jurídico sacralizado". Esse deslocamento epistemológico deve se dar pelo primado da política sobre a experiência e a razão e, por tanto, "a análise das verdades jurídicas exige a explicitação das relações de força, que formam domínios de conhecimento e sujeitos como efeitos do poder e do próprio conhecimento".

Diante desse quadro, o senso comum teórico "designa as condições implícitas de produção, circulação e consumo das verdades nas diferentes práticas de enunciação e escritura do Direito" [3]. Para o professor argentino, essa categorização se deve(ria) ao aspecto simbólico que o Direito impõe no imaginário daqueles que o aplicam, sobretudo os que, em razão da autoridade, possuem o poder de julgar, acusar e investigar.

O ponto aqui é demonstrar que o emprego estratégico dos conceitos, a partir da "separação dos conceitos de suas teorias produtoras, permite a constituição de um sistema de verdades, o qual não está vinculado a conteúdos, mas sim, a procedimentos legitimadores, determinantes para o consenso social". E esse consenso provém de um processo de conotações institucionais estereotipadas intimamente ligadas ao poder dos significados [4].

O professor Lenio Streck, que foi orientando de Warat, ao explicar o senso comum teórico [5], mostra quatro funções que este exerce para a formação do imaginário jurídico, a saber: função normativa; função ideológica; função retórica e função política. Por função normativa, Streck define como sendo o "intermédio da qual os juristas atribuem significação aos textos legais, estabelecem critérios redefinitórios e disciplinam a ação institucional dos próprios juristas". Já a função ideológica é explicada da seguinte maneira

O senso comum teórico cumpre importante tarefa de socialização, homogeneizando valores sociais e jurídicos, de silenciamento do papel social e histórico do Direito, de projeção e de legitimação axiológica, ao apresentar como ética e socialmente necessários os deveres jurídicos.

A função retórica surge como um complemento à função ideológica, com clara função de efetivá-la. Por fim, vem a função política do senso comum teórico que, em síntese, busca "reassegurar as relações de poder".

O problema do senso comum é que ele se traduz em uma crença alijada de fundamentação teórica coerente e estas tendem a se tornar categorias dogmáticas ou, como bem definido por Freud, uma ilusão, pois "chamamos uma crença de ilusão quando em sua motivação prevalece a realização de desejo, e nisso não consideramos seus laços com a realidade, assim como a própria ilusão dispensa a comprovação" [6].

Retomando Warat, tais crenças fundadas em "marcos institucionais funcionam como lugares de interlocução repressiva, na medida em que estabelecem uma interpretação, polissemicamente controlada, das instâncias discursivas que se apropriam, chegando, em muitos casos, a estabelecer versões estereotipadas dos conceitos com uma clara função legitimadora" [7]. Ou seja, vão de encontro ao pensamento crítico e esse é um grande problema.

O texto de base para esta coluna é do ano de 1982! As denúncias Waratianas acerca da impossibilidade da construção de conceitos pela razão, como uma "tentativa de suprimir das ideias seus vínculos com as representações ideológicas ou metafísicas e com suas relações com o poder", ainda são atualíssimas. Continuamos precisando discutir o sentido político do saber jurídico e (não só) por isso precisamos (re)ler Warat!

 


[1] WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.

[2] WARAT, Luis Alberto. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. In: Sequência. V. 03, n. 5. Florianópolis, 1982. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/17121>.

[3] WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito, vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. p.13.

[4] WARAT, Luis Alberto. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. In: Sequência. V. 03, n. 5. Florianópolis, 1982. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/17121>.

[5] STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – o senso incomum? Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2017. p. 9.

[6] FREUD, Sigmund. Obras completas, volume 17: inibição, sintoma e angústia, o futuro de uma ilusão e outros textos (1926-1929). São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 268.

[7] WARAT, Luis Alberto. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. In: Sequência. V. 03, n. 5. Florianópolis, 1982. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/17121>.

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