Ficha Suja

Com PAD pendente, Dallagnol é tecnicamente inelegível, dizem advogados

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5 de novembro de 2021, 19h55

Os magistrados e os membros do Ministério Público que pedem exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar são inelegíveis por oito anos. É o que determina o artigo 1º, inciso I, alínea "q", da Lei Complementar 64/90, incluído pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135, de 2010). O dispositivo também prevê a inelegibilidade, pelo mesmo período, se houver aposentadoria compulsória por decisão sancionatória ou perda de cargo determinada por sentença.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Deltan anunciou nesta quinta (4/11) que irá deixar o MP para entrar de vez na política

Advogados ouvidos pela ConJur entendem que, assim, a regra se aplica ao procurador Deltan Dallagnol, que anunciou nesta quinta (4/11) sua saída do Ministério Público para tentar ingressar definitivamente na carreira política — caso consiga superar a literalidade da Lei da Ficha Limpa, já que um processo administrativo disciplinar (PAD) contra ele está pendente no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O dispositivo previsto pela Lei da Ficha Limpa visa impedir a renúncia ao cargo  com o objetivo de preservar direitos políticos — antes de uma sanção que também determinaria eventual inelegibilidade. 

Um grão de sal
O porta-voz do consórcio curitibano da "lava jato" foi alvo de 52 reclamações disciplinares no CNMP. Desse montante, três viraram PADs. Em um deles, relativo ao famigerado caso do PowerPoint, houve prescrição. Nos demais, Dallagnol foi condenado, tendo recebido as penas de censura e de advertência.

No caso do PAD que gerou a advertência, no entanto, Dallagnol acionou o Supremo Tribunal Federal. O ministro Luiz Fux concedeu então uma liminar para que, até o julgamento de mérito pelo STF, o CNMP deixe de considerar essa pena na análise das medidas a serem eventualmente impostas nos outros dois PADs. Isso porque, se a advertência fosse levada em conta, as futuras condenações do ex-membro da "lava jato" poderiam ser agravadas.

Portanto, ainda pesa um PAD pendente contra Dallagnol. Para Marcelo Peregrino Ferreira, advogado e doutor em Direito pela UFSC, o pedido de exoneração feito por Dallagnol, com a pendência desse PAD, gera, de fato, sua inelegibilidade. "Observa-se que o procedimento administrativo sancionatório não carece de chegar ao fim, não sendo, sequer, a 'verdade' buscada. A inelegibilidade surge de uma presunção jure et jure da renúncia ou pedido de aposentadoria ou exoneração (por magistrados e membros do Ministério Público) como confissões de ilícitos", afirma.

"Na realidade, Dallagnol só poderia pedir a exoneração após o fim dos processos administrativos disciplinares. A regra existe exatamente para impedir que um promotor faltoso fuja da punição. Se pedir na pendência de processo disciplinar, pouco importando o resultado, está inelegível", conclui.

Walber de Moura Agra, procurador de Pernambuco, advogado e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) expica que um caso é o tipificado na alínea "m" do artigo 1º, I, da LC 64/90, que prevê a inelegibilidade dos excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional. Para sua configuração, Deltan teria que ser excluído do MP, o que não foi o caso. E, como é bem cristalino, a sanção é apenas para os que forem excluídos, não os que receberam outras penalidades.

Porém, outra situação é prevista na alínea "q". Para Agra, essa hipótese de inelegibilidade incidiria plenamente se Deltan pedir exoneração, uma vez que um PAD estaria pendente. Além disso, o advogado considera que, com a decisão do ministro Fux, a questão passou à esfera de Direito Público. Assim, mesmo que Dallagnol desista de sua ação no Supremo, na tentativa de "encerrar o PAD", a questão passou a ser de verificação do devido processo legal. 

O advogado Marco Riechelmann vai na mesma linha. Mesmo com o processo no STF, Deltan pode ser enquadrado pela Lei da Ficha Limpa. Isso porque a liminar concedida pelo ministro Fux é uma decisão precária e o processo poderia gerar efeitos futuros caso não houvesse exoneração.

"Se o membro do Ministério Público que se exonera tem PADs pendentes contra si, entendo que a causa de inelegibilidade incide mesmo que estes estejam suspensos por determinação judicial. Isso porque houve apenas o sobrestamento do processo, não tendo uma decisão definitiva de mérito", explica.

Mera advertência
Já outro advogado especialista em Direito Eleitoral ouvido pela ConJur entende que o artigo 1º, inciso I, alínea "q", da LC 64/90, é equivalente à inelegibilidade estabelecida para parlamentares quando renunciam aos seus mandatos com processos pendentes na comissão de ética. A ideia é não criar um cenário para que as pessoas fujam do PAD e da punição. Mas, na opinião dele, o processo administrativo precisaria, pelo menos em tese, levar à cassação do parlamentar para que sua renúncia gerasse a hipótese de inelegibilidade.

Assim, o advogado afirma que, como Dallagnol receberá no máximo uma advertência, o caso não se enquadra no dispositivo legal mencionado. Ou seja, sustenta que a Lei da Ficha Limpa não deve ser interpretada de forma literal; portanto, pouco importa se o PAD ainda está pendente, já que a condenação do procurador jamais poderá ser sua demissão.

Precedentes do CNMP
A jurisprudência do CNMP indica que, ao pedir exoneração, os PADs pendentes tendem a ser arquivados. Para Moura Agra, no entanto, esses precedentes não devem ser aplicadas ao caso de Dallagnol, pois se trata de jurisprudência específica do CNMP, "não podendo ser transladada para a seara das inelegibilidades, que ostenta especificidade e detém, em seu alicerce, supremacia constitucional." 

Pet 8.614

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