Prática Trabalhista

Considerações sobre a população trans e o mercado de trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

4 de novembro de 2021, 8h00

É cediço que a pessoa transgênero já encontra inúmeras dificuldades do ponto de vista social e familiar, mas, sobretudo, a inclusão no mercado de trabalho é seguramente um grande desafio ainda a ser superado.

Nesse sentido, algumas excelentes iniciativas têm auxiliado nesta inclusão, como, por exemplo, é o caso da plataforma TransEmpregos, que é o mais antigo projeto de empregabilidade de pessoas trans do Brasil [1], idealizado pela empresária e advogada Márcia Rocha.

Observe-se que, além do preconceito que é sabido ser existente em nossa sociedade brasileira, as empresas ainda possuem muitas dúvidas de ordem prática e, por isso, se sentem despreparadas para lidar com o transgênero no ambiente de trabalho.

Conforme relatório elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais, 88% dos entrevistados acreditam que as sociedades empresárias não estão prontas seja para a contratação, seja para a manutenção de pessoas trans nos seus quadros de colaboradores [2].

Aliás, uma pesquisa apontou que 20% da população trans não tem emprego formal, assim como 56,82% sofrem com insegurança alimentar [3].

Em outro estudo realizado referente à empregabilidade trans, 90% das pessoas entrevistadas acreditam que mulheres trans são travestis e que, por falta de oportunidades profissionais, acabam trabalhando na prostituição [4].

Indubitavelmente, a discriminação por identidade gênero traz consequências terríveis, sendo a de maior gravidade aquela que acarreta a exclusão de tal pessoa do convívio social. Afinal, além de enfrentar o medo em virtude dos altos índices de mortalidade e violência, ainda está suscetível de sofrer transtornos de ansiedade, depressão e pensamentos suicidas [5].

Do ponto de vista normativo, o Brasil conta com a Lei nº 9.029/95, que preceitua, em seu artigo 1º, que "é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal".

Lado outro, do ponto de vista internacional, a Declaração dos Direitos Humanos [6] dispõe, em seu artigo 1º, que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade".

É certo que a identidade de gênero consiste no modo em que a pessoa se identifica diante da coletividade, inobstante o seu sexo biológico. E, para melhor esclarecer a temática, oportunas as palavras de Candy Florencio Thomé [7]:

"(…) ) princípio da igualdade de gênero é um desdobramento do princípio da igualdade. O princípio da igualdade, que tem fundamento na dignidade da pessoa humana, é o sustentáculo fundamental do Estado democrático e princípio crucial da estruturação de um sistema político e jurídico.
A ONU estabelece, no artigo 1º (3) de sua Carta, como um de seus propósitos, o encorajamento ao respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião".

Dito isso, em caso concreto analisado pela Justiça do Trabalho, citamos o precedente da 7ª Turma do TRT da 1ª Região (RJ), que condenou uma empresa em danos morais por ter realizado uma dispensa discriminatória em razão da identidade de gênero [8]. Em seu voto, a desembargadora relatora ressaltou que deve ser censurada a conduta adotada, e, mais, a empresa deveria colaborar para a edificação de uma sociedade inclusiva, justa e igualitária, tendo em vista a sua importância no cenário econômico e internacional.

Em outra decisão recente, o Poder Judiciário obrigou a Marinha a reconduzir uma militar transexual após ter sido afastada ao contar aos seus superiores que estaria em um processo de transição de gênero [9].

Já na cidade de São Paulo, o Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de São Paulo emitiu uma nota técnica de apoio ao Projeto de Lei 01-00010/2020, do vereador Eduardo Matarazzo Suplicy [10]. O referido projeto [11] visa a garantir o uso de banheiros por travestis, homens trans e mulheres trans em órgãos e equipamentos públicos, assim como em centros e estabelecimentos comerciais da cidade.

De outro norte, o Supremo Tribunal Federal já foi provocado a emitir um juízo de valor quanto à utilização de banheiro por pessoas trans. Trata-se do Recurso Extraordinário 845.779 [12]. Aliás, o Tema de Repercussão Geral 778 discute a "possibilidade de uma pessoa, considerados os direitos da personalidade e a dignidade da pessoa humana, ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente" [13]. Até o momento, frise-se, a Suprema Corte não se posicionou definitivamente, de modo que o julgamento se encontra suspenso, diante do pedido de vistas do ministro Luiz Fux.

Não obstante o grau de complexidade dessa temática, é indispensável que sejam criadas políticas de inclusão e práticas de contratação de profissionais trans. Isso porque, em arremate, é forçoso se debruçar em um estudo aprofundado sobre o assunto, para que seja possível lidar com tópicos cada vez mais específicos, afinal, é dever e obrigação de todos contribuir par a efetivação da igualdade de gênero e, por conseguinte, uma sociedade mais democrática, justa e acolhedora.

 


[1] Disponível em https://www.transempregos.com.br/. Acesso em 01.11.2021.

[7] O princípio da igualdade de gênero e a participação das mulheres nas organizações sindicais dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 2012. Página 51.

[8] PROCESSO nº 0100846-58.2019.5.01.0017; 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Desembargadora Relatora Carina Rodrigues Bicalho, Acórdão publicado em 25.03.2021.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador Acadêmico do projeto “Prática Trabalhista” (Revista Consultor Jurídico - ConJur), palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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